José Pacheco Pereira faz,
em tom elegíaco, o elogio de um tempo que passou e que foi dele. A visita às
livrarias, as livrarias que estão hoje a encerrar, por falta de compradores de
livros. Também foi um tempo meu, não que visitasse todas as estantes, mas
especificamente as daqueles autores, portugueses e franceses que lá se encontravam,
em encadernações mais vistosas as dos livros franceses, sobretudo as histórias da
literatura francesa ou as colecções completas de autores portugueses e
franceses, que me habituei desde cedo a pagar a prestações, tanto na Coimbra
Editora, em Coimbra, que também fechou, como na “Minerva Central”, em Lourenço
Marques, que certamente se dispersou também, mas não tenho a certeza. Só lembro
com gratidão os livros que esses espaços me proporcionaram, que jamais teria podido obter sem
a sua confiança na minha probidade pagadora. Bons tempos esses em que o mundo
das bibliotecas e das livrarias concediam alegrias, mesmo sem salas de
leitura, as bibliotecas de alguns edifícios cedendo livros de empréstimo, que
possibilitavam a nossa formação.
Compreendo a dor de Pacheco
Pereira, a sua inútil tentativa de suster o desastre de uma sociedade de retrocesso,
entre outras coisas, de interesse pelos velhos clássicos, ou até, muito simplesmente,
pela simples leitura, embora eu não suponha que isso seja totalmente
verdadeiro. Os próprios jornais vão, de vez em quando, publicando colecções
inteiras de autores consagrados e refiro a recente publicação, pelo Público,
das obras de Venceslau de Morais, um escritor curioso, pelo seu negativismo um
tanto fantasmagórico, que foi excelentemente abordado em artigo de opinião, por
Eugénia Vasques em “Um Brando Teatro do Contra”, que em vão tentei transcrever.
E já que refere a Chiado
Editora, como eu adoraria que José Pacheco Pereira encontrasse, nalgum dos
escaparates das livrarias que visita, o meu livro recente, “Permanência em
fabulário de mudança”, publicado pela Chiado que ele diz não ser uma editora
- oh! a Sá da Costa, oh! a Porto Editora… - e que o não incluísse no “lixo” a
que faz satírica referência. Tenho a certeza de que se distrairia do seu
spleen.
Uma boa distracção para esse“spleen”
seria, também, o “Prós e Contras” de hoje, em que aprendi dois, para
mim, desconhecidos neologismos, em consequência da minha distracção politiqueira.
Um deles foi especismo, outro foi vaganismo, de que
afanosamente procurei a definição na Internet:
Especismo: Espécie + ismo é o ponto de vista
de que uma espécie, no caso a humana, tem todo o direito de explorar,
escravizar e matar as demais espécies por considerá-las inferiores. É a
atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua
afiliação a determinada espécie.
O termo foi criado e é usado principalmente por defensores dos direitos animais
para se referir à discriminação que envolve atribuir a animais sencientes diferentes valores e direitos
baseados na sua espécie, nomeadamente quanto ao direito de propriedade ou
posse.”
Veganismo: Trata-se de uma corruptela da
palavra "vegetarian", em que se consideram as 3 primeiras letras e as 2
últimas, excluindo o etari para formar a palavra vegan. Em português, consideram-se as três primeiras e as
três últimas letras (vegetariano), excluindo o etari, na formação do
termo vegano (substantivo masculino, significando "adepto
do veganismo" - feminino, vegana).
A definição oficial
de veganismo é: "O veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na
medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e de
crueldade contra animais, seja para a alimentação, para o vestuário ou para
qualquer outra finalidade".
Gostei de aprender, a maioria
da assistência estava contra a lei, parece que já aprovada, embora o PR possa
ainda interferir, desaprovando essa lei benemérita, proposta pelos antiespecistas e veganistas, de
porem os animais a participar nos almoços e jantares dos donos, nos
restaurantes, e onde um ou outro comensal não terá bicho de estimação comprovativo
do seu amor e dedicação pelos seres indefesos, o que não o irmana no carinho animal, com os que os levam ao
restaurante, pois não podem ficar nas casas, à
espera dos donos - mas só durante as horas do almoço ou do jantar, nos restaurantes
públicos, visto que com a escola dos filhotes ou com o emprego dos donos não se põe
ainda o problema, a ansiedade do bicho nessas ocasiões sendo menosprezada pelos
veganistas e companhia.
