O poder como chamariz. Qual
democracia? Mas eles aí estão, o da Rússia e o da China, impondo, vitoriosos, a
sua presença sagazmente temível, donos de impérios e extensões esplendorosas,
que desejam conduzir, talvez por orgulho pátrio, talvez por orgulho próprio,
mas indiscutivelmente eficientes. Qual democracia? É o que subentendemos do que
nos conta Rui Tavares a respeito as eleições de Vladimir Putin de
que a Agência Lusa nos deu também conta, referindo as saudações do seu parceiro
asiático, Xi Jiping:
«O Presidente chinês, Xi Jinping, felicitou hoje o seu homólogo russo,
Vladimir Putin, pela sua reeleição, saudando uma relação sino-russa no seu
melhor nível histórico e exemplar para as relações internacionais, noticiou a
agência Nova China.
A relação entre Pequim e Moscovo "está no seu melhor nível
histórico, o que constitui um exemplo para a edificação de um novo tipo de
relações internacionais, fundado sobre o respeito mútuo, a equidade e a
justiça", indicou numa mensagem o Presidente chinês, que também foi
reeleito no sábado por unanimidade pelo parlamento chinês.
O Presidente russo, Vladimir Putin, garantiu 76,41% dos votos expressos
nas eleições presidenciais de domingo quando estavam escrutinados 90% dos
boletins, informou hoje a Comissão Eleitoral Central.
Rui Tavares faz a destrinça das democracias – a de Putin não invejada,
ao que parece, (mas não entendi bem), por conta do azedume que provoca, a de Xi
Jiping bem aceite, calma e serena e por todos desejada, até porque se trata de
um povo dócil ao chefe - porque de uma civilização muito antiga e orgulhosa de
si. (Vejo-os por cá, fechados e serenos, altivamente impondo a sua presença nas
suas lojas, conscientes do seu poder alastrante).
Embora Rui Tavares se sentisse
incomodado com o efeito da proibição em Macau de um Festival Literário em que
participaria a autora de “Cisnes Selvagens” – Jung Chang – que no
seu livro pontua a odisseica vida chinesa, por três gerações, rematando com a
terrífica convulsão social imposta por Mao. Rui Tavares refere a humilhante
posição portuguesa, inerte perante a proibição chinesa, mau grado a condição de
não ingerência local aquando da integração de Macau na China.
É esta a imagem de dois ditadores democratas, ambiciosos de poder, com
razão para o serem, donos de vastos espaços, talvez patriotas sinceros, e
afinal de comportamentos equivalentes, mau grado o que nos conta Rui Tavares.
Nós por cá… Dois democratas também, julgo que igualmente ambiciosos de
poder, Rui Rio conluiando-se com António Costa, abandonando o CDS com quem
dificilmente formaria maioria, indiferente a doutrinas, talvez apenas desejoso
de pôr o país nos eixos… demos-lhe o benefício da dúvida.
Maria João Avillez conta
OPINIÃO
Visto
de Macau: a democracia sob fogo cruzado
Como é evidente,
não há nada mais ficcional nem absurdo do que imaginar umas eleições
competitivas na Rússia.
RUI TAVARES
PÚBLICO,16 de
Março de 2018
1. À medida que se aproxima a data das eleições presidenciais na
Rússia, no próximo domingo, a incerteza é muita: quem irá ganhar? Vladimir
Putin ou Vladimir Putin? Eu arriscaria dizer que será Vladimir Putin. Mas os
leitores talvez apostem antes em Vladimir Putin. No fim de contas, é capaz de
ganhar mesmo Vladimir Putin.
Como é evidente, não há nada mais ficcional nem absurdo do que imaginar
umas eleições competitivas na Rússia. O que interessa a Putin não é, aliás,
provar que o seu regime é bom: é provar que todos os outros também são maus. O
revisionismo tático de Putin funciona bem no curto prazo, mas ao mesmo tempo
deixa um rasto de azedume e mal-disfarçado complexo de inferioridade que não o
torna apetecível. Para o dizer de uma forma simples: há poucos países no mundo
que queiram ser como a Rússia.
