A seriedade intelectual de Francisco
Assis desde sempre se impôs, julgo, num país de sensibilidades esfuziantes, expressas quer em manifestações de ruído e reclamação, facilitados pelos slogans ou
canções alusivas, quer pela crítica humorística, ou de sátira mordaz que a
imprensa escrita favorece. Francisco Assis não pertence a nenhum dos formatos,
a sua hombridade e craveira intelectual concedendo-lhe autoridade para julgar
com segurança e firmeza, sem artifícios de subjectividade discursiva. Quando
apresenta Mário Centeno, é certo que o faz com suspense, começando com
um livro que lera, sobre o trabalho, de alguém desconhecido, para posteriormente
o identificar com esse homem de quem se fala, Mário Centeno.
Também o grupo da “Quadratura
do Círculo” falara dele, Jorge Coelho com os arroubos que dum modo
geral faz ao governo PS, congratulando-se pelo que diz serem benéficos os
resultados obtidos pela geringonça, jamais reconhecendo a eficácia da política anterior
de Passos Coelho, que se esforça por rebaixar como tendo sido uma
política de humilhação ao estrangeiro, contrariamente à de António Costa,
de altivez segura pela aliança esquerdina do seu apoio, e, segundo ele, vitoriosa,
apesar do défice em crescendo, que, de resto, ignora, no seu arrebatamento
laudatório. Lobo Xavier naturalmente que também reconhece o valor de Mário
Centeno, sem embandeirar em arco, contudo, pela escolha europeia,
considerando o fraco trabalho do presidente anterior, Dijsselbloem, e minimizando tal cargo, como o
de “uma presidência de porra nenhuma”. Já Pacheco Pereira pôs a
tónica numa Europa caótica, de perplexidade relativamente aos Estados Unidos,
uma Europa em crise financeira, que não mais se revê no velho ideal de ajuda
financeira aos povos mais carenciados, e portanto, uma Europa a desprezar, à
boa maneira da esquerda, julgo eu, desinteressada de pagamento do débito, já
falando – ouvi hoje - em nova abordagem mais branda, a longo prazo, de ressarcimento da dívida,
convicção, de resto, há muito adquirida por essa esquerda, de uma relação de
escoamento monetário puramente unívoco, de lá para cá, que parece ser também o
ideal de Pacheco Pereira.
Mas, retomando o texto de Francisco Assis, de uma cordura
de análise sem quebras, que não se abstém de citar o erro, reponho o parágrafo
final, disso expressivo: «A geringonça aparenta caminhar
rapidamente para um estado agónico, a direita, paradoxalmente, presta
quotidianas provas da sua estreiteza doutrinária e política em vez de se
afirmar e o Presidente da República sobressai, mesmo quando cede a uma tentação
populista que as circunstâncias lhe não exigem. Ou eu estou muito
enganado ou este é o tempo certo para uma clarificação na vida política
portuguesa. Creio que António Costa ainda vai a tempo de evitar o pântano.»
OPINIÃO
O tempo certo
Ou eu estou muito enganado
ou este é o tempo certo para uma clarificação na vida política portuguesa.
Creio que António Costa ainda vai a tempo de evitar o pântano.
Francisco Assis
Público, 7 de Dezembro de 2017
Há uns anos chegou-me às mãos
um livro editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos intitulado O
trabalho: uma visão de mercado, da autoria de um economista de que nunca até
então ouvira falar. Li a referida obra de rompante e de tal modo a tive em
consideração que de imediato procurei obter informação sobre o seu autor. Tratava-se
de um distintíssimo quadro do Banco de Portugal, dotado de sólida formação
académica, com passagem por Harvard e reconhecido brilhantismo científico.
Não satisfeito com a informação recolhida, procurei inquirir acerca das suas
orientações doutrinárias, quer no plano político, quer no âmbito das teorias
económicas. As respostas que obtive revelaram-se algo contraditórias: havia
quem o identificasse com uma corrente de inspiração claramente liberal, tal
como havia quem lhe reconhecesse algumas inclinações propensas a um certo
criticismo face ao liberalismo puro e duro. Formulei intimamente a convicção de
estar perante um espírito livre, inteiramente desvinculado de qualquer tipo de
culto dogmático.