Mas não tarda que os bichinhos
acompanhem os seus donos, até mesmo ao cinema e à ópera, onde alguns de nós não
distinguirão bem as diferenças de sons. Nem talvez de cheiros.
OPINIÃO: O combate civilizacional pelos livros e pela leitura
O problema é o mito perigoso de que a “leitura”, mesmo numa forma
diferente, está a emigrar de um meio para outro, porque não está. 3
de Março de 2018
Estas últimas semanas passei pelos restos de um mundo que foi o meu, mas
que está a acabar. A Livraria Leitura no Porto acabou. Era seu frequentador
desde os tempos em que era Divulgação e tinha a loja da esquina da Rua de Ceuta
e a outra que depois foi dos Livros do Brasil e o seu livreiro era Fernando
Fernandes, juntamente com o editor José Carvalho Branco. Não era difícil
perceber, nos últimos anos, a sua agonia para quem, como eu, já viu muitas
livrarias moribundas. O stock começa
a não ser renovado, as estantes têm quase sempre os mesmos livros, as novidades
começam a ser sempre as mesmas de todas as livrarias, até que começam também a
desaparecer. Não há
dinheiro para diversificar as encomendas ou as compras e isso na Leitura era
uma ruptura com a prática de Fernando Fernandes de encomendar sempre dois
exemplares dos livros que os professores da Universidade do Porto mandavam vir,
um para eles e outro para a livraria. Deixou há muitos anos de haver a
Galeria de Arte. Pouco a pouco fechou a secção de livros artísticos,
desapareceram muitos livros estrangeiros e sobravam os chamados “monos”, mesmo
assim aqueles em que ainda ia descobrindo livros para comprar. Havia uns restos
de filosofia, alguns livros de história, e para os professores uma boa secção
de pedagogia. As montras pareciam sempre iguais e os esforços dos empregados, e
dos clientes fiéis que ficaram até ao fim, não chegavam para dar vida ao
espaço. Quem queria apresentar novos livros rumava para outros locais menos
fúnebres. E, mesmo no anúncio da sua morte, alguns dos artigos jornalísticos
publicados eram tão estereotipados e pobres, que era fácil perceber que havia
uma ruptura da memória do papel da Leitura no Porto, desde os tempos da
resistência, nessa rua emblemática onde havia tertúlias no Café Ceuta dos
oposicionistas do Porto, onde vários destacados membros da oposição à ditadura
viviam ou tinham os seus escritórios profissionais. Foi na Leitura (e na
Divulgação) que vi muitas exposições, recordo-me de uma de Tapiés, escrevi
textos para alguns dos catálogos, conheci Francisco Sá Carneiro e vi pela única
vez Aquilino Ribeiro. Primeiro, chegou um cabeleireiro ocupando a parte
“histórica” da livraria e ficou apenas a nova parte na Rua José Falcão, para
onde antes se passava por uma espécie de túnel com livros por todo o lado. Nada
tenho contra os cabeleireiros, mas aquele ficou-me atravessado, sem culpa
nenhuma. E depois veio o estrangeirismo na moda “Leitura Books &Living”,
depois veio a doença terminal, e depois veio a Morte.
Nesta mesma semana, fui pela última vez à Pó dos Livros em Lisboa.
Consegui a proeza de entrar, ver com algum tempo tudo o que lá havia e não
conseguir encontrar nada para comprar. Este para mim é sempre o sinal.
Mesmo no mercado dos livros na Estação da Gare do Oriente consigo comprar
dezenas de livros de cada vez, fruto de uma outra realidade do mundo dos
livros: a caótica e paupérrima distribuição, que deixa dezenas de títulos de
pequenas editoras por distribuir e lá, junto dos comboios, estão como “monos”
invendáveis. Comprei, na última vez, livros sobre o PREC, sobre Maria
Archer, sobre a história fabril de Portugal, sobre história cultural da música
popular portuguesa, etc., etc. O mesmo me acontece com os livros dessa empresa
que não é uma editora, mas dá o nome de Chiado aos livros que lhes pagam
para publicar. O que acontece é que há coisas muito más, mas há também
alguns ensaios e estudos muito interessantes. Como de costume não se encontram
nas livrarias e só nestes mercados e na Feira do Livro. O panorama de muitas
livrarias que ainda sobrevivem é igualmente paupérrimo. O espaço que têm para
expor os livros — um aspecto fundamental de uma livraria — está
cheio da mesma tralha de papel pintado que às centenas de títulos se publicam
por mês. Quase não há livros estrangeiros, a não ser as mesmas traduções
de Pessoa e Saramago para os turistas, com o pretexto de que agora “toda a
gente manda vir os livros pela Amazon”. Isto é apenas uma parte da verdade,
mas, de novo, ignora-se o papel dos livros expostos para uma espécie de
“browsing” físico que nada substitui. Quem compra livros escolhe muitas
vezes pela possibilidade de encontrar livros que não conhecia, ou mesmo quando
os conhecia por ter a possibilidade de os folhear. Por exemplo, a Fnac e outras
livrarias colocaram nas estantes a edição original do livro controverso sobre a
Casa Branca de Trump de Michael Wolff. Não tinha a intenção de o comprar,
porque pensava que os extractos publicados me chegavam e acabei por o fazer
perante o livro físico. O desprezo pelo objecto real em detrimento de um
hipotético objecto virtual é cada vez mais acentuado e é suicidário nos livros
e nas livrarias. O mercado pode ser mais pequeno, mas é certamente constituído
por gente com mais recursos.
