É Paulo Rangel que nos
conduz, mostrando actuais desvios a uma determinação primeira de valorização da
pessoa no estabelecimento das democracias ocidentais. E cita, como desvios a
essa rota democrática, a Rússia de Putin, a Turquia de Erdogan, ambos eternizando-se
no poder, (descontando a China de Xi Jiping que nunca pretendeu ser democrática),
e ambos influenciando outras atitudes antidemocráticas, como a da Hungria
liderada por Viktor Orbán, a Polónia pelo gémeo Kaczynski. Também
da Roménia, da Eslováquia, de Malta se revela o desvio às intenções iniciais de
solidariedade democrática do percurso europeu, que os populismos - com incidência
no americano de Trump – ajudam a degradar. Vale a pena a leitura do texto de Paulo
Rangel - «Europa: democracia e ditadura da maioria» - para os que assistem de longe às convulsões de
um mundo que se pretendeu coeso. Temporariamente, que a temática da “mudança”
vem de longe e não acaba, “tomando sempre novas qualidades”.
Ao mesmo Público de 20/3, pertence a Editorial de Diogo
Queirós de Andrade sobre «A democracia contra o Facebook» mostrando quanto – por vezes -
é corrosiva e manipuladora a intrusão do Facebook ou do Youtube no processo
democrático, com efeitos negativos sobre a educação. Cito a frase
demonstrativa: “No Facebook
a discussão de ideias é trocada pelo insulto, a força bruta substitui a
persuasão e o método científico é abandonado a favor do achismo”.
Mas não me parece que o apelo a que os Estados intervenham no fenómeno,
reduzindo-o, obtenha resultado positivo. Vivemos numa época de ruído, de “vale tudo”,
de divulgação do escabroso, de minimização dos valores éticos, de desinteresse pela
leitura dos clássicos, e concomitante invasão da tecnologia, menos morosa e até
talvez mais eficaz no desenvolvimento intelectual. Mas é certo que a grosseria
acompanha o progresso. Em retrocesso.
OPINIÃO
Europa: democracia e ditadura da maioria
O melhor ensinamento da tradição política ocidental é este: a democracia
não é a ditadura da maioria. Não o esqueçamos nunca.
20 de Março de 2018
1. A reeleição do Presidente Vladimir Putin, que tem liderado a Rússia
com mão de ferro, é talvez o mais lídimo exemplo da ameaça que paira sobre as
democracias liberais. Ao tentar legitimar-se com os seus instrumentos,
mas não respeitando os seus princípios fundamentais e sagrados – anterioridade
dos direitos fundamentais da pessoa, princípio da separação dos poderes,
primazia do estado de direito, pluralismo e liberdade de expressão e imprensa
–, ela esgota-se na prevalência da vontade da maioria. Esta prevalência
em nada se identifica com a democracia, tal como a concebemos; subsiste, quando
muito como “ditadura da maioria” e, isto, se se aceitar a genuinidade
dos resultados eleitorais. Comparável a Putin, só mesmo Erdogan e com
as suas presidencialização do regime e eternização no poder. Também os
frágeis arames em que se segurava a democracia turca romperam estrepitosamente
com o referendo e o chamado golpe de Estado. Mais uma vez, não se
cura de seguir a vontade da maioria, tal como reiteradamente a
entendemos: trata-se, isso sim, sem mais e no melhor cenário, de ditadura da
maioria.
Não vale a pena falar de Xi Jiping e da China, porque aí ninguém
quer validar-se nas águas largas do rio democrático, mesmo que, à maneira russa
ou turca, se lhe desviasse o caudal. Aí o sistema é outro e não carece dessa
classe de legitimações ou “pseudo-legitimações”. Há um ponto em que
notoriamente se identifica com os outros dois casos – o que, aliás, mostra bem
que estes últimos são afinal um embuste democrático. Nestas três tramas políticas, há um desígnio
comum: a perpetuação no poder do homem forte do regime. Com bênção democrática ou sem ela, a finalidade
é assegurar a estabilização do poder personalizado num líder forte e
carismático, com capacidade de afirmação interna e externa.
2. Na Europa, de há muito que se identificaram dois países em que se
pisavam os trilhos das democracias iliberais. O primeiro deles, a Hungria,
sob a liderança carismática de Viktor Órban e cujo ataque aos
princípios liberais se fez essencialmente em sede de independência do poder
jurisdicional e de liberdade da comunicação social. Ultimamente, a controvérsia
centrou-se ainda na liberdade de aprender e de ensinar e na autonomia
universitária (muito por causa de uma alegada interferência política de George
Soros). A seguir veio a saga polaca com o regresso ao poder – e,
desta feita, com maioria absoluta – do gémeo Kaczynski sobrevivente.
Embora não ocupe nenhum lugar cimeiro, controla absolutamente o Governo e, em
grande parte, o Presidente da República. A agenda não é muita diversa da de
Órban, embora seja bem mais intensa no ataque que desfere contra a
independência das instituições judiciárias. Neste particular, intercede ainda
algum bullying político sobre os dirigentes oposicionistas. Estes dois casos
estão longe de ser os únicos em que o deslize para a “democracia
musculada” e a “paranoia maioritária” tem feito o seu curso.
Eles são muito caros a certos sectores, porque um governo é de direita
radical – o polaco – e o outro ainda pertence ao PPE – o húngaro. Mas
quem quiser falar verdade sobre a atracção que a linha Putin-Erdogan está a
exercer sobre políticos europeus não pode em caso algum acantonar-se nos casos
que lhes são “partidariamente” convenientes.
