quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

As linhas com que nos cosemos


Ângela Merkel, Emmanuel Macron, e a ruptura do Reino Unido, e o apoio aos refugiados, prova da bondade de Merkel, e tudo o mais que se tem passado, e agora até o ministro Centeno a dar o seu parecer… dois textos de Teresa de Sousa, o último seguido de dois comentários: o primeiro, visivelmente de alguém da esquerda patrioteira, esquecido de que a própria Rússia teve a sua pata – mas essa extremamente pesada, sobre países do leste e do centro europeus e isso não incomoda JOSÉ, o tal que receia a perda de identidade do velho Portugal, ingrato ante os empréstimos que nos valorizaram o espaço do seu patrioteirismo. Foi desmascarado, e bem, por Tiago Pereira. Acima de tudo, convém ter-se um pensamento honesto, a demagogia é, naturalmente, pouco lúcida no argumento.

Só mais dois anos, se faz favor
Não é por acaso que os países do Sul passaram a confiar em Angela Merkel. Foi aprendendo no cargo.
Teresa de Sousa
Público, 26 de Novembro de 2017
1. “Parem o mundo. A Alemanha está a sair” é o título irresistível da mais recente coluna de Philip Stephens no Financial Times. Dramatiza e ironiza, ao mesmo tempo, a sensação de orfandade que se sente hoje na Europa, mas também para lá das suas fronteiras, quando a chanceler alemã está em dificuldades e pode perder a magia que fez dela não só a líder da Europa, como a líder que sobrava para liderar o “mundo livre”, depois da saída de Obama. Isto quer dizer alguma coisa sobre Angela Merkel, sobre a sua determinação de salvar a Europa de si própria (e da própria Alemanha) e do seu apego aos valores ocidentais, numa altura em que eles parecem estar em venda ao desbarato. Significa também que a paisagem política europeia não nos oferece grande escolha em matéria de coragem política, à excepção de Emmanuel Macron, que chegou em boa hora, que ergueu as boas bandeiras, mas que sozinho não consegue levar por diante a reconstrução urgente que o projecto europeu necessita.
2. Porquê esta “adição” a Merkel? A chanceler até começou bem, quando ganhou as eleições pela primeira vez, em 2005, afastando a coligação SPD-Verdes do poder. Mas não estava preparada para fazer o que era preciso quando rebentou a crise financeira nos Estados Unidos, em 2008. Começou por negar os seus efeitos, rejeitando qualquer intervenção pública. Acabou por ter de injectar biliões de euros na banca (apenas o Reino Unido gastou mais). Quando a Grécia se aproximou da bancarrota, só viu diante dos olhos a famosa cláusula de no bail-out, inscrita nos tratados, que responsabilizava cada país do euro pela resolução dos seus problemas financeiros. Foi uma das cedências de Mitterrand a Kohl, para que o chanceler pudesse “vender” o euro aos alemães, que viam o marco como a sua única bandeira nacional. Acabou por perceber no último minuto que as coisas não eram bem assim. Seguiu-se o contágio da crise da dívida a outros países. Berlim começou por ver aí uma oportunidade para remodelar o euro à sua maneira, incluindo aliviá-lo dos “indisciplinados” do Sul. Foi nessa altura que tudo esteve em causa, até o BCE intervir. Merkel acabou por perceber que a “amputação” da zona euro poderia arrastar com ela o próprio projecto europeu. Fez o que era preciso para afastar esse cenário, mas à custa da “punição” dos mal comportados, com programas de ajustamento brutais, feitos de qualquer maneira, a troco da ajuda financeira. O erro maior que cometeu foi deixar que os alemães acreditassem que os países do Sul apenas se queriam aproveitar do dinheiro dos seus impostos para ir até à praia. A “xenofobia”, versão europeia, abriu feridas que só agora começam a sarar. Mas a verdade é que, com o seu estilo prudente, a chanceler percebeu que tinha de salvar a Europa da sua maior crise de sempre. Contrariando todas as expectativas, não é por acaso que os países do Sul passaram a confiar nela. Foi aprendendo no cargo. Sem ela, não teria havido uma resposta europeia ao nacionalismo agressivo de Putin. Salvou a honra da Europa ao abrir as portas aos refugiados. Vencida, no curto prazo, a batalha do euro, sabe que será preciso percorrer metade do caminho até Paris, se a Europa quiser sobreviver à turbulência mundial. O resultado das eleições de Setembro, apesar da sua vitória, acabou por pôr muita coisa em causa.