2. A longo prazo, o desafio mais sério à consolidação da democracia não
vem da Rússia, mas de uma visão muito mais estratégica do que a de Putin. É
a visão que vem da China e da sua atual liderança. Escrevo estas linhas a
partir de Macau, onde cheguei há horas, e enquanto assisto à televisão chinesa
de língua inglesa, que faz o comentário às duas sessões plenárias anuais
parlamentares da China (do Congresso Nacional do Povo e da Conferência
Consultiva Política do Povo da China) que se reuniram, como de costume, para
aprovar todas as propostas que lhes são apresentadas pela liderança do Partido
Comunista Chinês.
O contraste com a Rússia — e com cadeias de
“informação” russa como a Sputnik e a Russia Today — não poderia ser maior. Os comentadores chineses não perdem tempo com
a paranoia conspirativa dos canais russos. Pelo contrário, intelectuais como o
cientista político Zhang Weiwei dedicam-se do princípio ao fim a estabelecer e
explicar incessantemente as bases de uma crítica à democracia eleitoral,
propondo-lhe como alternativa a gestão “centralizada e eficiente” da “boa
governança de características chinesas”. Algumas frases respigadas do que vou
ouvindo: “o caso dos EUA prova que a democracia não é meritocrática; na China
nunca seria eleito um Trump”; “a distinção entre democracia e autocracia está
ultrapassada, o que interessa é a boa governança, como a da China, ou a má
governança, como a dos EUA”; “aqui na China governamos por decreto, e por isso
a implementação é feita rapidamente”. Nada disto é dito envergonhadamente, mas
antes assumido como uma doutrina completa e consistente. E, ao contrário da
Rússia, não faltam países que querem ser como a China.
Se as coisas fossem estáticas, poderíamos dizer que o desafio chinês só
obrigaria as democracias eleitorais a tornarem-se melhores por comparação. Mas
as coisas não são estáticas. O enamoramento da elite política chinesa com a sua
doutrina alternativa à democracia fá-la acreditar que o caminho certo é
concentrar mais e mais poder na liderança. Isso já está a resultar numa
sociedade mais controlada e vigiada, na qual até os anteriores espaços de
liberdade estão a ficar mais estreitos.
3. Infelizmente, Macau pode vir a ser um exemplo desse fechamento. Ao
chegar aqui para participar no Festival Literário de Macau fui confrontado com
a informação de que tinha sido cancelada a presença de três dos autores
esperados no festival, incluindo a escritora Jung Chang do célebre romance
multi-geracional Cisnes Selvagens e de uma biografia muito crítica de
Mao Zedong. Falta ainda saber tudo sobre como isto aconteceu. Contudo, o
diretor do festival denunciou à imprensa local pressões do Gabinete de Ligação
que representa o governo chinês na Região Especial de Macau — e que não deveria
poder interferir nos assuntos locais. O programador do festival anunciou a sua
demissão e a continuidade do evento está em causa.
Isto não é qualquer coisa a que Portugal possa ficar indiferente, desde
logo porque o estatuto especial de Macau, incluindo as suas liberdades, está
consagrado em garantias e proteções que obrigam tanto à China quanto ao nosso país.
No caso de Hong Kong, por exemplo, o parlamento britânico tem uma comissão de
acompanhamento que realiza relatórios regulares a respeito da autonomia e
liberdades nesse antigo território britânico. Em Portugal, infelizmente, a
nossa Assembleia da República desligou-se completamente das suas obrigações
perante estes temas em Macau.
Ora, independentemente do peso que os interesses económicos chineses têm
em Portugal, os nossos representantes não podem nunca deixar de fazer notar à
China que se está empenhada em ter um papel cada vez mais central no sistema
internacional isso tem de passar necessariamente por ser um parceiro de
confiança nos compromissos que estabelece com terceiros. A autonomia e as
liberdades de Macau fazem parte desses compromissos. Podemos dizer que factos
como estes empalidecem em comparação com a gravidade de situações de violação
de direitos humanos no resto da China. Mas a verdade é que com Macau temos
obrigações morais e políticas especificamente portuguesas e, se ficarmos passivos
agora, não nos admiremos que a situação se torne mais grave depois. Fica o
alerta, e a garantia de continuar a seguir este assunto.
