terça-feira, 13 de março de 2018

Mais uma prova de quanto é superior


A sua superioridade está na coragem com que afronta a violência ou os dichotes que ele não podia deixar de esperar, ao aceitar o trabalho oferecido, - dichotes que, aliás, sempre defrontara, na sua missão de equilibrar decentemente o país amigo de mama que é este seu.  Não foi o seu caso, o amor à mama, nem o de muitos mais, que o estimam, alguns dos quais, na sua situação actual de ostracizado, até se atreveram a convidá-lo, revelando uma coragem digna de apreço, no estado de sítio desse país que se livrou dos medos anteriores, para agora pretender impor a sua violência em liberdade – verbal, pelo menos, – pautada nas experiências de voos de gaivota, segundo o modelo da Ermelinda Duarte, redutores de princípios e de obrigações, em manifesta e ignara acefalia, emprenhada de arrogância e incivilidade e a maior parte das vezes de deslizes ortográficos, nos comentários depreciativos, já por conta da gaivota mandriona.

Manuel Carvalho e João Miguel Tavares, ambos probos, o defendem também, sem receio dos comentários dos da escola da gaivota pátria:


OPINIÃO
O professor Passos entre a arrogância e o sectarismo
Com excepção da vergonha da Tecnoforma, nada na vida de Passos Coelho o impede de ser docente em universidades nacionais.
PÚBLICO, 7 de Março de 2018
A polémica dos convites a Passos Coelho para dar aulas em três universidades só merece mais do que uma linha de aversão porque reflecte um preconceito aberrante e expõe à vista de todos uma atitude mesquinha e perigosa. O assunto não chegou ao grande debate nos jornais (ficou-se pela pequena conversa de café ou pelas redes sociais) porque fica mal expor ao grande público a arrogância de classe ou o sectarismo ideológico mais básico que alguns dos críticos manifestaram. Mas, mesmo na penumbra, a onda não deixa de ser reveladora e irritante. O sectarismo que empurra uma certa esquerda, faz hoje de Passos Coelho o que a direita fez com Mário Soares no Verão Quente.
O que sobrou nos posts do facebook, nas mensagens privadas, nos risinhos desdenhosos da cantina é, em alguns casos, uma indignação larvar pela ascensão social até uma cátedra de um pacóvio de Trás-os-Montes que reside em Massamá e faz férias em Manta Rota. Raquel Varela, historiadora situada nas fronteiras da esquerda radical diz no seu blogue pessoal que "Passos foi de Massamá ao Restelo a cavalo na vida política pública" e o que vale a pena constatar nesta declaração não é o destino nem o meio de transporte: é a origem, é Massamá.
Em outros casos, o que tresanda no horror ao “professor Passos” é o preconceito de uma certa esquerda extrema, chique e arrogante, que ainda olha para a austeridade da troika como uma maldade deliberada e maldosa de uma meia dúzia de arrivistas liderados por Passos Coelho. Alguém com esse passado jamais terá lugar no Olimpo do saber. Rui Bebiano, docente da Universidade de Coimbra, vê o “escândalo” (o termo é meu) como prova de uma inominável injustiça e um óbvio sinal de nepotismo: "É uma desonra para uma escola pública, e uma afronta para quem, no sistema universitário, tanto dá ao longo da vida subindo custosamente a pulso, ou nem sequer o consegue fazer devido ao rigoroso limite de vagas", escreveu no Facebook. Haver concorrência à endogamia universitária é de facto uma “afronta”.
Para o país dos doutores e apelidos nobres, Passos chegou onde chegou apenas por causa do indigenato ignaro que tropeça no erro sempre que exerce o seu direito de votar. O erro com Passos tem de ser apagado, custe o que custar. O que não parecia difícil: bastava dar largas ao ressentimento. Se fosse para uma empresa, Passos estaria finalmente a receber os juros da sua política a favor dos negócios. Se fosse para o lobbying, representaria o segundo acto da sua submissão aos interesses do capital que tinha iniciado no Governo. Como vai dar aulas, Passos tornou-se o arrivista que vive da ignorância, o indigente que ameaça depauperar o brilho da magnífica intelligentsia nacional.