3. Muito evidente, e de que aqui se tem falado amiúde, é a degradação
da democracia romena, mas agora, note-se, debaixo da batuta de um
Governo socialista. Nos últimos dois anos já vai no terceiro
primeiro-ministro. Esta instabilidade está intrinsecamente ligada à
tentativa recorrente de aprovar amnistias de crimes de corrupção praticados
pela elite partidária no passado recente. Não tendo conseguido fazer passar
as leis, transitou-se já para a tentativa de ataque ao judiciário que teve uma
resposta exemplar em protestos de rua e na imparcialidade e prestígio do Presidente
da República Klaus Iohannis.
4. Não menos evidente e já com grande lastro, vem a ser a situação da Eslováquia.
Governada em dez dos últimos doze anos pelas mãos de Robert Fico, mais
uma vez do Partido Socialista, vivia uma situação muito similar à da
Hungria (apesar da conhecida animosidade e disputa entre os dois países). Robert
Fico é (ou era) o Órban eslovaco, com a simples “vantagem” de que é
socialista e, por isso, goza (ou gozava) de uma complacência de que políticos
mais à direita não beneficiam. O recente envolvimento de membros do seu governo
em esquemas de corrupção com a máfia italiana e a investigação jornalística
entretanto desenvolvida levaram ao assassinato de um jornalista e da sua
companheira. Assassinatos de jornalistas na União Europeia são do nível
da sofisticação espiã dos envenenamentos ou do ambiente de intimidação do velho
terrorismo ideológico dos anos 70. A derrapagem do Estado de Direito é
ostensiva. Fico, pressionado pelo Presidente, acabou a demitir-se, mas não
parece querer sair de cena e, pasme-se, também culpa George Soros.
5. Já Malta, com outro governo socialista, anda a braços com
escândalos endémicos de corrupção e assistiu ao assassinato frio de uma
jornalista que investigava os casos em causa. Também aí, por causa da
inércia e do simples marcar passo das autoridades, parece haver resistência a
um esclarecimento pronto e cabal do homicídio e da máquina de corrupção que o
engendrou.
6. Ao invés do que alguns julgam e insinuam, o cancro que devora a
democracia liberal ocidental e que é tão bem aproveitado pelos seus inimigos,
Putin e Erdogan – sempre prontos a patrocinar a instabilidade – não tem cor
política. Está parqueado em interesses geopolíticos permanentes, nos seus
aliados populistas de esquerda e de direita e até nas redes globais do crime.
Este é seguramente um dos grandes riscos políticos da União, a que o advento do
populismo de Trump nada ajuda.
O melhor ensinamento da tradição política ocidental é este: a
democracia não é a ditadura da maioria. Não o esqueçamos nunca.
SIM. Acordo de
transição sobre o "Brexit". A fase mais complicada (Irlanda, relação
futura) está por chegar, mas a crise russa e o alheamento de Trump forçaram o
bom senso das duas partes.
NÃO. Ilusionismo
fiscal no Montepio. O governo perdeu a vergonha. Para Centeno e Vieira da Silva
já vale tudo. Eis um grave caso que o PSD e a oposição não devem largar.
A democracia contra o Facebook
Agora que se percebe melhor a importância de uma imprensa livre para a
democracia, interessa perceber que a ameaça sob o nosso modo de vida é real e
que o Facebook é parte do problema.
DIOGO QUEIROZ DE ANDRADE
20 de Março de 2018
Mil anos de manipulação de massas, em nome de deus, do rei, da pátria e
da democracia, já nos deviam ter ensinado: quando se mexe com emoções, a
racionalidade é muito pouco eficiente. O Facebook já não pode continuar
a ser visto como uma mera plataforma de entretenimento, visto que é uma
ferramenta perfeita para explorar medos, ódios e inseguranças – onde ganha quem
tem mais dinheiro para melhor espalhar os seus anúncios.
Nesse sentido aquela rede social tornou-se o grande inimigo da sociedade
aberta. Se Karl Popper fosse vivo hoje, talvez colocasse o senhor Zuckerberg
ao lado de Platão, Hegel e Marx. Não obviamente pela filosofia historicista,
que o americano não dá para tanto, mas pelo potencial de erosão dos ideais
iluministas que a sua plataforma produz. No Facebook a discussão de
ideias é trocada pelo insulto, a força bruta substitui a persuasão e o método
científico é abandonado a favor do achismo.
O jornalismo já foi triturado por este e por outros gigantes da era
tecnológica, um efeito tido como colateral do progresso. Mas agora que se percebe melhor a importância
de uma imprensa livre para a democracia, especialmente em épocas em que o
obscurantismo se espalha sob a forma do populismo, interessa perceber que a
ameaça sob o nosso modo de vida é real e que o Facebook é parte do problema. Não é único – o Youtube, controlado pela
Google, também é uma ferramenta de disseminação do discurso de ódio com
especial impacto em crianças e jovens, mas é o modelo do Facebook que o torna
tão letal no impacto.
Compete aos estados agir, com as ferramentas que têm em mão, para
limitar o poder destas entidades supranacionais. O discurso de ódio é
sancionado nas democracias e o argumento de que estas plataformas não são responsáveis
pelo conteúdo que promovem já não tem sustentação. Ao mesmo tempo, as práticas
monopolistas e o desrespeito pelos direitos dos cidadãos também colocam estas
empresas na mira dos reguladores – e a União Europeia é instrumental num ataque
cada vez mais necessário a estes inimigos da democracia.
Mas compete também aos cidadãos informarem-se e criarem mecanismos para
evitarem ser manipulados. Por definição, ninguém gosta de ser tomado por
idiota. Se calhar, convém deixar de perder tempo em locais onde é exatamente
esse o papel que nos está destinado.
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