Primavera chuvosa (e um
até já)
OBSERVADOR, 21/3/2018
Convinha reparar que na
cave e subcave onde se fabrica o veneno, a temperatura da indignidade e o grau
da brutalidade – do insulto, da falsidade, do ódio – atingem picos que nunca se
viram, nem usaram.
1. O PSD deve ter
mais ou menos meia hora para escolher entre a decência e o pântano, entre um
amanhã (não é preciso que cante, é só preciso que exista) e a irrelevância,
entre – não tenhamos medo das palavras – a vida e a morte. Há muitas
maneiras de morrer, até estando vivo e por bem menos, grandes partidos se
sumiram de vez da nossa vista e do nosso mundo. Tornaram-se dispensáveis.
Entretanto não se sabe se é pior a fragmentação e a brutalidade a que se
assiste, se o deplorável espectáculo público de uma e outra.
Não, não subestimo Rui
Rio, personagem político que acompanhei profissionalmente por diversas vezes e
cuja “forma mentis”, com o tempo, fui aprendendo a descodificar mas,
indesmentivelmente, as coisas são o que têm vindo a ser.
De modo que face à
infinita capacidade da natureza humana em nos surpreender na sua possibilidade
de erro, aguarda-se que o novo líder do PSD, na tal meia hora de tolerância,
escolha entre a redenção e o puro fracasso. Dele, ainda antes que a da sua
agónica família política. Ou seria possível montar com tão assinalável êxito
uma “cabala política” contra Feliciano Barreiras Duarte se não houvesse
fartura por onde lhe pegar?
Vinda do próprio PSD (bem
entendido) e do PS (também bem entendido) até um cego vê a cabala, sendo que o
ponto é o próprio Feliciano (deixemos agora de parte os pecados da
universidade) e através do solista Feliciano desagua-se no maestro Rui.
Nele e nas suas escolhas e sabe Deus como se “vê” uma capacidade de liderança
através do seu critério de escolha. De Elina a Malheiro, passando por Negrão e
Barreiras Duarte (não maço mais o leitor com tanta chuva no molhado), o leque é
perturbante, mas o leque foi exclusivamente aberto pelo líder. (e que conta dará
do recado José Silvano?).
Uma coisa é o modus
operandi de Rio – caminhada solitária, escolhas reservadas, um processo de
decisão pouco ou nada partilhado; outra, as péssimas consequências do que tem
sido este agir. E mesmo dando de barato a saudável independência
de Rio face à obediência encomendada da media nos seus ataques ao PSD, ou a sua
(calculada) indiferença face às “vox populi”, o líder do PSD tropeçou em todos
os erros que produziu. Rio refém ou líder?
2. Pertenço ao grupo
(maioritário? minoritário? relevante? despiciendo?) que acha que Portugal
reclama pactos de regime, necessitando há muito deles como pão para a boca.
Pactos e compromissos, com prévio trabalho político comum, sobre o que fazer
para que o país acabe com as ficções e as troque por chão sólido debaixo dos
pés. Que o mesmo é pedir que se reforme. E mesmo que a palavra esteja
esburacada e careça de fertilidade do que não se duvida é que ao primeiro
abanão, ao primeiro amuo do futuro presidente do BCE, provavelmente um alemão mais
ortodoxo e menos “jongleur” que o italiano Draghi, a felicidade em que nos
dizem que vivemos esvoaçará como um passarinho na Primavera: por
manifesta impossibilidade de assentar em turistas e tuck-tucks, exportações
nunca suficientes, emprego pouco qualificado, amáveis taxas de juro e
cativações sem vergonha, o país dará de si como os souflées que parecem
estanques sem nunca o serem.
Vejo por isso com bons
olhos iniciativas políticas que sentem á mesma mesa pessoas razoáveis,
liderando partidos distintos, que amem a terra de onde são e a queiram melhor.
