sexta-feira, 23 de março de 2018

Em todo o caso



O poder como chamariz. Qual democracia? Mas eles aí estão, o da Rússia e o da China, impondo, vitoriosos, a sua presença sagazmente temível, donos de impérios e extensões esplendorosas, que desejam conduzir, talvez por orgulho pátrio, talvez por orgulho próprio, mas indiscutivelmente eficientes. Qual democracia? É o que subentendemos do que nos conta Rui Tavares a respeito as eleições de Vladimir Putin de que a Agência Lusa nos deu também conta, referindo as saudações do seu parceiro asiático, Xi Jiping:
«O Presidente chinês, Xi Jinping, felicitou hoje o seu homólogo russo, Vladimir Putin, pela sua reeleição, saudando uma relação sino-russa no seu melhor nível histórico e exemplar para as relações internacionais, noticiou a agência Nova China.
A relação entre Pequim e Moscovo "está no seu melhor nível histórico, o que constitui um exemplo para a edificação de um novo tipo de relações internacionais, fundado sobre o respeito mútuo, a equidade e a justiça", indicou numa mensagem o Presidente chinês, que também foi reeleito no sábado por unanimidade pelo parlamento chinês.
O Presidente russo, Vladimir Putin, garantiu 76,41% dos votos expressos nas eleições presidenciais de domingo quando estavam escrutinados 90% dos boletins, informou hoje a Comissão Eleitoral Central.
Rui Tavares faz a destrinça das democracias – a de Putin não invejada, ao que parece, (mas não entendi bem), por conta do azedume que provoca, a de Xi Jiping bem aceite, calma e serena e por todos desejada, até porque se trata de um povo dócil ao chefe - porque de uma civilização muito antiga e orgulhosa de si. (Vejo-os por cá, fechados e serenos, altivamente impondo a sua presença nas suas lojas, conscientes do seu poder alastrante).
 Embora Rui Tavares se sentisse incomodado com o efeito da proibição em Macau de um Festival Literário em que participaria a autora de “Cisnes Selvagens” – Jung Chang – que no seu livro pontua a odisseica vida chinesa, por três gerações, rematando com a terrífica convulsão social imposta por Mao. Rui Tavares refere a humilhante posição portuguesa, inerte perante a proibição chinesa, mau grado a condição de não ingerência local aquando da integração de Macau na China.
É esta a imagem de dois ditadores democratas, ambiciosos de poder, com razão para o serem, donos de vastos espaços, talvez patriotas sinceros, e afinal de comportamentos equivalentes, mau grado o que nos conta Rui Tavares.
Nós por cá… Dois democratas também, julgo que igualmente ambiciosos de poder, Rui Rio conluiando-se com António Costa, abandonando o CDS com quem dificilmente formaria maioria, indiferente a doutrinas, talvez apenas desejoso de pôr o país nos eixos… demos-lhe o benefício da dúvida.
Maria João Avillez conta

OPINIÃO
Visto de Macau: a democracia sob fogo cruzado
Como é evidente, não há nada mais ficcional nem absurdo do que imaginar umas eleições competitivas na Rússia.
RUI TAVARES
PÚBLICO,16 de Março de 2018
1. À medida que se aproxima a data das eleições presidenciais na Rússia, no próximo domingo, a incerteza é muita: quem irá ganhar? Vladimir Putin ou Vladimir Putin? Eu arriscaria dizer que será Vladimir Putin. Mas os leitores talvez apostem antes em Vladimir Putin. No fim de contas, é capaz de ganhar mesmo Vladimir Putin.
Como é evidente, não há nada mais ficcional nem absurdo do que imaginar umas eleições competitivas na Rússia. O que interessa a Putin não é, aliás, provar que o seu regime é bom: é provar que todos os outros também são maus. O revisionismo tático de Putin funciona bem no curto prazo, mas ao mesmo tempo deixa um rasto de azedume e mal-disfarçado complexo de inferioridade que não o torna apetecível. Para o dizer de uma forma simples: há poucos países no mundo que queiram ser como a Rússia.