Quando António Costa o
convidou — e estou a referir-me como é já óbvio a Mário Centeno - para
dirigir o grupo de trabalho encarregado da elaboração do programa económico a
apresentar pelo PS nas eleições Legislativas de 2015, suspirei de alívio. O
resultado final do labor prosseguido por tal grupo dificilmente poderia ter
sido melhor. Nestas mesmas páginas tive oportunidade de saudar a
clarividência, a inteligência e o carácter politicamente inovador da proposta
finalmente apresentada. Foi aliás por essa razão que participei
activamente na última campanha política do PS, apesar das reservas publicamente
enunciadas acerca de algumas das orientações assumidas pela direcção nacional
do partido.
É sabido que me opus
frontalmente à solução política em vigor, a qual com o tempo foi adquirindo a
designação um pouco infantil de “geringonça”. Apesar dessa oposição, que não só
não escondi como reiteradamente assumi, sempre projectei alguma confiança na
opção europeísta de António Costa e na fidelidade intelectual de Mário Centeno
às suas convicções mais profundas. É certo que isso não era suficiente
para aderir a uma fórmula político-parlamentar que, demasiado dominada por
insanáveis contradições estruturais, não está em condições de levar a cabo
qualquer tipo de acção política verdadeiramente inovadora e reformista. Uma
coisa é, porém, certa: nem a chamada geringonça, nem António Costa, nem Mário
Centeno tiveram o condão de me desiludir. A geringonça consumiu-se e exauriu-se
num programa assaz ligeiro de reversões e devoluções, António Costa confirmou
as suas convicções pró-europeístas e Mário Centeno garantiu o integral
cumprimento dos compromissos assumidos pelo nosso país no âmbito europeu.
A eleição do ministro das
Finanças português para a presidência do Eurogrupo constitui por isso mesmo um
facto político do maior significado. É certo — e nisso têm razão alguns dos
mais inteligentes protagonistas e analistas políticos oriundos do espaço
ideológico situados à esquerda do PS — que tal acontecimento não vai alterar
por si só, no imediato, as grandes linhas de orientação da política económica,
monetária e orçamental prevalecente no espaço europeu. Nisso esses
sectores políticos portugueses revelam maior seriedade e objectividade
analítica do que aqueles que se apressaram a declarar que a eleição de Centeno
significava a exportação de um suposto modelo alternativo de governação de
Portugal para a Europa. Entre a inteligência demasiado céptica de Daniel
Oliveira e o excessivo voluntarismo do porta-voz do PS, João Galamba, não há
dúvida de que a razão assiste indiscutivelmente ao primeiro. Só que - e
esta pequena diferença não é desprovida de importância - o reconhecimento
por parte do Partido Popular Europeu de que a Presidência do Eurogrupo deveria
ser atribuída a um socialista, por um lado, e a inteligência, a preparação
técnica e a consciência crítica de Mário Centeno, por outro, não serão
certamente factores despiciendos na forma como vai exercer as funções que agora
lhe foram cometidas. Por isso mesmo entramos numa nova fase da nossa
vida política nacional. A extrema-esquerda e a direita dão sinais de uma
profunda desorientação. O próprio sector mais esquerdista do PS parece ter
desistido da inteligência, refugiando-se exclusivamente no domínio da
propaganda. Se João Galamba, que é de longe o mais inteligente e o mais
preparado dos representantes desse sector, recorre a um expediente tão medíocre
como aquele que referi anteriormente, o que dizer dos demais?
A geringonça aparenta
caminhar rapidamente para um estado agónico, a direita, paradoxalmente, presta
quotidianas provas da sua estreiteza doutrinária e política em vez de se
afirmar e o Presidente da República sobressai, mesmo quando cede a uma tentação
populista que as circunstâncias lhe não exigem. Ou eu estou muito
enganado ou este é o tempo certo para uma clarificação na vida política
portuguesa. Creio que António Costa ainda vai a tempo de evitar o pântano.
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