quinta-feira, 15 de março de 2018

Em palpos de aranha


«Rui Manuel Monteiro Lopes Ramos nasceu em 1962, em Torres Vedras. É licenciado em História pela Universidade Nova de Lisboa (1985) e doutorado em Ciência Política pela Universidade de Oxford (1997)», colho na Internet. Com um currículo de muito interesse de realizações e recompensas que o ilustram. De facto, gosto dos seus textos, que leio no OBSERVADOR, pautados pelo equilíbrio e o bom senso, que nem sempre serão bem acolhidos pelos que se pautam por outras dinâmicas de intelectualidade, quando não de puro psitacismo reprodutor de chavões de esquerda, ou mesmo apenas de seguidismo malandro, como meio aprazível de destilar insultos nos seus comentários escritos, contra quem não alinhe nos chavões da moda.

No texto que segue, sobre o efeito da imigração numa Europa que se pretendeu democraticamente unida e filantropa, num mundo hoje a desfazer-se em violência e catástrofe, Rui Ramos analisa com clareza e bons exemplos o fenómeno dos populismos que brotaram em vários países como reacção contra as migrações desestabilizadoras que, ao invés do que se pretendia, em vez de vivificarem as sociedades europeias envelhecidas, são geralmente causa de acções desordeiras de teor terrorista e ingrato, provocadoras, naturalmente, de ódio e oposição. Daí a reviravolta nos processos eleitoralistas, como se tem visto e Rui Ramos esclarece, mas onde nem europeístas nem populistas conhecem a solução para o problema, no caos criado.

Já não chega chamarem-lhes fascistas
OBSERVADOR, 6/3/2018,
O eleitorado do “populismo” não é a medida de um anseio de marchar com camisas negras. É o sinal do fracasso dos regimes europeístas, não apenas em resolver os problemas, mas até em falar deles.
Antigamente, sempre que o “sistema” na Europa era desafiado, bastava mencionar “fascismo”, para os eleitorados isolarem os intrusos. Foi assim em França, em 2002, contra Jean-Marie Le Pen. Desta vez, em Itália, o perigo era o Movimento 5 Estrelas e a Liga (antiga Liga Norte). Sim, são fãs de Putin, são proteccionistas, e abusam do contraste mitológico entre um povo inocente e uma oligarquia corrupta. Mas quando o regime tirou da gaveta as acusações do costume, o eleitorado não respondeu ao assobio do “fascismo”. Muitos abstiveram-se, mas muitos mais aproveitaram o segredo das cabines de voto para escolher os candidatos proscritos pelos bem pensantes.
O eleitorado do “populismo” não é a medida de um qualquer anseio de marchar com camisas negras. É, acima de tudo, o sinal de um fracasso: o dos regimes europeístas, não apenas em resolver os problemas, mas até em falar deles. A Itália é, com Portugal, uma das economias que menos bem se adaptou à chamada “globalização”. Há duas décadas que diverge do resto da Europa. Mas o problema não é só o desemprego. É uma oligarquia que insiste em introduzir, como fez em 2015, centenas de milhares de imigrantes em sociedades envelhecidas, economicamente estagnadas e culturalmente confusas. A combinação entre baixas expectativas sócio-económicas e imigração é a chave do “populismo” anti-europeísta.
Uma sociedade jovem, dinâmica e com valores claros poderia talvez dar oportunidades aos recém-chegados e começar a integrá-los. Foi o que aconteceu nos anos 60 e 70, embora os Estados, nessa época, não proporcionassem aos migrantes a assistência de hoje. Mas as sociedades europeias actuais já não são assim. O resultado é que as populações imigrantes não estão a integrar-se, mas a tornar-se o veículo para a projecção na Europa dos preconceitos e conflitos das sociedades de origem. Durante anos, as elites da UE usaram os apodos de “fascista” ou de “racista” para calar dúvidas e censurar constatações. Mas quando até as mais antigas referências da correção política no Ocidente, como o New York Times ou o Nouvel Observateur, descobrem a violência dos gangs de imigrantes armados de AK-47 nas cidades suecas, ou a nova perseguição contra os judeus patrocinada pelo fundamentalismo islâmico na Alemanha e na França, que dizer? Que o New York Times e o Nouvel Observateur também são “racistas”? Que é melhor estarmos todos calados, deixando os receios e os ressentimentos crescerem e alimentarem eleitoralmente as Frentes Nacionais e as Ligas?
Os populistas não são solução. Frequentemente, como agora na Itália, nem sequer é claro que sejam verdadeiras alternativas de governo. Falta-lhes os meios para mudar sociedades que, embora zangadas e aproveitando as eleições para votar neles, não desejam romper com a vida que a integração europeia lhes garante: por isso, na Grécia, o Syriza acabou como simples executante das políticas de Bruxelas, e na Itália, o 5 Estrelas e a Liga já se calaram sobre o euro. Talvez isso baste para sossegar alguns auto-proclamados europeístas nos seus sofás dourados. Mas com ou sem “populismo”, devia-nos preocupar a contradição de uma elite que por um lado quer uma Europa democrática, solidária e tolerante, e por outro lado vai sujeitando o continente a uma dinâmica que acabará por comprometer tudo isso. Que se pode fazer para escapar, a prazo, à pulverização das sociedades europeias em comunidades segregadas e hostis, inviabilizando democracias e Estados sociais?  Os populistas, com a sua agitação apocalíptica, não sabem; mas muitos europeístas, com a sua complacência burocrática, também não.


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