Quem leia o artigo de Rui
Ramos que segue - «Passos
Coelho, Ulisses e os porcos» - e tenha lido o de José Pacheco
Pereira, já aqui citado e transcrito - «A doença que está a encolher
o PSD» – da mesma data - Público, 3 de Outubro de 2017 – apercebe-se da
diferença entre uma análise imparcial – a de Rui Ramos - que
responsabiliza um partido e uma sociedade na imagem que criou sobre um leader -
(do PSD) - não adaptado à linha de orientação clientelista conveniente, base do
poder político em Portugal – que convém à nação e que o PS há muito adoptou – e
um ponto de vista não isento, perseverante no ataque, o de Pacheco Pereira,
como ele informa logo de início, como crítico do homem independente que foi
Pedro Passos Coelho, a quem desde sempre atacou com animadversão, ignorando a
sua probidade, ajudando mesmo a orientar o esbulho que foi a eleição de António
Costa, aquando das legislativas, inserindo-o numa “esquerda” de total de votos
superior ao da “direita” “centrista”, os partidos reduzidos a “direita” e
“esquerda”, de mais fácil percepção, pelo menos enquanto Costa não se
empoleirasse no seu galho superior, de manobrador socialista, que sabe que pode
poisar aqui e ali, a aliança só lhe tendo servido para o esbulho e as côdeas
dos pseudo afectos à esquerda, além das
leis de desanuviamento moral e sexual propostas pelos camaradas e que não fazem
mossa a Costa, modernizando os costumes. Também não fazem, certamente, mossa a
Pacheco Pereira, que define irredutivelmente o PSD, partido a que diz pertencer,
como o dos ideais liberais e humanistas dos tempos de Sá Carneiro, os quais
Passos Coelho adulterou, com a sua mania de pagar as contas provindas de outros
ideais de perversão egoísta e esbanjadora, indiferente a pagamentos.
Quanto ao artigo de Rui Ramos,
sobre o carisma que deverá apresentar o próximo presidente do PSD,
relativamente ao governo instituído por Costa – de oposição ou de aceitação - o
parágrafo final nos elucida, numa linha de paralelismo clássica bem pertinente:
A caverna de Costa é tão tentadora como
a de Circe. Irão mais uma vez os companheiros de Ulisses transformar-se em
porcos?
Passos Coelho, Ulisses
e os porcos
3/10/2017
Passos Coelho representa na política portuguesa aqueles que não se
querem adaptar ao domínio do governo pelos ex-ministros de José Sócrates. Vai
um PSD pós-Passos desistir dessa causa?
Por consenso, o país
oficial decidiu que as autárquicas eram a ocasião para Passos Coelho se
retirar. O próprio admitiu que talvez não continue. O que quer dizer que o PSD
pode estar à beira de uma descoberta dramática. Muitas boas almas parecem
convencidas de que outro líder terá vida mais fácil. Imaginem: alguém que nunca
teve de cortar pensões! Infelizmente, é uma ilusão.
Passos foi
primeiro-ministro quatro anos e meio, mais tempo do que qualquer outro líder do
PSD, com excepção de Cavaco Silva; ganhou duas eleições legislativas, como só
Sá Carneiro e Cavaco Silva ganharam. Se nem mesmo assim o pouparam a uma
contínua verrina interna, como será com um líder sem estes pergaminhos? Até
porque o contexto não vai melhorar. Um novo presidente do PSD terá de enfrentar
imediatamente este problema estratégico: prosseguir a política de Passos,
e ver-se acusado de ser o “Passos número 2”; ou mudar, e ver-se suspeito de ser
um peão de António Costa.
O problema do PSD não é
Passos Coelho, mas este: o PS, desde o fim do governo de Cavaco Silva,
transformou-se no partido do Estado e das clientelas do Estado, que são, neste
como em anteriores regimes, a base do poder político em Portugal. Domina quem,
a partir do Estado, tem meios para multiplicar e alimentar bocas. Nos
últimos vinte anos, o PSD nunca teve esses meios. Apanhou sempre o lado mau do
ciclo da governação, quando, após uma temporada de despesismo socialista, foi
preciso congelar e cortar — em 2002 e em 2011. O PS pôde governar
sozinho, em maioria ou em minoria, em ambiente geralmente de optimismo e
consenso; o PSD teve de governar em coligação, no meio de toda a espécie de
crispações. Previsivelmente, o PS emergiu como o “partido natural do governo”,
o guardião do “sistema”, o abrigo dos interesses. A aliança de Ricardo
Salgado com José Sócrates é a prova mais clara de como os poderes fácticos da
sociedade portuguesa reconheceram os socialistas como interlocutores
privilegiados.
A questão é saber se a
sociedade portuguesa tem força para desejar outra coisa que não privilégios e
benesses do Estado. Durante o ajustamento de 2011-2014, julgou-se
que sim. Já se percebeu entretanto que não. Basta recordar a última campanha
autárquica, e os subsídios, as casas, os benefícios fiscais prometidos em troca
de votos.
Passos Coelho nunca teve
ilusões a esse respeito. Por isso, pareceu que esperava nova emergência
financeira, o que autorizou muita gente a declará-lo refém do passado. Não era
isso. Simplesmente, não via em Portugal outro meio de rotação no poder.
É a lição de 2001 e de 2011. Vai o PSD esperar, continuar a propor outro
modo de vida, e sujeitar-se assim ao cerco oligárquico que sofreu Passos? Ou
vai, pelo contrário, entrar no mercado de “entendimentos” que o PS já abriu com
o PCP e o BE? A segunda opção tem um preço: a redução do PSD, que tem
sido a alternativa ao PS, a um simples lóbi da governação socialista. É
a mais antiga aspiração do PS: poder tratar o PSD e o CDS como os equivalentes
da direita do PCP e do BE. Teríamos um regime com um partido grande e
quatro partidos pequenos, com quem o partido grande rodaria na governação, umas
vezes mais à esquerda, outras mais à direita.
Por convicção, percurso
ou feitio, Passos representa na política portuguesa aqueles que não se querem
adaptar ao continuado domínio do governo pelos ex-ministros de António Guterres
e de José Sócrates. Por isso, Passos foi tão atacado como Sá Carneiro, que
também nunca se conformou com os arranjos oligárquicos do seu tempo.
Mas o resto do PSD? Ter-se-á já convencido de que não vale a pena
resistir? A caverna de Costa é tão tentadora como a de Circe. Irão mais uma vez
os companheiros de Ulisses transformar-se em porcos?
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