Passos, tantas vezes manhoso e videirinho, não é um intelectual e a sua crença numa ideologia regeneradora pensada para libertar o país através do desmonte do Estado é uma prova do seu profundo desconhecimento da História. Mas tem a seu favor um trunfo raro: o da experiência feita no pior período da vida nacional em muitas décadas. O que vale tanto ou mais do que muitos doutoramentos. Passos teve empregos garantidos pelo capital social que acumulou no PSD e manchou a sua biografia nas negociatas legais mais imorais e indignas da Tecnoforma. Mas a sua passagem pelo Governo deu-lhe um leque de saberes e competências que lhe garantem um curriculum acima da média. Negociar com o FMI ou com a Comissão Europeia, participar em cimeiras europeias, gerir a crise bancária e o estouro do BES não faz parte de uma experiência comum. É um capital de saber feito raro e precioso. Não se trata de discutir se ele esteve, ou não esteve bem; trata-se apenas de perguntar que espécie de competências fazem falta a um professor universitário nas áreas da administração pública ou da economia.
Entre dissertar sobre sebentas de pensamentos alheios, que é o que fazem tantos docentes universitários, ou pegar numa mais frágil base teórica e transmitir experiências reais tem de haver complementaridade, nunca oposição. De resto, há muitos professores “convencionais” nas universidades e poucos capazes de lhes aportar os saberes da vida concreta. É por isso importante e interessante para o país pegar na experiência real de Passos Coelho e reproduzi-la no sistema de ensino. Só não entende isto quem for incapaz de separar Passos Coelho da sua condição social ou do seu passado político. Ser um outsider das oligarquias, não é pecado. Ser defensor (mais nas palavras do que nos actos) de uma ida “além da troika” para chegar a um neoliberalismo feroz não é um crime. A diversidade de origens, de opiniões e de mundividências é fundamental nas universidades e no espaço público. Francisco Louçã não deixa de ser um dos nossos mais brilhantes pensadores da área da economia (e da política económica) por defender ideias radicais e anti-sistema.
É banal em Portugal e em todos os países desenvolvidos encontrar ex-políticos nas universidades. Ao contrário do que diz o senso comum, nem sempre a melhor escola é a escola da vida, mas, com excepção da vergonha da Tecnoforma, nada na vida de Passos Coelho o impede de ser docente em universidades nacionais. Que se saiba, a sua licenciatura é limpa – e mesmo que não tivesse licenciatura completa teria sempre experiência para dar aulas, à semelhança de Jacques Delors e de muitos outros. Que se conheça, Passos não se serviu do seu cargo no Governo para enriquecer de forma ilícita. Que se julgue, Passos prestou um serviço público ao gerir o país nos anos de chumbo da troika, ou ao ter coragem para afrontar os donos disto tudo. Não é da linha de Cascais, mas de Vila Real, não andou por Oxford, mas na Lusíada, não mora nos bairros chiques, mas em Massamá, não é de esquerda, mas sim liberal puro e duro… Qual é o problema?
Nenhum. Como escreveu o socialista Sérgio Sousa Pinto, "a experiência de um ex-primeiro-ministro, qualquer que seja, é única e valiosa". Com o seu passado recente enterrado pelo sucesso de António Costa e da solução política que construiu, Passos saiu de cena e em vez de se transformar num lobista como Paulo Portas ou como Miguel Relvas, decidiu passar uns tempos pelas salas de aulas. Talvez haja quem o preferisse ver a cavar valas num qualquer campo de reeducação política. Esses não são capazes de perceber que, muito para lá das diferenças ideológicas ou dos juízos de valor que se possam fazer sobre a sua passagem pelo Governo, há em Passos Coelho uma aura de coragem cívica e uma imagem de dignidade na forma como resistiu à troika que não justificam o quase ódio ou o ostracismo a que tantos o querem votar. Vê-lo a ensinar o que viveu e aprendeu nesses anos de chumbo é útil para as universidades. E é também uma forma justa de o país o homenagear e de conservar na memória essa experiência traumática, mas bem-sucedida, do ajustamento.


