terça-feira, 10 de outubro de 2017

A careca à mostra


Quem leia o artigo de Rui Ramos que segue - «Passos Coelho, Ulisses e os porcos» - e tenha lido o de José Pacheco Pereira, já aqui citado e transcrito - «A doença que está a encolher o PSD» – da mesma data - Público, 3 de Outubro de 2017 – apercebe-se da diferença entre uma análise imparcial – a de Rui Ramos - que responsabiliza um partido e uma sociedade na imagem que criou sobre um leader - (do PSD) - não adaptado à linha de orientação clientelista conveniente, base do poder político em Portugal – que convém à nação e que o PS há muito adoptou – e um ponto de vista não isento, perseverante no ataque, o de Pacheco Pereira, como ele informa logo de início, como crítico do homem independente que foi Pedro Passos Coelho, a quem desde sempre atacou com animadversão, ignorando a sua probidade, ajudando mesmo a orientar o esbulho que foi a eleição de António Costa, aquando das legislativas, inserindo-o numa “esquerda” de total de votos superior ao da “direita” “centrista”, os partidos reduzidos a “direita” e “esquerda”, de mais fácil percepção, pelo menos enquanto Costa não se empoleirasse no seu galho superior, de manobrador socialista, que sabe que pode poisar aqui e ali, a aliança só lhe tendo servido para o esbulho e as côdeas dos pseudo afectos à esquerda, além  das leis de desanuviamento moral e sexual propostas pelos camaradas e que não fazem mossa a Costa, modernizando os costumes. Também não fazem, certamente, mossa a Pacheco Pereira, que define irredutivelmente o PSD, partido a que diz pertencer, como o dos ideais liberais e humanistas dos tempos de Sá Carneiro, os quais Passos Coelho adulterou, com a sua mania de pagar as contas provindas de outros ideais de perversão egoísta e esbanjadora, indiferente a pagamentos.
Quanto ao artigo de Rui Ramos, sobre o carisma que deverá apresentar o próximo presidente do PSD, relativamente ao governo instituído por Costa – de oposição ou de aceitação - o parágrafo final nos elucida, numa linha de paralelismo clássica bem pertinente: A caverna de Costa é tão tentadora como a de Circe. Irão mais uma vez os companheiros de Ulisses transformar-se em porcos?


Passos Coelho, Ulisses e os porcos
3/10/2017
Passos Coelho representa na política portuguesa aqueles que não se querem adaptar ao domínio do governo pelos ex-ministros de José Sócrates. Vai um PSD pós-Passos desistir dessa causa?
Por consenso, o país oficial decidiu que as autárquicas eram a ocasião para Passos Coelho se retirar. O próprio admitiu que talvez não continue. O que quer dizer que o PSD pode estar à beira de uma descoberta dramática. Muitas boas almas parecem convencidas de que outro líder terá vida mais fácil. Imaginem: alguém que nunca teve de cortar pensões! Infelizmente, é uma ilusão.
Passos foi primeiro-ministro quatro anos e meio, mais tempo do que qualquer outro líder do PSD, com excepção de Cavaco Silva; ganhou duas eleições legislativas, como só Sá Carneiro e Cavaco Silva ganharam. Se nem mesmo assim o pouparam a uma contínua verrina interna, como será com um líder sem estes pergaminhos? Até porque o contexto não vai melhorar. Um novo presidente do PSD terá de enfrentar imediatamente este problema estratégico: prosseguir a política de Passos, e ver-se acusado de ser o “Passos número 2”; ou mudar, e ver-se suspeito de ser um peão de António Costa.
O problema do PSD não é Passos Coelho, mas este: o PS, desde o fim do governo de Cavaco Silva, transformou-se no partido do Estado e das clientelas do Estado, que são, neste como em anteriores regimes, a base do poder político em Portugal. Domina quem, a partir do Estado, tem meios para multiplicar e alimentar bocas. Nos últimos vinte anos, o PSD nunca teve esses meios. Apanhou sempre o lado mau do ciclo da governação, quando, após uma temporada de despesismo socialista, foi preciso congelar e cortar — em 2002 e em 2011. O PS pôde governar sozinho, em maioria ou em minoria, em ambiente geralmente de optimismo e consenso; o PSD teve de governar em coligação, no meio de toda a espécie de crispações. Previsivelmente, o PS emergiu como o “partido natural do governo”, o guardião do “sistema”, o abrigo dos interesses. A aliança de Ricardo Salgado com José Sócrates é a prova mais clara de como os poderes fácticos da sociedade portuguesa reconheceram os socialistas como interlocutores privilegiados.
A questão é saber se a sociedade portuguesa tem força para desejar outra coisa que não privilégios e benesses do Estado. Durante o ajustamento de 2011-2014, julgou-se que sim. Já se percebeu entretanto que não. Basta recordar a última campanha autárquica, e os subsídios, as casas, os benefícios fiscais prometidos em troca de votos.
Passos Coelho nunca teve ilusões a esse respeito. Por isso, pareceu que esperava nova emergência financeira, o que autorizou muita gente a declará-lo refém do passado. Não era isso. Simplesmente, não via em Portugal outro meio de rotação no poder. É a lição de 2001 e de 2011. Vai o PSD esperar, continuar a propor outro modo de vida, e sujeitar-se assim ao cerco oligárquico que sofreu Passos? Ou vai, pelo contrário, entrar no mercado de “entendimentos” que o PS já abriu com o PCP e o BE? A segunda opção tem um preço: a redução do PSD, que tem sido a alternativa ao PS, a um simples lóbi da governação socialista. É a mais antiga aspiração do PS: poder tratar o PSD e o CDS como os equivalentes da direita do PCP e do BE. Teríamos um regime com um partido grande e quatro partidos pequenos, com quem o partido grande rodaria na governação, umas vezes mais à esquerda, outras mais à direita.
Por convicção, percurso ou feitio, Passos representa na política portuguesa aqueles que não se querem adaptar ao continuado domínio do governo pelos ex-ministros de António Guterres e de José Sócrates. Por isso, Passos foi tão atacado como Sá Carneiro, que também nunca se conformou com os arranjos oligárquicos do seu tempo. Mas o resto do PSD? Ter-se-á já convencido de que não vale a pena resistir? A caverna de Costa é tão tentadora como a de Circe. Irão mais uma vez os companheiros de Ulisses transformar-se em porcos?


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