2. A longo prazo, o desafio mais sério à consolidação da democracia não vem da Rússia, mas de uma visão muito mais estratégica do que a de Putin. É a visão que vem da China e da sua atual liderança. Escrevo estas linhas a partir de Macau, onde cheguei há horas, e enquanto assisto à televisão chinesa de língua inglesa, que faz o comentário às duas sessões plenárias anuais parlamentares da China (do Congresso Nacional do Povo e da Conferência Consultiva Política do Povo da China) que se reuniram, como de costume, para aprovar todas as propostas que lhes são apresentadas pela liderança do Partido Comunista Chinês.
O contraste com a Rússia — e com cadeias de “informação” russa como a Sputnik e a Russia Today — não poderia ser maior. Os comentadores chineses não perdem tempo com a paranoia conspirativa dos canais russos. Pelo contrário, intelectuais como o cientista político Zhang Weiwei dedicam-se do princípio ao fim a estabelecer e explicar incessantemente as bases de uma crítica à democracia eleitoral, propondo-lhe como alternativa a gestão “centralizada e eficiente” da “boa governança de características chinesas”. Algumas frases respigadas do que vou ouvindo: “o caso dos EUA prova que a democracia não é meritocrática; na China nunca seria eleito um Trump”; “a distinção entre democracia e autocracia está ultrapassada, o que interessa é a boa governança, como a da China, ou a má governança, como a dos EUA”; “aqui na China governamos por decreto, e por isso a implementação é feita rapidamente”. Nada disto é dito envergonhadamente, mas antes assumido como uma doutrina completa e consistente. E, ao contrário da Rússia, não faltam países que querem ser como a China.
Se as coisas fossem estáticas, poderíamos dizer que o desafio chinês só obrigaria as democracias eleitorais a tornarem-se melhores por comparação. Mas as coisas não são estáticas. O enamoramento da elite política chinesa com a sua doutrina alternativa à democracia fá-la acreditar que o caminho certo é concentrar mais e mais poder na liderança. Isso já está a resultar numa sociedade mais controlada e vigiada, na qual até os anteriores espaços de liberdade estão a ficar mais estreitos.
3. Infelizmente, Macau pode vir a ser um exemplo desse fechamento. Ao chegar aqui para participar no Festival Literário de Macau fui confrontado com a informação de que tinha sido cancelada a presença de três dos autores esperados no festival, incluindo a escritora Jung Chang do célebre romance multi-geracional Cisnes Selvagens e de uma biografia muito crítica de Mao Zedong. Falta ainda saber tudo sobre como isto aconteceu. Contudo, o diretor do festival denunciou à imprensa local pressões do Gabinete de Ligação que representa o governo chinês na Região Especial de Macau — e que não deveria poder interferir nos assuntos locais. O programador do festival anunciou a sua demissão e a continuidade do evento está em causa.
Isto não é qualquer coisa a que Portugal possa ficar indiferente, desde logo porque o estatuto especial de Macau, incluindo as suas liberdades, está consagrado em garantias e proteções que obrigam tanto à China quanto ao nosso país. No caso de Hong Kong, por exemplo, o parlamento britânico tem uma comissão de acompanhamento que realiza relatórios regulares a respeito da autonomia e liberdades nesse antigo território britânico. Em Portugal, infelizmente, a nossa Assembleia da República desligou-se completamente das suas obrigações perante estes temas em Macau.
Ora, independentemente do peso que os interesses económicos chineses têm em Portugal, os nossos representantes não podem nunca deixar de fazer notar à China que se está empenhada em ter um papel cada vez mais central no sistema internacional isso tem de passar necessariamente por ser um parceiro de confiança nos compromissos que estabelece com terceiros. A autonomia e as liberdades de Macau fazem parte desses compromissos. Podemos dizer que factos como estes empalidecem em comparação com a gravidade de situações de violação de direitos humanos no resto da China. Mas a verdade é que com Macau temos obrigações morais e políticas especificamente portuguesas e, se ficarmos passivos agora, não nos admiremos que a situação se torne mais grave depois. Fica o alerta, e a garantia de continuar a seguir este assunto.