3. Para muitos analistas alemães, esses resultados foram o prenúncio do fim de uma era em que a paisagem política alemã se mantivera estável e em que a arte do consenso, imposta pela Constituição da República Federal, continuava a funcionar. Os dois grandes partidos centrais que construíram a República Federal já só têm, juntos, metade do eleitorado. O SPD, com a sua longa história, tem sido o grande perdedor, depois de ter sido o grande reformador (com Schroeder), que conseguiu adaptar a Alemanha à globalização económica. Limitar-se a virar à esquerda já não é suficiente. Mas Merkel não é eterna. Muitas das análises dos grandes jornais alemães insistem em que não faz mal à Alemanha um choque político que acelere a adaptação a outras formas de governo e aceite um certo grau de instabilidade política.Só mesmo na Alemanha é que ninguém considera possível um governo minoritário”, escreve o Handelsblatt. “Nada seria pior do que a coligação Jamaica”, acrescenta a Spiegel. E tem razão. As divergências entre os partidos à volta da mesa sobre questões fundamentais como a imigração e a Europa eram de tal ordem, que um eventual governo se esgotaria a tentar superá-las. A diferença maior está no FDP, reincarnado pelo jovem Christian Lindner numa versão muito menos liberal e muito mais nacionalista, portanto, muito pouco europeia. A sua estratégia é encostar-se à AfD para lhe roubar espaço. A bandeira contra a imigração foi assumida sem qualquer escrúpulo. Quis manter a sua nova identidade intacta. Saiu.
4. Mas a grande diferença entre a visão que se tem de fora e a dos alemães que votam está em que eles não se sentem em crise e também não estão muito interessados em liderar a Europa, com as responsabilidades inerentes. O que eles sabem é que a economia está em pleno vigor e que o desemprego se aproxima do pleno emprego. As lojas e as ruas estão a abarrotar de gente, disposta a gastar dinheiro para o Natal, quando os salários sobem e o Governo acumula um enorme excedente orçamental. Não se incomodam se Merkel continuar por mais algum tempo, apesar do seu “pecado” de abrir as portas aos refugiados. Em geral, continuam a gostar da Europa, que lhes permitiu regressar ao concerto das nações civilizadas e recuperar a força da sua economia —desde que não tenham que pagar nada por isso. Há maior desigualdade social? Sem dúvida. Mas há emprego. O mundo ainda aprecia a excelência da produção industrial alemã e os seus carros topo de gama? Sim. Mas por quanto tempo? O escândalo das emissões de carbono falsificadas que afectou a VW não ajudou muito. A morte anunciada do diesel em proveito da electricidade vai exigir uma total adaptação da indústria automóvel alemã. Voar na estrada pode deixar de ser um factor competitivo. A Alemanha é um dos países menos digitalizados da Europa e há a consciência de que é urgente recuperar o atraso. Mas quem é que se vai preocupar com isto quando a vida corre bem? Resta a perda de homogeneidade da sociedade alemã, que prevaleceu durante décadas depois da guerra, em que os imigrantes eram “trabalhadores convidados” e a nacionalidade era definida pelo sangue, que já ficou para trás mas que deixou marcas. A mudança das leis só começou quando Joschka Fischer levou os Verdes até ao governo federal.
5. Pode o SPD dar a Merkel a sua última tábua de salvação? Pode. Desde que não faça o mesmo que fez em 2013, cedendo em toda a linha à chanceler, paralisado pela sua popularidade. Hoje está em melhor condição para fazer valer as suas políticas, perante uma chanceler visivelmente enfraquecida. A Europa será um teste. Se os sociais-democratas não tiverem a coragem de erguer com total convicção as suas bandeiras europeias, levando Merkel a concluir a sua missão de preparar o futuro da Europa com Macron, não ficarão para a História. Existe o risco de alimentar os extremos. Mas não é pela via das cedências que a Alemanha e a Europa se vão salvar.