E depois há um lado negro pouco conhecido que passa pela manipulação dos
“tops”, pelas relações preferenciais entre editores e jornalistas da área da
cultura da televisão, rádio e jornais, que promovem apenas alguns livros e
alguns autores, há o amiguismo de grupos intelectuais ou das cortes de A e B e
C que se autopromovem mutuamente, colocando-se na moda, ou estando presentes
nos sítios certos e nos momentos certos, há muitas formas de pequena corrupção
nos meios culturais que a ideia da intangibilidade de tudo o que é da cultura
impede de ser escrutinado como devia.
Que algumas livrarias estão a morrer é verdade, mas não são todas as
livrarias, que o mercado caminha para haver ou grandes livrarias como a Fnac ou
livrarias de culto como a Letra Livre é verdade, que o mundo das grandes
cidades como Lisboa e Porto, dominado pelos efeitos imobiliários
do boom turístico, é hostil ao mercado livreiro, tudo isto é verdade. Mas também é verdade que a edição de
livros é muito má, que traduções, edições, revisões, grafismo são pouco
cuidados e que os professores que iam encomendar livros à Leitura hoje não
compram livros, nem na Amazon — como os estudantes não os lêem. O
deserto livreiro que são as universidades estende-se à sua volta onde só os
ingénuos pensam que sobrevivem livrarias, quando o que está a dar são casas
de fotocópias.
Não há nada pior do que dar uma explicação errada para o que se está a
passar, quando essa explicação é uma justificação derrotista de aceitação de
fim de um mundo melhor a favor de um mundo pior. É que, meus amigos, às
vezes as coisas andam para trás.
Repetem-se quanto à morte das livrarias os mesmos lugares-comuns sobre o
arcaísmo dos livros face às novas plataformas digitais, às mudanças de hábitos
de leitura geracionais, etc,. etc. Considero que quase tudo isto é, para usar
um eufemismo americano, que é substituído nas televisões por um
apito, bullshit. Estas “explicações” destinam-se a encobrir muita
incompetência, muitos erros de gestão, muito facilitismo, muito ir atrás de modas,
muitas afirmações que podem ser virais, mas que não são verificadas; e, pior
que tudo, escondem um problema maior, que é o da leitura, não no mundo digital
que para estas matérias eu não sei o que é, mas o da ascensão de novas e
agressivas formas de ignorância, aquilo a que tenho chamado a “nova
ignorância”, que ganharam valor corrente na sociedade dos dias de hoje e que a
ajudam a caracterizar. E
do mesmo modo que é suposto combater o autoritarismo, a violência, o sexismo, o
populismo, e mais uma longa série de “ismos”, é preciso combater essa
degradação daquilo que era um valor civilizacional (sim, há valores
civilizacionais...) que era caminhar do fim do analfabetismo para uma
qualificação da leitura como modo de dominar melhor o mundo e a vida de cada
um. O problema não é substituir os livros por um ecrã de um telefone
inteligente ou de um tablet — o problema é o mito perigoso de que a
“leitura”, mesmo numa forma diferente, está a emigrar de um meio para outro,
porque não está. O que se está é a ler diferente, pior e menos, como se está a
“saber” demasiado lixo — meia dúzia de performances rudimentares com
as novas tecnologias — e pouco saber. A morte das livrarias é um aspecto desse
soçobrar no lixo, mas infelizmente estão demasiado acompanhadas pela morte de
muitas outras coisas, do valor do conhecimento, do silêncio, do tempo lento, da
leitura, da verdade factual, e da usura da democracia.
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