Primavera chuvosa (e um até já)
OBSERVADOR, 21/3/2018
Convinha reparar que na cave e subcave onde se fabrica o veneno, a temperatura da indignidade e o grau da brutalidade – do insulto, da falsidade, do ódio – atingem picos que nunca se viram, nem usaram.
1. O PSD deve ter mais ou menos meia hora para escolher entre a decência e o pântano, entre um amanhã (não é preciso que cante, é só preciso que exista) e a irrelevância, entre – não tenhamos medo das palavras – a vida e a morte. Há muitas maneiras de morrer, até estando vivo e por bem menos, grandes partidos se sumiram de vez da nossa vista e do nosso mundo. Tornaram-se dispensáveis. Entretanto não se sabe se é pior a fragmentação e a brutalidade a que se assiste, se o deplorável espectáculo público de uma e outra.
Não, não subestimo Rui Rio, personagem político que acompanhei profissionalmente por diversas vezes e cuja “forma mentis”, com o tempo, fui aprendendo a descodificar mas, indesmentivelmente, as coisas são o que têm vindo a ser.
De modo que face à infinita capacidade da natureza humana em nos surpreender na sua possibilidade de erro, aguarda-se que o novo líder do PSD, na tal meia hora de tolerância, escolha entre a redenção e o puro fracasso. Dele, ainda antes que a da sua agónica família política. Ou seria possível montar com tão assinalável êxito uma “cabala política” contra Feliciano Barreiras Duarte se não houvesse fartura por onde lhe pegar?
Vinda do próprio PSD (bem entendido) e do PS (também bem entendido) até um cego vê a cabala, sendo que o ponto é o próprio Feliciano (deixemos agora de parte os pecados da universidade) e através do solista Feliciano desagua-se no maestro Rui. Nele e nas suas escolhas e sabe Deus como se “vê” uma capacidade de liderança através do seu critério de escolha. De Elina a Malheiro, passando por Negrão e Barreiras Duarte (não maço mais o leitor com tanta chuva no molhado), o leque é perturbante, mas o leque foi exclusivamente aberto pelo líder. (e que conta dará do recado José Silvano?).
Uma coisa é o modus operandi de Rio – caminhada solitária, escolhas reservadas, um processo de decisão pouco ou nada partilhado; outra, as péssimas consequências do que tem sido este agir. E mesmo dando de barato a saudável independência de Rio face à obediência encomendada da media nos seus ataques ao PSD, ou a sua (calculada) indiferença face às “vox populi”, o líder do PSD tropeçou em todos os erros que produziu. Rio refém ou líder?
2. Pertenço ao grupo (maioritário? minoritário? relevante? despiciendo?) que acha que Portugal reclama pactos de regime, necessitando há muito deles como pão para a boca. Pactos e compromissos, com prévio trabalho político comum, sobre o que fazer para que o país acabe com as ficções e as troque por chão sólido debaixo dos pés. Que o mesmo é pedir que se reforme. E mesmo que a palavra esteja esburacada e careça de fertilidade do que não se duvida é que ao primeiro abanão, ao primeiro amuo do futuro presidente do BCE, provavelmente um alemão mais ortodoxo e menos “jongleur” que o italiano Draghi, a felicidade em que nos dizem que vivemos esvoaçará como um passarinho na Primavera: por manifesta impossibilidade de assentar em turistas e tuck-tucks, exportações nunca suficientes, emprego pouco qualificado, amáveis taxas de juro e cativações sem vergonha, o país dará de si como os souflées que parecem estanques sem nunca o serem.
Vejo por isso com bons olhos iniciativas políticas que sentem á mesma mesa pessoas razoáveis, liderando partidos distintos, que amem a terra de onde são e a queiram melhor. Retirando-a do condenatório “balouço-sissó” onde está atarrachada: subindo aos altos da euforia e da fortuna, para logo cair estrepitosamente no poço da depressão e da quase miséria. Voltando a subir, voltando a descer… Isso.