Depois do colapso das negociações Jamaica, a maioria dos governos europeus faz figas para que volte a ser possível uma “grande coligação”, que assegurará a continuidade da política europeia de Merkel. A Europa ainda precisa da chanceler por mais uns dois anos para concluir as grandes reformas que podem garantir-lhe um futuro. Não é pedir muito. 

OPINIÃO
Abriu a época dos compromissos sobre o futuro da zona euro
Macron tem tido o cuidado de não insistir naquilo que é mais difícil para a chanceler.
Teresa de Sousa
Público, 5 de Dezembro de 2017
1. A questão que está no âmago da reforma da União Económica e Monetária (UEM) é simples: de que forma é que o euro pode permitir a convergência real das economias que partilham a mesma moeda. Não é regressar ao passado, antes da crise económica e financeira de 2008, em que os mercados olhavam para a zona euro sem diferenciar as economias mais fortes das mais fracas. A crise da dívida eclodiu precisamente quando os mercados passaram a olhar para elas de forma distinta. A Europa não estava preparada para isso. As hesitações dominaram os primeiros tempos, agravando a crise. O pior já ficou para trás, com as saídas “limpas” da Irlanda e de Portugal e com o caso grego, o mais difícil, a correr bem. As políticas ofensivas do BCE, com programas de compra de dívida e com juros negativos, foram fundamentais. Passados oito anos de “revolução permanente”, em que a Alemanha assumiu o comando das operações para transformar o euro num verdadeiro marco, com um novo quadro institucional e novas regras, ainda falta a resposta à pergunta inicial.
2. Como garantir a coesão e a estabilidade da zona euro no futuro, perante inevitáveis choques externos, é o corolário da primeira questão. As divergências ainda são profundas, com várias propostas em cima da mesa, que serão um dos temas da próxima cimeira europeia, a 14 e 15 de Dezembro, mesmo que ainda sem o novo governo alemão. Jean-Claude Juncker anunciará a sua proposta amanhã, em Bruxelas. O seu discurso sobre o estado da União dava várias pistas, algumas das quais polémicas, como a extensão da zona euro aos 27 países, depois da saída do Reino Unido. Esta proposta só se compreende à luz da sua preocupação com uma Europa a várias velocidades, que teme venha a traduzir-se em novas divisões. A outra preocupação de Juncker é a transferência de responsabilidades que são da Comissão para outras instituições de natureza intergovernamental. A crise acentuou a perda de poder da Comissão, que já estava implícita no Tratado de Lisboa. Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, já apresentou na cimeira de Outubro passado a chamada “Agenda dos Líderes”, que contém todas as reformas que a Europa tem de levar a cabo até meados de 2019, incluindo a da UEM. As suas ideias aproximam-se bastante das de Paris e são partilhadas por vários países do Sul, incluindo em grande medida o Governo português.
A questão que está no âmago da reforma da União Económica e Monetária (UEM) é simples: de que forma é que o euro pode permitir a convergência real das economias que partilham a mesma moeda. Não é regressar ao passado, antes da crise económica e financeira de 2008, em que os mercados olhavam para a zona euro sem diferenciar as economias mais fortes das mais fracas. A crise da dívida eclodiu precisamente quando os mercados passaram a olhar para elas de forma distinta. A Europa não estava preparada para isso. As hesitações dominaram os primeiros tempos, agravando a crise. O pior já ficou para trás, com as saídas “limpas” da Irlanda e de Portugal e com o caso grego, o mais difícil, a correr bem. As políticas ofensivas do BCE, com programas de compra de dívida e com juros negativos, foram fundamentais. Passados oito anos de “revolução permanente”, em que a Alemanha assumiu o comando das operações para transformar o euro num verdadeiro marco, com um novo quadro institucional e novas regras, ainda falta a resposta à pergunta inicial.
