Sobre um país forte que se
pode dar ao luxo de interferir junto de países onde tem interesses económicos,
usando de uma autoridade que parece provinda de esperteza saloia, sem se
incomodar com os conflitos que gera – embora, segundo a Bíblia, desde tempos
imemoriais que essas zonas do Médio Oriente, são foco convulsivo de crueldade e
luta, já comentada pelos seus profetas, não há volta a dar-lhes, eu até acho
que Jerusalém fica melhor colocada como capital de um povo educado, como é o de
Israel. Diana Soller explica o caso, com argumentos sólidos. Só tenho
pena que Donald Trump não se dê igualmente ao trabalho de impedir, com igual
força espectacular, a participação de um demónio no governo de um pobre país inerme e apavorado, donde se diverte a ameaçar
o mundo com mísseis, sem o perseguir, como fez a comandita de George Bush em
tempos, interventiva relativamente a Saddam Husseim, menos monstruoso e anormal,
todavia, do que o da Coreia do Norte. Donald Trump lembra-me o provérbio “Entradas
de leão, saídas de sendeiro”.
Quanto ao segundo texto, de Rui Ramos, sobre o conflito dos
trabalhadores com os gestores da AUTOEUROPA, conflito manipulado pelos
sindicatos do domínio comunista, Rui Ramos explica o caso tão
eloquentemente, que a única coisa que eu gostaria de fazer, em anuência, era de
mão no nariz, como o Alencar a respeito da corrente realista. Como aceitar de
boamente a destruição económica, arrastando os empregados, puras rezes sob a
canga, para a perda de emprego, além do resto?
Diana Soller OBSERVADOR, 8/12/2017
Trump resolveu mergulhar
no Médio Oriente com toda a energia, determinado a definir um status quo que
favoreça os Estados Unidos.
Esta terça-feira, Donald
Trump cumpriu uma das mais polémicas promessas eleitorais: declarou que vai
transferir a embaixada dos Estados Unidos em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.
Ainda que mais uma vez se trate de uma crise anunciada, levantou, esta também,
um coro de protestos internacionais, ainda que o presidente americano tenha
enquadrado esta decisão num plano de paz que ainda ninguém sabe bem qual é. Mas
sabem-se três coisas: que Jerusalém é, desde sempre, uma das questões
que impede a concretização de um acordo de paz no conflito
israelo-palestiniano; que há uma nova centralidade de dois estados – Israel e
Arábia Saudita – nas contas estratégicas dos EUA para o Médio Oriente; e que o
conflito entre Israel e a Palestina estava a perder centralidade, que pode ter
voltado a ganhar agora.
Vamos então ao primeiro
ponto: a última vez que houve uma tentativa séria de encontrar
uma solução pacífica para o conflito israelo-palestiniano foi há 17 anos, na
Cimeira de Camp David que reuniu Ehud Barack e Yasser Arafat sob a mediação de
Bill Clinton. Ainda que o então inquilino da Casa Branca tenha feito todos
os esforços para que se chegasse a um acordo (não fosse essa a herança que
Clinton queria deixar para a história) não houve entendimento em relação a
três fatores fundamentais: o número de refugiados palestinianos que
poderiam regressar, o contorno das fronteiras, e o estatuto de Jerusalém.
Na verdade, este sempre foi
o problema central: do ponto de vista simbólico – eu diria quer religioso, quer
laico – Jerusalém é o símbolo da vitória (ou derrota) de uma das partes do
conflito. Por isso que não haja ilusões: o passo dado por Trump a Israel
é enorme e configura a possibilidade real do reacendimento do conflito (que já
estava meio moribundo) e a de uma reação negativa profunda do mundo muçulmano.
Quer se goste quer não, os símbolos religiosos, especialmente em religiões mais
públicas que privadas como o Islão, têm um potencial muitíssimo destrutivo,
incluindo no que respeita à instrumentalização das ruas para fins políticos.
Não vão faltar vozes a
dizer que Donald Trump cedeu ao lobby judaico nos Estados Unidos. Mas
a verdade é que isso não faz muito sentido. Os judeus norte-americanos
são maioritariamente democratas – e esta eleição não foi exceção: cerca
de 70% votaram em Hillary Clinton. E não há indício nenhum que tenham
pressionado especialmente este presidente para que desse este passo (ao
contrário do que aconteceu com Obama que teve que recuar no reconhecimento do
estado palestiniano, quebrando uma promessa que tinha feito na ONU, para não
arriscar a reeleição em 2012). Isso não significa que a política interna
não tenha importância; pelo contrário: o eleitorado de Donald Trump tende a
ter grande simpatia pela causa israelita, e gosta de ver o presidente cumprir
promessas eleitorais e compromissos internacionais assumidos por si próprio
(ainda que apoie a desconstrução de compromissos de anteriores presidentes).
