quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Os “bandeirantes” e António Costa


Os bandeirantes foram seres de uma raça espoliadora, mas trabalhadora, que no seu papel de exploradores do sertão, contribuíram não só para o alargamento dos espaços territoriais brasileiros, como para a rica construção das nossas igrejas, embelezadas com a talha dourada do nosso esplendor setecentista. Gente rude, ambiciosa, corajosa, com objectivos à vista. Evoluímos, todavia, e os bandeirantes de agora escondem os seus objectivos - afinal os mesmos daqueles - mas calcada a bandeira e guardadas as recolhas dos seus dourados no secretismo dos múltiplos gavetões bem aferrolhados e dispersos, das suas infâmias despudoradas do proveito próprio. Áugias e as suas estrebarias? Se um Hércules surgiu no horizonte que conseguiu limpá-las e esclarecer, bendito seja Áugias – António Costa - porque pôde estimular esse Hércules – Procuradoria Geral da República - que denunciou os bandeirantes do secretismo emporcalhador do país.
Ajudantes de Hércules, João Miguel Tavares e Cristina Miranda, anteriormente, focaram o tema de Sócrates e a sua rede de nós, a desfazerem-se no fedor e na loucura:

1º Texto: Sócrates não merece cair sozinho
João Miguel Tavares
Público, 11 de Outubro de 2017
Não se enganem: aquilo que ficámos a conhecer não foi a acusação de José Sócrates, mas a acusação de um regime inteiro. Um regime composto por um povo alheado e dependente, um poder corrupto, uma justiça amedrontada e um jornalismo manso. Sem esta triste conjugação de pobres qualidades, José Sócrates poderia sempre ter sido eleito em 2005, mas jamais seria reeleito em 2009. É evidente que existe gente indecorosa em qualquer parte do mundo, mas nos países bem frequentados as instituições não falecem todas ao mesmo tempo. Infelizmente, durante a era Sócrates, tudo faliu, até finalmente falir o país. Tirando duas ou três dúzias de teimosos que insistiram obsessivamente que o rei ia nu, demasiadas pessoas em lugares de responsabilidade ou não viram o que se estava a passar, por serem pouco espertas, ou não quiseram ver, por serem pouco honestas.
Neste momento marcante da História de Portugal, em que um ex-primeiro-ministro é acusado de 31 crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de documento, convém recordar que José Sócrates não caiu da tripeça por causa dos portugueses, que finalmente perceberam quem ele era. Caiu por causa da crise internacional, da falência do país e da vinda da troika. Sócrates obteve 36,6% dos votos em 2009 (mais de dois milhões de pessoas), já depois da revelação da licenciatura fraudulenta e das manobras para impedir a publicação de notícias; já depois da exibição do DVD do caso Freeport onde Charles Smith declarava que ele era corrupto; já depois de correr com Manuela Moura Guedes do programa de informação mais visto da TVI por não apreciar o estilo e as reportagens. E mesmo após a crise internacional, a falência do país e a vinda da troika, José Sócrates ainda conseguiu obter 28,6% de votos para o PS – 1,57 milhões de portugueses. Em 2015, depois de quatro anos de brutal austeridade, António Costa obteve somente mais 180 mil votos do que José Sócrates em 2011.
Sócrates foi um extraordinário caso de popularidade, não só entre o povo, mas sobretudo entre as elites. E são estas elites que hoje em dia me preocupam, porque os ex-apoiantes de Sócrates continuam por aí como se nada fosse, nos blogues, nos jornais, nas empresas, no PS, no governo. Muitos dos que acham que os portugueses têm o dever moral de pedir desculpa por acontecimentos do século XVII, não vêem qualquer necessidade de pedir desculpa por acontecimentos de 2017. Não há qualquer acto de contrição por terem apoiado incansavelmente um homem que a cada três meses era suspeito de fraude, corrupção e atentado ao Estado de Direito, e que nunca, jamais, apresentou qualquer justificação decente para aquilo de que era acusado.
Dir-me-ão: Sócrates ainda não está condenado. Pois não. Mas reparem como o entusiasmo dos seus defensores esmoreceu desde a noite da detenção (21 de Novembro de 2014) até ao dia da acusação (11 de Outubro de 2017). A verdade é esta: as acusações são demasiado fortes e as explicações demasiado fracas. Daí Sócrates estar cada vez mais isolado. Contudo, o julgamento que se aproxima não pode esgotar-se nele. É sobre Sócrates, sobre Salgado, sobre Vara, sobre Bava, sobre Bataglia, e sobre um regime construído por inúmeros ex-socratistas, que agora saem de cena na esperança de que esqueçamos o papel que desempenharem ao longo dos anos. Eu não esqueço. Aqui estarei para lembrar que Sócrates não ascendeu sozinho, não governou sozinho e, acima de tudo, não merece cair sozinho.