O ódio ao professor Passos Coelho
Não há qualquer espanto nisto. As faculdades de ciências sociais viraram muito à esquerda.
JOÃO MIGUEL TAVARES
PÚBLICO, 10 de Março de 2018

Louvo a paciência a tanta gente estimável que saiu em defesa de Pedro Passos Coelho com argumentos razoáveis e académicos, procurando demonstrar como é importante que políticos com a sua experiência voltem à universidade para transmitir aos outros aquilo que aprenderam à frente do país. Não será óbvio – argumentam as estimáveis pessoas – que um primeiro-ministro que governou na era da troika tem muito a ensinar a alunos de mestrado e doutoramento em Administração Pública? Claro que é óbvio. Claro que é óptimo para a universidade portuguesa que Passos opte por dar aulas em vez de ir para a Goldman Sachs. E claro que isso não interessa nada a quem se opõe à sua contratação.
Apesar de eu valorizar a honestidade intelectual dos que defendem Passos Coelho e concordar com os seus argumentos, temo bem que eles sejam inúteis perante aquilo que verdadeiramente está em causa. A polémica nada tem a ver com questões académicas. Ela tem tudo a ver com questões ideológicas. Os professores universitários, e seus simpatizantes, que se têm oposto ao ingresso do antigo primeiro-ministro no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) fazem-no por uma razão muito simples: todos eles, sem excepção, odeiam aquilo que Passos representa politicamente. O problema deles não é com o professor Passos Coelho. É mesmo com o político Passos Coelho.
Eles até podem não usar esse argumento – mas é a motivação que os leva a usar outros argumentos. No início da polémica está um post no Facebook de Rui Bebiano, professor em Coimbra, investigador no inevitável CES e colaborador regular do Esquerda.net. Bebiano admite em abstracto que um não-académico possa ocupar um lugar de destaque na academia, mas a Passos Coelho falta, logo por azar, “formação”, “mérito” e “reconhecimento”, pelo que a sua contratação não passa de “nepotismo” (isto porque o convite terá partido de Manuel Meirinho, actual presidente do ISCSP e deputado do PSD entre 2011 e 2015). Raquel Varela, outra professora conhecida pelo seu amor à direita liberal, teve a vantagem de ser mais clara: “[Passos Coelho] acaba a dar aulas numa universidade pública, paga por nós, onde vai ensinar a outros como continuar a destruir serviços públicos.” Isto, sim, é um resumo evoluído daquilo que aconteceu em Portugal entre 2011 e 2015.
Não há qualquer espanto nisto. As faculdades de ciências sociais viraram muito à esquerda, e o ressentimento de professores e alunos, em vez de se dirigir àqueles que transformaram a universidade num coio de amiguismo e endogamia, apontou antes para o famoso “neoliberalismo português”, o peluche político da esquerda nacional, que ocupa um lugar bonito ao lado das fadas e dos unicórnios. Não admira que surjam abaixo-assinados de alunos, e que outros declarem (Sérgio Lavos, candidato do Livre, no Twitter): “Se a maioria dos alunos do ISCSP decidir que não quer Passos como professor, a direcção do instituto só tem de acatar a decisão.”
As grandoladas, como se vê, continuam, e a pergunta que importa fazer é esta: de onde vem tanto ódio a Passos Coelho? É um corrupto? Afundou o país? Impôs sacrifícios inúteis? Falhou a saída limpa? Tentou controlar a justiça? Silenciou a comunicação social? Não, ele não fez nada disso. Mas fez pior: refreou o Estado gargantuesco e propôs mais liberdade aos cidadãos. Tudo ideias tão perigosas para certa esquerda que a simples visão de Passos a ensinar numa universidade pública é mais do que aquilo que conseguem suportar.


Nenhum comentário: