terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Dois textos de João Miguel Tavares


Pouco percebo de dinheiro, gosto muito dele porque me é preciso para pagar as minhas contas, escrupulosamente, em troca dos serviços que me prestam, mas estes negócios passam-me à margem, e apesar de tudo sinto gratidão por quem disseminou as eólicas, contribuindo para a despoluição do país. Por isso passo a palavra para o comentarista sensato Aonio Eliphis, que segue ao primeiro texto de João Miguel Tavares.
Quanto ao segundo texto, sobre a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo, eu quero regozijar-me também, e pensar que o sorriso de brandura de Mário Centeno esconde uma determinação que poderá ser positiva lá, como parece ter sido cá. Assim seja.

1º Texto de OPINIÃO
Quem tem medo da EDP?
A EDP não é a PT, nem é o BES, mas ela foi um pilar dos anos socráticos, e o seu valor cresceu enormemente graças à febre das renováveis.
João Miguel Tavares
2 de Dezembro de 2017
Uma verdadeira direita liberal tem o dever de combater todas as corporações: sejam do marxista Mário Nogueira, sejam do capitalista António Mexia. Os contribuintes portugueses são sugados de muitas e muito criativas formas, e é simplesmente estúpido andar em 2017 a fumigar a pátria com a retórica de 1917. Nas sociedades democráticas onde a classe média é dominante, o combate mais importante não é entre ricos e pobres, e muito menos entre burguesia e proletariado, mas entre cidadãos livres e as inúmeras corporações e clientelas que desviam os recursos do país, colocando em cima do cidadão comum uma canga de dívida e burocracia que lhe retira a liberdade para perseguir os seus sonhos e a sua felicidade.
A EDP não é a PT, nem é o BES, mas ela foi um pilar dos anos socráticos, e o seu valor cresceu enormemente graças à febre das renováveis. Essas contas nunca foram compreendidas pelos portugueses, e sobre a EDP está ainda muito longe de ter recaído o mesmo nível de reprovação que se abateu sobre a PT e sobre o BES — muito possivelmente por a EDP continuar a deter um enorme poder financeiro, económico e político. O facto de se ter transformado na cash cow das privatizações pós-troika também ajudou, e muito: em 2011 e 2012, o país precisava desesperadamente de dinheiro, e a dupla Passos Coelho/Vítor Gaspar preferiu embolsar 2,7 mil milhões de euros no imediato a desconstruir a lógica rentista que preside a boa parte dos negócios da eléctrica nacional. Por esse lado, eu compreendo certas irritações dos actuais accionistas da EDP e dos seus representantes portugueses: houve muita gente que fez um investimento gigantesco com base em determinados níveis de rentabilidade, e mudá-los a posteriori seria fazer batota com compromissos assumidos pelo Estado.
É verdade. Mas, neste ponto, eu coloco a minha mão direita em cima do ombro da extrema-esquerda — “batota”, se quisermos, é também o que os governos fazem quando congelam carreiras, quando criam “contribuições solidárias”, quando as PPP rodoviárias sufocam a economia e levam empresas à falência. Se os sucessivos governos podem fazer “batota” connosco, por que não com a EDP, com a Galp ou com a REN? Ninguém me apanhará a criticar o descongelamento dos nove anos de carreira dos professores e depois a aplaudir o congelamento para toda a eternidade das rendas da EDP — o clientelismo e o corporativismo estão em ambos os lados: na Fenprof e na EDP Renováveis. Tal como ninguém me apanhará a defender os privilégios de empresas semi-monopolistas, que devem o seu sucesso a um antiquíssimo concubinato com o Estado, como se estivéssemos a proteger a iniciativa privada e o mercado aberto.
Pior: um dos grandes problemas de o país não ter ainda parado para pensar seriamente no significado de ter um ex-primeiro-ministro acusado de um nível gigantesco de corrupção reflecte-se também aqui, nos privilégios e nas rendas da EDP. Depois de tudo o que sabemos sobre o BES, sobre a PT, sobre o Grupo Lena, sobre o TGV ou sobre o percurso de Manuel Pinho na Universidade de Columbia, não me parece razoável pôr as mãos no fogo por qualquer grande contrato assinado pelo Estado com um privado, e muito menos pelos negócios chorudos da EDP Renováveis — empresa que, recorde-se, foi criada em 2007. A postura do próprio Governo deveria ser esta: duvidar de qualquer papel assinado por José Sócrates entre 2005 e 2011. A bem do regime e da democracia, já era hora de começarmos a conversar a sério sobre este assunto.