3. Tudo indica porém que não vai ser desta. Mais “avisamento” político e menos individualismo teriam levado Rui Rio a: 1) outra forma/fórmula de comportamento, evitando deixar Assunção Cristas à espera, sem notícias, durante dias: Rio deu-lhe a terminação e a Costa a parte de leão, erro que nem o querer “fazer diferente” de Passos suporta ou perdoa; 2) os temas da agenda – descentralização e fundos comunitários –, mesmo prioritários, teriam que ter sinalizado um calendário com reformas pesadas onde o presidente do PSD não ficasse nem com a fama nem com o risível proveito de “bengala útil”. Pode ser que melhore, mas até aqui que vantagem politica útil tirou Rui Rio desta démarche ?
4. Nunca me ocorreria vir a terreiro “defender” a legitimidade de um ex-primeiro ministro dar aulas, seja ele quem for, não o fiz nem farei, tão destituído de fundamento me parece o exercício. (que me lembre quando o mesmo se passou com Luís Amado, ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de governos socialistas, não se ouviu um som). Mas de repente algo me interceptou numa rubrica intitulada “Do Céu ao Inferno” (Expresso) onde por cima de uma foto de Passos Coelho se lia esta legenda: “É saudável um ex-primeiro-ministro retomar uma vida activa na sociedade. O equívoco passa pelos caminhos seguidos como na polémica que o envolve ao ser contratado para dar aulas em três universidades e logo como catedrático convidado”.
O legendador, com solicitude, informa-nos que acha “saudável” que Passos não fique na cama até ao meio dia ou não vá pedir esmola para o Largo do Chiado. O pior foi o “equívoco” (de quem? qual?), os “caminhos seguidos” (por quem? quais?) e “logo” como catedrático. Quem leia esta breve legenda não duvida que Passos, apesar da sua “saudável” predisposição para a vida activa, derrapou num misterioso “equívoco”, cozinhou uma “polémica”, seguiu “caminhos” ínvios, impôs-se a três universidades que nunca o convidaram e “logo” como catedrático. Ou seja, a culpa é dele. O que me interessa aqui não é, porém, a fraseologia da legenda que segue a onda (tudo menos destoar do ar do tempo quando se trata de Passos Coelho), mas juntar-me à parte do país que ainda não endoideceu: não é o ex-primeiro-ministro que precisa de ser defendido dos praticantes da má-fé, sejam eles stars do ódio ou vomitem fel anonimamente. O país é que necessita de ser defendido (e pulverizado) contra o veneno que infecta o ar que se respira. Em todo o caso, convinha reparar que na cave e subcave onde se fabrica o veneno, a temperatura da indignidade e o grau da brutalidade – do insulto, da mentira, do ressentimento, do ódio – atingem picos que nunca se viram, não ouviram, nem se usaram.
4. Dos jornais, um pequeno flash sobre Portugal, em Março de 2018, nove meses após os fogos do verão passado: a ANACOM diz que 99% das 4.600 pessoas afetadas pelos incêndios que ainda não têm telecomunicações são clientes da MEO. A Altice defende-se e diz que a NOS deve repor o serviço.
Ah bom? É tudo uma questiúncula menor, um trivial passa-culpas entre duas comadres, um não-problema, fruto “da péssima qualidade da informação portuguesa”? E a dignidade dessas quatro mil e seiscentas pessoas? E a responsabilidade das empresas perante elas? E a decência a que têm direito pelo que sofreram e perderam?
Santo Deus.
PS: Caro leitor, desconvoquei-me. Preciso de ir para o “banco” por algum tempo por razões exclusivamente familiares e domésticas. Combinei com o treinador estar aqui mais “de vez em quando” e já não como habitualmente às quartas-feiras. Espere por mim, que um dia eu volto.




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