quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Lições de História – alheia / nossa


Sobre um país forte que se pode dar ao luxo de interferir junto de países onde tem interesses económicos, usando de uma autoridade que parece provinda de esperteza saloia, sem se incomodar com os conflitos que gera – embora, segundo a Bíblia, desde tempos imemoriais que essas zonas do Médio Oriente, são foco convulsivo de crueldade e luta, já comentada pelos seus profetas, não há volta a dar-lhes, eu até acho que Jerusalém fica melhor colocada como capital de um povo educado, como é o de Israel. Diana Soller explica o caso, com argumentos sólidos. Só tenho pena que Donald Trump não se dê igualmente ao trabalho de impedir, com igual força espectacular, a participação de um demónio no governo de um pobre país  inerme e apavorado, donde se diverte a ameaçar o mundo com mísseis, sem o perseguir, como fez a comandita de George Bush em tempos, interventiva relativamente a Saddam Husseim, menos monstruoso e anormal, todavia, do que o da Coreia do Norte. Donald Trump lembra-me o provérbio “Entradas de leão, saídas de sendeiro”.
Quanto ao segundo texto, de Rui Ramos, sobre o conflito dos trabalhadores com os gestores da AUTOEUROPA, conflito manipulado pelos sindicatos do domínio comunista, Rui Ramos explica o caso tão eloquentemente, que a única coisa que eu gostaria de fazer, em anuência, era de mão no nariz, como o Alencar a respeito da corrente realista. Como aceitar de boamente a destruição económica, arrastando os empregados, puras rezes sob a canga, para a perda de emprego, além do resto?
1º - MÉDIO ORIENTE        Jerusalém: Não é a Palestina. É o Irão
Diana Soller          OBSERVADOR, 8/12/2017
Trump resolveu mergulhar no Médio Oriente com toda a energia, determinado a definir um status quo que favoreça os Estados Unidos.
Esta terça-feira, Donald Trump cumpriu uma das mais polémicas promessas eleitorais: declarou que vai transferir a embaixada dos Estados Unidos em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Ainda que mais uma vez se trate de uma crise anunciada, levantou, esta também, um coro de protestos internacionais, ainda que o presidente americano tenha enquadrado esta decisão num plano de paz que ainda ninguém sabe bem qual é. Mas sabem-se três coisas: que Jerusalém é, desde sempre, uma das questões que impede a concretização de um acordo de paz no conflito israelo-palestiniano; que há uma nova centralidade de dois estados – Israel e Arábia Saudita – nas contas estratégicas dos EUA para o Médio Oriente; e que o conflito entre Israel e a Palestina estava a perder centralidade, que pode ter voltado a ganhar agora.
Vamos então ao primeiro ponto: a última vez que houve uma tentativa séria de encontrar uma solução pacífica para o conflito israelo-palestiniano foi há 17 anos, na Cimeira de Camp David que reuniu Ehud Barack e Yasser Arafat sob a mediação de Bill Clinton. Ainda que o então inquilino da Casa Branca tenha feito todos os esforços para que se chegasse a um acordo (não fosse essa a herança que Clinton queria deixar para a história) não houve entendimento em relação a três fatores fundamentais: o número de refugiados palestinianos que poderiam regressar, o contorno das fronteiras, e o estatuto de Jerusalém.
Na verdade, este sempre foi o problema central: do ponto de vista simbólico – eu diria quer religioso, quer laico – Jerusalém é o símbolo da vitória (ou derrota) de uma das partes do conflito. Por isso que não haja ilusões: o passo dado por Trump a Israel é enorme e configura a possibilidade real do reacendimento do conflito (que já estava meio moribundo) e a de uma reação negativa profunda do mundo muçulmano. Quer se goste quer não, os símbolos religiosos, especialmente em religiões mais públicas que privadas como o Islão, têm um potencial muitíssimo destrutivo, incluindo no que respeita à instrumentalização das ruas para fins políticos.
Não vão faltar vozes a dizer que Donald Trump cedeu ao lobby judaico nos Estados Unidos. Mas a verdade é que isso não faz muito sentido. Os judeus norte-americanos são maioritariamente democratas e esta eleição não foi exceção: cerca de 70% votaram em Hillary Clinton. E não há indício nenhum que tenham pressionado especialmente este presidente para que desse este passo (ao contrário do que aconteceu com Obama que teve que recuar no reconhecimento do estado palestiniano, quebrando uma promessa que tinha feito na ONU, para não arriscar a reeleição em 2012). Isso não significa que a política interna não tenha importância; pelo contrário: o eleitorado de Donald Trump tende a ter grande simpatia pela causa israelita, e gosta de ver o presidente cumprir promessas eleitorais e compromissos internacionais assumidos por si próprio (ainda que apoie a desconstrução de compromissos de anteriores presidentes). Daí que Trump tenha justificado esta transferência da embaixada como sendo a coisa certa a fazer. A sua base de apoio terá percebido a mensagem.
Assim chegamos ao segundo ponto, que é o argumento central: o reconhecimento simbólico de Jerusalém como capital de Israel deve ser visto no âmbito de uma nova abordagem americana para o Médio Oriente. A estratégia assenta no favorecimento de dois estados, a Arábia Saudita e Israel, e na declaração de inimizade a um terceiro, o Irão. Riad, e agora Jerusalém, servem para conter e dissuadir o recém escolhido arqui-inimigo. No primeiro caso, Teerão e Riad estão a disputar a liderança regional e o apoio norte-americano à casa Saud é visto como essencial para interromper o poder de Teerão. O segundo, Israel, assegura aos Estados Unidos uma entrada direta na região, ainda que a um preço altíssimo – como acontece sempre em que as amizades e inimizades internacionais estão marcadamente definidas, o que deixa muito pouca margem de manobra diplomática.
Entrámos numa fase de determinação estratégica como há algum tempo não se via. Os Estados Unidos optaram por pôr os estados inimigos em cheque (ameaça de rasgar o acordo nuclear com o Irão – o que não pode ser feito, mas que sublinha a determinação americana em neutralizar o Irão e hostilização da Palestina e o mundo árabe que continua a ver Israel como um inimigo, uma espécie de extensão do Ocidente na região) e dar aos estados amigos os meios para os conterem, ou mesmo para lhes fazer frente, em caso de necessidade.
Chegamos ao terceiro ponto. Em 2006, o académico Vali Nasr publicou um livro, The Shia Revival, em que argumentava que o verdadeiro problema do Médio Oriente no futuro seria a rivalidade entre xiitas e sunitas, acordada pela fragmentação do Iraque, que até à Guerra do Golfo tinha sido controlado por uma minoria sunita. Já se sabia da Al-Qaeda, mas ainda não se previa nem o Estado Islâmico, nem a rivalidade geopolítica entre a Arábia Saudita e o Irão, que levaram necessariamente à secundarização do conflito israelo-palestiniano – como aliás tem sido argumentado repetidamente por Ana Santos Pinto, da Universidade Nova de Lisboa. Mas a tese de Nasr estava certa quanto ao enquadramento das rivalidades naquela zona do globo. Trump de uma só vez, trouxe o conflito adormecido de volta e atirou-se da prancha mais alta para todas estas complexidades.
No final do seu mandato, Barack Obama queixou-se a Jeffery Goldman, da Atlantic, que o Médio Oriente lhe tinha roubado demasiado tempo e energia que gostaria de ter dedicado a outros assuntos internacionais. Trump resolveu mergulhar no Médio Oriente com toda a energia, determinado a definir um status quo que favoreça os Estados Unidos. É pouco provável que a estratégia vingue: porque o Irão não está sozinho – tem a seu lado a Rússia e o controle de grupos radicais xiitas; porque a intromissão num conflito com características tão particulares e complexas como a rivalidade xiita-sunita tem riscos que não se conseguem calcular nem com a mais sofisticada teoria dos jogos; porque o mundo muçulmano tenderá a criar mais anticorpos relativamente a Washington; e ainda porque a revitalização de um conflito adormecido raramente é boa ideia (mesmo que seja visto pela administração como uma espécie de dano colateral).
E, resumindo, porque estas estratégias de soma-zero são como as guerras: toda a gente sabe como começam, mas o resultado final é muito frequentemente imprevisível. E se não bastasse, a história, passada e recente, mostra-nos que mudanças abruptas em quintal alheio raramente correm bem.
2º - AUTOEUROPA   
Por que razão o PCP parece querer fechar a Autoeuropa?