Daí que Trump tenha justificado esta transferência da embaixada como sendo a
coisa certa a fazer. A sua base de apoio terá percebido a mensagem.
Assim chegamos ao
segundo ponto, que é o argumento central: o reconhecimento simbólico de
Jerusalém como capital de Israel deve ser visto no âmbito de uma nova abordagem
americana para o Médio Oriente. A estratégia assenta no
favorecimento de dois estados, a Arábia Saudita e Israel, e na declaração de
inimizade a um terceiro, o Irão. Riad, e agora Jerusalém, servem para
conter e dissuadir o recém escolhido arqui-inimigo. No primeiro caso,
Teerão e Riad estão a disputar a liderança regional e o apoio norte-americano à
casa Saud é visto como essencial para interromper o poder de Teerão. O segundo,
Israel, assegura aos Estados Unidos uma entrada direta na região, ainda que a
um preço altíssimo – como acontece sempre em que as amizades e inimizades
internacionais estão marcadamente definidas, o que deixa muito pouca margem de
manobra diplomática.
Entrámos numa fase de
determinação estratégica como há algum tempo não se via. Os Estados
Unidos optaram por pôr os estados inimigos em cheque (ameaça de rasgar o
acordo nuclear com o Irão – o que não pode ser feito, mas que sublinha a
determinação americana em neutralizar o Irão e hostilização da Palestina e o
mundo árabe que continua a ver Israel como um inimigo, uma espécie de extensão
do Ocidente na região) e dar aos estados amigos os meios para os conterem, ou
mesmo para lhes fazer frente, em caso de necessidade.
Chegamos ao terceiro
ponto. Em 2006, o académico Vali Nasr publicou um livro, The
Shia Revival, em que argumentava que o verdadeiro problema do Médio Oriente
no futuro seria a rivalidade entre xiitas e sunitas, acordada pela fragmentação
do Iraque, que até à Guerra do Golfo tinha sido controlado por uma minoria
sunita. Já se sabia da Al-Qaeda, mas ainda não se previa nem o Estado Islâmico,
nem a rivalidade geopolítica entre a Arábia Saudita e o Irão, que levaram
necessariamente à secundarização do conflito israelo-palestiniano – como aliás
tem sido argumentado repetidamente por Ana Santos Pinto, da Universidade Nova
de Lisboa. Mas a tese de Nasr estava certa quanto ao enquadramento das
rivalidades naquela zona do globo. Trump de uma só vez, trouxe o
conflito adormecido de volta e atirou-se da prancha mais alta para todas estas
complexidades.
No final do seu mandato, Barack
Obama queixou-se a Jeffery Goldman, da Atlantic, que o Médio Oriente lhe
tinha roubado demasiado tempo e energia que gostaria de ter dedicado a outros
assuntos internacionais. Trump resolveu mergulhar no Médio Oriente com
toda a energia, determinado a definir um status quo que favoreça os Estados
Unidos. É pouco provável que a estratégia vingue: porque o Irão
não está sozinho – tem a seu lado a Rússia e o controle de grupos radicais
xiitas; porque a intromissão num conflito com características tão particulares
e complexas como a rivalidade xiita-sunita tem riscos que não se conseguem
calcular nem com a mais sofisticada teoria dos jogos; porque o mundo muçulmano
tenderá a criar mais anticorpos relativamente a Washington; e ainda porque a
revitalização de um conflito adormecido raramente é boa ideia (mesmo que seja
visto pela administração como uma espécie de dano colateral).
E, resumindo, porque
estas estratégias de soma-zero são como as guerras: toda a gente sabe como
começam, mas o resultado final é muito frequentemente imprevisível. E se não
bastasse, a história, passada e recente, mostra-nos que mudanças abruptas em
quintal alheio raramente correm bem.
2º - AUTOEUROPA
Por que razão o PCP
parece querer fechar a Autoeuropa?