Comentário de Aonio Eliphis,   Algures nos pólderes da ordem de Orange!02.12.2017
Esta demonização das eólicas, vinda da esquerda, demonstra que são tão ambientalistas quanto eu sou senegalês. Já João Miguel Tavares comete uma gaffe gritante e idiótica ao acusar a edp, quando esta representa apenas 1/5 da capacidade instalada em eólicas. Sabem qual é o país que tem mais eólicas da UE? Dinamarca, o mesmo país onde se paga mais de eletricidade, de longe! Já na China, eletricidade baratinha produzida do carvão, na mesma China onde morrem, dados da OMS, duzentas mil pessoas por ano (200 000) devido a poluição do ar. Já para não falar do aquecimento global. Queixam-se da seca extrema, mas não querem pagar por energia limpa. Típico, querem sol na eira e chuva no nabal! Não há almoços grátis! Nas economias de mercado, o ambientalismo, e bem, tem custos!

2º Texto
OPINIÃO
Mário Centeno no ninho dos falcões
É uma má notícia para a esquerda do PS, sem dúvida, mas, em última análise, é também uma má notícia para o PSD e para o CDS.
Público, 4 de Dezembro de 2017
João Miguel Tavares
A escolha de Mário Centeno para presidir ao Eurogrupo é uma grande vitória para António Costa, que andava a precisar de boas notícias como de pão para a boca. É também uma vitória para Portugal, não tanto pelo prestígio do cargo – a presidência da Comissão Europeia também era incrível e não consta que Durão Barroso tenha ajudado grande coisa –, mas porque é uma garantia de respeito pelas regras europeias e de compromisso com as exigências da Eurozona. Olhando para o Orçamento do Estado para 2018 e para os apoiantes cada vez mais irrequietos do governo, este não é um pormenor despiciendo.   
Marcelo chamou-lhe “um preço de exigência acrescida”, afirmando que o cargo exige grande responsabilidade financeira, sem espaços para “descuidos” nem “aventuras”, pois não cabe na cabeça de ninguém o presidente do Eurogrupo andar a incumprir défices enquanto prega as boas práticas aos outros países. O mínimo que se lhe exige é que dê o exemplo. Quando nos lembramos que há apenas cinco anos Pedro Nuno Santos aconselhava o país a recorrer à “bomba atómica” – ou seja, a renegociar a dívida do Estado –, porque tal decisão iria pôr as “pernas dos banqueiros alemães a tremer”, percebemos que se percorreu um longo caminho até chegar aqui. Centeno foi agora eleito com o apoio da Alemanha (e, imagino eu, dos banqueiros alemães), sucedendo ao senhor Dijsselbloem, que ainda em Março deste ano andava por aí a criticar os países que primeiro gastam “todo o dinheiro em copos e mulheres” e depois correm a “pedir ajuda”. Na altura, Portugal chegou a pedir o afastamento de Dijsselbloem da presidência do Eurogrupo. Agora são todos amigos.
Esta real politik demonstra alguma lucidez do governo de António Costa na gestão das relações europeias. A verdade é que Portugal não deixou de ser o bom aluno, e é a todos os títulos impressionante que a pomba Centeno, que iria trazer o diabo, acabe a presidir ao ninho dos falcões. Quando, em Maio, Wolfgang Schäuble apelidou Mário Centeno de “Ronaldo do Ecofin”, não se percebeu bem se ele estava a falar a sério ou a gozar. Pelos vistos, estava a falar a sério. A técnica de Costa & Centeno (C&C) de recirculação da austeridade, expulsando-a pela porta da frente para depois a reintroduzir pela porta de trás, deve ter impressionado muito a Europa. Se os contribuintes portugueses continuam a ser espremidos mas parecem bem mais satisfeitos, não admira que a fórmula entusiasme os ministros das Finanças europeusHow do you do it, Mário? 
Claro que podemos sempre ser cínicos e afirmar que Centeno ganhou tanta experiência a engolir sapos no governo que agora é só continuar a engolir sapos no Eurogrupo. Mas eu prefiro ver esta eleição como um ponto de viragem à direita do actual executivo: num momento em que Bloco de Esquerda e PCP se encarniçam nas críticas ao governo, a dupla C&C deixa bem claro que jamais abdicará do cumprimento das regras europeias (ainda que da forma mais aldrabada possível, como se tem visto pela performance do défice estrutural), consciente de que o país não tem qualquer futuro fora do euro. É uma má notícia para a esquerda do PS, sem dúvida, mas, em última análise, é também uma má notícia para o PSD e para o CDS: se até a Europa põe Centeno a presidir ao Eurogrupo, continuar a incidir o discurso político exclusivamente nas metas do défice é puro e simples suicídio. Falar só de finanças já não chega, ainda que após uma década nisto ninguém pareça saber falar de outra coisa.



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