3. Mas em Paris, Berlim ou Bruxelas as propostas ainda são suficientemente vagas para evitar radicalizar posições e prejudicar os compromissos futuros. Pierre Briançon lembrava recentemente no Politico que as propostas de Macron abriram uma discussão dentro do próprio Governo. Bruno Le Maire, o ministro das Economia e Finanças (que vem do centro-direita), preferia uma negociação “passo a passo” (como costuma dizer a chanceler), em vez de um “grande plano” (muito francês), demasiado ambicioso, quando, nos dias que correm, muitos governos europeus não querem grandes saltos em frente. Macron tem tido o cuidado de não insistir naquilo que é mais difícil para a chanceler. Alguns exemplos ajudam a perceber que ainda há muita coisa por clarificar, ao ponto de as mesmas palavras significarem coisas diferentes em Paris ou em Berlim. Para a França, é fundamental um orçamento próprio da zona euro com uma robustez significativa. Macron esclareceu que deve representar “vários pontos percentuais do PIB da zona euro”, para poder emitir eurobonds, financiar o investimento público ou as reformas e assegurar o apoio aos países que sofram choques assimétricos. Para a Alemanha, deve ser modesto e menos ambicioso. Merkel, sem rejeitar a ideia, já disse que deverá ser financiado por “pequenas contribuições e não por milhões de milhões de euros”, e deve servir para recompensar os países que levem a cabo reformas estruturais. Quando Wolfgang Schäuble (agora a presidir ao Bundestag) abre as portas a um Fundo Monetário Europeu, não está a falar do mesmo que França. Para ele, seria o Mecanismo Europeu de Estabilidade (o actual mecanismo de bail-out), mesmo que reforçado, mas mantendo a sua natureza de órgão burocrático para socorrer financeiramente países em dificuldades a troco de novos programas de ajustamento. O ministro das Finanças da zona euro, que contaria com o beneplácito alemão, também teria funções distintas na versão alemã e na versão francesa. Na primeira, seria um “fiscalizador” do cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mais do que um coordenador das políticas económicas e financeiras dos Estados-membros, o papel que Macron lhe atribui, com a sua ideia de que é preciso um governo económico na zona euro que vá além do Eurogrupo. Mesmo assim, Merkel já foi um pouco mais longe ao admitir, em Setembro passado, que essa função poderia ajudar a garantir “mais coerência” das políticas económicas e “assegurar que os factores competitivos sejam harmonizados”.
4. É aqui que chegamos à escolha de Mário Centeno, confirmada ontem à tarde. Centeno apresentou-se como candidato, não como aluno disciplinado e obediente de Berlim, mas para demonstrar que havia alternativas à austeridade a todo o custo, mantendo os compromissos do défice e criando as condições para um maior crescimento, devolvendo dinheiro às famílias e incentivando o consumo interno. Estará no centro deste debate fundamental. Se foi aceite por Angela Merkel, isso também quer dizer que Berlim percebe que a Europa está a entrar numa nova fase, na qual ultrapassar as divisões profundas provocadas pela crise é do interesse de todos. As propostas do primeiro-ministro português para o futuro da UEM, apresentadas em Bruges, contêm, também elas, o grau de moderação necessário para as tornar aceitáveis em Berlim. A negociação a sério terá agora de começar.
COMENTÁRIOS:
JOSÉ: 5.12.2017 : Portugal já sofreu bem as consequências de ter cedido as politicas: aduaneira, monetária, financeira, cambial, bancária, orçamental, negócios estrangeiros... Um país que vem de 1143 deixou de existir enquanto país independente para ser um protetorado, onde só se obedece. É esse o destino de todos os países que se submetam a Tratado Orçamental, União Económica e Monetária, União Bancária, Defesa Comum... Está bom de ver que os países, seus povos e nações não aceitarão a sua castração e o apagão das suas identidades. Esse caminho acentua, explícita e agrava as contradições internas ao continente europeu. É o caminho da guerra, não o da paz. O caminho da paz é o que respeita a identidade dos povos o território das nações e a concorrência livre de todos com todos em liberdade. Mais que CEE, não.
Tiago Pereira:   «Uau a sua falta de evidências é incrível Diga-me onde é que Portugal sofreu? Estes anti UE são uma comédia. Fartam-se de ver vídeos no youtube vindos da Rússia com desinformação e mentiras. E depois ainda apregoam mais mentiras. Esse comentário não tem um único ponto de verdade. Como é que consegue mentir tanto, José?


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