Retirando-a do condenatório “balouço-sissó” onde está atarrachada: subindo aos
altos da euforia e da fortuna, para logo cair estrepitosamente no poço da
depressão e da quase miséria. Voltando a subir, voltando a descer… Isso.
3. Tudo indica porém
que não vai ser desta. Mais “avisamento” político e menos individualismo teriam
levado Rui Rio a: 1) outra forma/fórmula de comportamento, evitando
deixar Assunção Cristas à espera, sem notícias, durante dias: Rio deu-lhe a
terminação e a Costa a parte de leão, erro que nem o querer “fazer diferente”
de Passos suporta ou perdoa; 2) os temas da agenda – descentralização e
fundos comunitários –, mesmo prioritários, teriam que ter sinalizado um
calendário com reformas pesadas onde o presidente do PSD não ficasse nem com a
fama nem com o risível proveito de “bengala útil”. Pode ser que melhore, mas
até aqui que vantagem politica útil tirou Rui Rio desta démarche ?
4. Nunca me ocorreria
vir a terreiro “defender” a legitimidade de um ex-primeiro ministro dar aulas,
seja ele quem for, não o fiz nem farei, tão destituído de fundamento me parece
o exercício. (que me lembre quando o mesmo se passou com Luís Amado,
ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de governos socialistas, não
se ouviu um som). Mas de repente algo me interceptou numa rubrica intitulada
“Do Céu ao Inferno” (Expresso) onde por cima de uma foto de Passos Coelho se
lia esta legenda: “É saudável um ex-primeiro-ministro retomar uma vida
activa na sociedade. O equívoco passa pelos caminhos seguidos como na polémica
que o envolve ao ser contratado para dar aulas em três universidades e logo
como catedrático convidado”.
O legendador, com
solicitude, informa-nos que acha “saudável” que Passos não fique na cama até ao
meio dia ou não vá pedir esmola para o Largo do Chiado. O pior foi o “equívoco”
(de quem? qual?), os “caminhos seguidos” (por quem? quais?) e “logo” como
catedrático. Quem leia esta breve legenda não duvida que Passos, apesar da sua
“saudável” predisposição para a vida activa, derrapou num misterioso
“equívoco”, cozinhou uma “polémica”, seguiu “caminhos” ínvios, impôs-se a três
universidades que nunca o convidaram e “logo” como catedrático. Ou seja, a
culpa é dele. O que me interessa aqui não é, porém, a fraseologia da legenda
que segue a onda (tudo menos destoar do ar do tempo quando se trata de Passos
Coelho), mas juntar-me à parte do país que ainda não endoideceu: não é o
ex-primeiro-ministro que precisa de ser defendido dos praticantes da má-fé,
sejam eles stars do ódio ou vomitem fel anonimamente. O país é que necessita de
ser defendido (e pulverizado) contra o veneno que infecta o ar que se respira.
Em todo o caso, convinha reparar que na cave e subcave onde se fabrica o
veneno, a temperatura da indignidade e o grau da brutalidade – do insulto, da
mentira, do ressentimento, do ódio – atingem picos que nunca se viram, não
ouviram, nem se usaram.
4. Dos jornais, um pequeno flash sobre
Portugal, em Março de 2018, nove meses após os fogos do verão passado: a ANACOM
diz que 99% das 4.600 pessoas afetadas pelos incêndios que ainda não têm
telecomunicações são clientes da MEO. A Altice defende-se e diz que a NOS deve
repor o serviço.
Ah bom? É tudo uma
questiúncula menor, um trivial passa-culpas entre duas comadres, um
não-problema, fruto “da péssima qualidade da informação portuguesa”? E a
dignidade dessas quatro mil e seiscentas pessoas? E a responsabilidade das
empresas perante elas? E a decência a que têm direito pelo que sofreram e
perderam?
Santo Deus.
PS: Caro
leitor, desconvoquei-me. Preciso de ir para o “banco” por algum tempo por
razões exclusivamente familiares e domésticas. Combinei com o treinador estar
aqui mais “de vez em quando” e já não como habitualmente às quartas-feiras. Espere
por mim, que um dia eu volto.
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