2º Texto, mais antigo: SÓCRATES TEM PRESSA? AZAR!
Cristina Miranda
Público, quarta-feira, 22 de março de 2017
Sócrates, o “injustiçado” e seus advogados estão indignados com Joana Marques Vidal por ter alargado e bem, os prazos de acusação.  Estão com muita urgência de ver o Processo Marquês arquivado “convictos” que conseguirão provar que isto não passa de uma cabala para impedir Sócrates de regressar à vida política. De facto, as ligações  do ex-ministro ao FreeportMonte BrancoFace OcultaCGDPT, OI, VIVOBESMarquês Lula, não passam de mera diversão mediática de juízes  sem nada mais para fazer, senão linchar políticos e amigos de políticos. Está de caras. Não?
Ora, o curioso disto tudo é a cobertura jornalística de apoio dissimulado, às vezes descarado, que é dado ao ex-ministro que ele sabiamente usa e abusa para aparecer a toda à hora, de forma compulsiva, e arrogante em tudo quanto é noticiário, entrevistas e comentários, a insultar os magistrados que o investigam, quando deveriam manter as devidas distâncias e com isenção. Afinal, quer queiram quer não, trata-se de assunto delicado e extremamente lesivo para o Estado. E se há queixas de Sócrates quanto à acusação na praça pública, deveria haver quem se indigne pela lavagem de imagem autorizada pelos canais de TV, rádios e jornais, feita pelos jornalistas para o absolver … na praça. Não?
Mas a verdade é que este político não agiu sozinho. E por muito poder que tivesse (e tinha) era necessário comprar muitos cúmplices para que fosse possível gigantesco processo de corrupção. São muitos aqueles que temem o destino de Sócrates porque dele dependem também. E esse é o maior problema caso venha a ser condenado. A descobrir-se TODA a verdade quantos serão arrastados nesta maré? E quem? Só assim se justifica a propaganda pró-defesa paga pelo sistema.
E daí a pressa. Pressionar a PGR – atrapalhando a normal investigação fazendo muito ruído sobre pressupostas ilegalidades e entreter o MP com 30 recursos, é muito conveniente. Porque a pressa deixaria cair uns quantos processos por falta de conclusões numa investigação que, sabemos já vai longe. Mas se vai longe é porque já não é um polvo há muito tempo, mas sim um cancro com metástases espalhadas por vários “órgãos”. Uma leucemia agressiva que tomou conta do país enquanto Sócrates governava.
Felizmente para nós, parece que desta vez (a ver se não desilude), temos uma PGR decidida a tratar este assunto como ele merece ser tratado, de forma implacável, doa a quem doer. E vendo o aumento de ligações perigosas, Joana Marques Vidal não hesitou em prolongar por tempo indeterminado, os prazos. E quero acreditar que será assim até à conclusão destes processos.

Porque num país onde o cidadão comum, por atrasar ou não pagar um mero imposto, mesmo que “insignificante”, comparativamente, é levado a um juiz e pode ser condenado criminalmente, com penas não inferiores a 3 anos, jamais pode admitir que quem lesa o erário público em largos mil milhões de euros não veja o sol amanhecer aos quadrados. Por muito tempo. E Sócrates, juntamente com todos os que o ajudaram, a confirmar-se as suspeitas, não podem ser excepção. Estão com pressa? Azar. Os interesses do país estão primeiro.

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