Numa coisa, o PCP está
certo: o PCP ou a Autoeuropa, um deles tem de morrer. Se o governo também
percebe isso, que está a fazer ao lado dos comunistas?
A Autoeuropa, antes de
ser uma fábrica, é o resto de um sonho. Na segunda metade dos anos 80, depois
do ajustamento de 1983 e da cerimónia de adesão à CEE nos Jerónimos, em 1985,
esperou-se em Portugal retomar a história dos anos 60: a industrialização do
país, por via da deslocalização das indústrias do norte da Europa. Na
década de 60, tinham sido os têxteis e o vestuário. Agora, depois da década
perdida com a revolução, seria a indústria automóvel alemã e francesa. Não
chegou, porém, a acontecer. Em 1989, a derrocada das ditaduras comunistas reabriu
a Europa central às empresas alemãs. Nesse ano do “fim da história”, a classe
política em Lisboa, muito à pressa mas sempre com as hesitações de quem não lia
livros desde 1967, ainda tentou limpar a economia dos revolucionarismos de
1975. Demasiado tarde. Portugal na CEE não ia ser o país da indústria, mas dos
centros comerciais e das urbanizações financiadas pelo crédito barato da moeda
única. Das esperanças de um momento, restou a fábrica da Volkswagen em
Palmela, a Autoeuropa.
Já nos disseram muitas
vezes o que representa: mais de 3000 portugueses empregados, muitos negócios
para outras empresas, 10% das exportações, um ponto percentual do PIB. Porque
é que então o Partido Comunista decidiu fechá-la? Para começar, porque a Autoeuropa,
resultado da integração europeia, violenta a ideia comunista de autarcia
económica. Depois, porque a Autoeuropa significa “flexibilidade” e “negociação”
nas relações de trabalho, isto é, a negação da intransigência e do confronto em
que acredita o PCP. A Autoeuropa, como notam com manifesto desprazer os comunistas, insiste em que
tem “colaboradores”, em vez de “trabalhadores”. Ora, o “colaborador” apresenta,
para o PCP, este grande defeito: sente, enquanto tal, interesse em fazer
prosperar a empresa, quando, como “trabalhador”, deveria ter como único
objectivo a destruição do “regime capitalista” e a ruína da “sociedade
burguesa”.
A história é conhecida. Durante duas décadas, os comunistas
não conseguiram entrar na Autoeuropa, onde os “colaboradores” conseguiram
sempre chegar a acordos como a administração. Infelizmente, como se tem visto,
nada disso dependia de uma “cultura de empresa”, mas apenas do bom senso de um
homem, António Chora, o presidente da Comissão de Trabalhadores, durante algum
tempo deputado do BE. A oportunidade para os comunistas surgiu com a reforma de
Chora e com a necessidade de criar condições para a produção de um novo modelo.
O PCP pôde finalmente sujeitar a Autoeuropa ao conhecido regime da
inflexibilidade e do conflito sem saída, que em 2006 já liquidou a fábrica da Opel na Azambuja, então a segunda maior unidade
de montagem de automóveis do país.
O ministro Vieira da Silva aparece agora muito incomodado:
“o tempo corre contra” o futuro de uma empresa sob “grande pressão externa”.
Há rumores sobre “alternativas“, como no caso da Opel em 2006.
Mas os comunistas não se deixam comover. Arménio Carlos, muito despreocupado, garante: aconteça
o que acontecer, “eles não vão nada embora, vão cá ficar”, como se a Autoeuropa
fosse uma fábrica de tijolo em 1943.
Entre 2012 e 2015, os
sindicatos comunistas perderam 64 mil filiados, mais de 10% do total. Já este ano, o PCP
passou por uma catástrofe
municipal, com menos 10 câmaras e a pior votação desde 1976. Mas o
comunismo português acredita que ainda se pode salvar, se conseguir recriar em
Portugal o mundo de 1943. O cálculo é simples: quando mais empobrecido e
ensimesmado, mais o país estará maduro para se render a um qualquer populismo
nacionalista, que o PCP, que pouco aprende com a história, acha que pode ser o
seu. Nisso talvez esteja errado, porque, se o país tiver de chegar a esse
ponto, haverá certamente outras versões mais tentadoras de populismo
nacionalista. Mas numa coisa, porém, o PCP está certo: o PCP ou a Autoeuropa,
um deles tem de morrer. Se o governo também percebe isso, que está a fazer ao
lado dos comunistas?
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