Rui Ramos OBSERVADOR, 12/12/2017
Numa coisa, o PCP está certo: o PCP ou a Autoeuropa, um deles tem de morrer. Se o governo também percebe isso, que está a fazer ao lado dos comunistas?
A Autoeuropa, antes de ser uma fábrica, é o resto de um sonho. Na segunda metade dos anos 80, depois do ajustamento de 1983 e da cerimónia de adesão à CEE nos Jerónimos, em 1985, esperou-se em Portugal retomar a história dos anos 60: a industrialização do país, por via da deslocalização das indústrias do norte da Europa. Na década de 60, tinham sido os têxteis e o vestuário. Agora, depois da década perdida com a revolução, seria a indústria automóvel alemã e francesa. Não chegou, porém, a acontecer. Em 1989, a derrocada das ditaduras comunistas reabriu a Europa central às empresas alemãs. Nesse ano do “fim da história”, a classe política em Lisboa, muito à pressa mas sempre com as hesitações de quem não lia livros desde 1967, ainda tentou limpar a economia dos revolucionarismos de 1975. Demasiado tarde. Portugal na CEE não ia ser o país da indústria, mas dos centros comerciais e das urbanizações financiadas pelo crédito barato da moeda única. Das esperanças de um momento, restou a fábrica da Volkswagen em Palmela, a Autoeuropa.
Já nos disseram muitas vezes o que representa: mais de 3000 portugueses empregados, muitos negócios para outras empresas, 10% das exportações, um ponto percentual do PIB. Porque é que então o Partido Comunista decidiu fechá-la? Para começar, porque a Autoeuropa, resultado da integração europeia, violenta a ideia comunista de autarcia económica. Depois, porque a Autoeuropa significa “flexibilidade” e “negociação” nas relações de trabalho, isto é, a negação da intransigência e do confronto em que acredita o PCP. A Autoeuropa, como notam com manifesto desprazer os comunistas, insiste em que tem “colaboradores”, em vez de “trabalhadores”. Ora, o “colaborador” apresenta, para o PCP, este grande defeito: sente, enquanto tal, interesse em fazer prosperar a empresa, quando, como “trabalhador”, deveria ter como único objectivo a destruição do “regime capitalista” e a ruína da “sociedade burguesa”.
A história é conhecida. Durante duas décadas, os comunistas não conseguiram entrar na Autoeuropa, onde os “colaboradores” conseguiram sempre chegar a acordos como a administração. Infelizmente, como se tem visto, nada disso dependia de uma “cultura de empresa”, mas apenas do bom senso de um homem, António Chora, o presidente da Comissão de Trabalhadores, durante algum tempo deputado do BE. A oportunidade para os comunistas surgiu com a reforma de Chora e com a necessidade de criar condições para a produção de um novo modelo. O PCP pôde finalmente sujeitar a Autoeuropa ao conhecido regime da inflexibilidade e do conflito sem saída, que em 2006 já liquidou a fábrica da Opel na Azambuja, então a segunda maior unidade de montagem de automóveis do país.
O ministro Vieira da Silva aparece agora muito incomodado: “o tempo corre contra” o futuro de uma empresa sob “grande pressão externa”. Há rumores sobre “alternativas“, como no caso da Opel em 2006. Mas os comunistas não se deixam comover. Arménio Carlos, muito despreocupado, garante: aconteça o que acontecer, “eles não vão nada embora, vão cá ficar”, como se a Autoeuropa fosse uma fábrica de tijolo em 1943.
Entre 2012 e 2015, os sindicatos comunistas perderam 64 mil filiados, mais de 10% do total. Já este ano, o PCP passou por uma catástrofe municipal, com menos 10 câmaras e a pior votação desde 1976. Mas o comunismo português acredita que ainda se pode salvar, se conseguir recriar em Portugal o mundo de 1943. O cálculo é simples: quando mais empobrecido e ensimesmado, mais o país estará maduro para se render a um qualquer populismo nacionalista, que o PCP, que pouco aprende com a história, acha que pode ser o seu. Nisso talvez esteja errado, porque, se o país tiver de chegar a esse ponto, haverá certamente outras versões mais tentadoras de populismo nacionalista. Mas numa coisa, porém, o PCP está certo: o PCP ou a Autoeuropa, um deles tem de morrer. Se o governo também percebe isso, que está a fazer ao lado dos comunistas?


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