Galaró emplumado, ei-lo que deu o seu passeio, no
artificialismo das convenções, actor pisando o seu palco a rebentar de orgulho,
na avidez dos media, na pequenez dos discursos, na farsa dos gestos. Um homem
de coragem, todavia, pretendendo exibir a sua importância, e viver a sua
história de conto de fadas, mas na realidade sem a varinha mágica
imprescindível - para nós, pelo menos, europeus do bom viver, que continuamos a
precisar da sua colaboração, para podermos usufruir dos copos e das mulheres, sobretudo cá os do sul, mais soalheiros. E afinal, logo após a viagem de
fantochada, o passo a seguir de Trump foi rasgar um tratado que impõe a obrigatoriedade
de salvar a Terra contra o desastre ambiental. Donald Trump sente-se
confortável no seu mundo de poder e não entende de poluições, torcido no
inchaço da sua cadeira de ”rei absoluto”, que não percebe das nudezas de todas
as condições, e, mais que todas, essa dos tronos. O certo é que, nesta
velocidade com que as notícias ocorrem, a visita de Donald Trump, referida por Teresa
de Sousa, já foi, a do rasgar do Acordo o será em breve, nesta dança
de campeões de um mundo de passagem.
Por cá, tudo vai bem, a Catarina Martins repete,
no seu virtuoso inchaço, que foi graças a ela e os seus que a economia portuguesa
está a progredir, com o aumento dos salários mínimos, e a mim parece-me que
ainda irá progredir mais com a sugestão de diminuição das reformas dos velhos,
segundo proposta de José Manuel Fernandes, não de todo absurda, a pensar
nos vindouros, e segundo o lema que reduz a trapos esses tais que cada vez mais
se agarram à vida, segundo as estatísticas, como ladrões dos novos, pese embora
o que fizeram antes, em termos de descontos para assegurarem essa reforma que não
tardará o dia, lhes será cerceada, para equilíbrio do erário.
Entretanto, no nosso estrelato artístico, Salvador
Sobral começa a impor-se, oxalá que seja um dos vencedores em flecha, a não
precisar de reforma, como é uso nestes tempos intranquilos, de cada um construir
a sua própria reforma, alguns com muita fraude à mistura, sem consequências
para os infractores, embora com extremo reflexo na economia, desde há muito
tempo. Mas disso não se fala, faz parte dos nossos tabus. O rasgar do Acordo de
Paris, de Trump, desvaloriza quaisquer outros acordos, até mesmo os de cá, onde
já existe o costume do muito rasgar.
Donald Trump está a
chegar
O novo Presidente americano iniciou este fim-de-semana
umas mais do que merecidas “férias” no estrangeiro, que o retiraram do
caldeirão interno em que está envolvido e que precisa que lhe corram bem para
restituir algum fôlego à sua presidência.
Público, 21 de Maio de 2017
Teresa de Sousa
1. Num artigo publicado
na Foreign Affairs enquanto decorria a campanha presidencial de 2000,
Condoleezza Rice defendia uma visão para a política externa americana na qual a
democracia, com os seus valores, teria de ter um papel fundamental. Rice era
vista como a voz de George W. Bush em matéria de política externa, e a
sua “professora-em-chefe”. Estávamos ainda a viver o remanso do pós-Guerra
Fria. Bill Clinton era criticado pelo establishment mais
conservador da política internacional por ter transformado a América numa
espécie de “assistente social” do mundo, como dizia Kissinger.
Quando
foi eleito, Bush considerou que o papel dos EUA não era reconstruir
nações e prometeu mais “humildade” no exercício do poder americano. Mal sabia
ele que teria de reconstruir umas tantas. No artigo, a sua conselheira nacional
de Segurança e, depois, secretária de Estado do segundo mandato (com a missão
de corrigir boa parte dos erros cometidos no primeiro), dizia que estavam
reunidas as condições para acabar com a velha prática segundo a qual a América
tinha de distinguir entre os “sons of a bitch” e “our sons of a bitch”.
A Arábia Saudita, uma velha aliada da América, pertencia à segunda
categoria, naturalmente.
Como
sabemos, o 11 de Setembro mudou tudo. Derrubar ditadores e mudar
regimes passou a ser, na prática, a doutrina oficial. O resultado foi o que
se sabe. Condoleezza acaba de publicar um livro cujo título é
justamente Democracia, que vai contra tudo aquilo que a actual
Administração de Trump parece defender, pelo menos nos dias pares. O que
ela diz é que os valores não podem estar dissociados da política externa
americana sob pena de a descaracterizar, acrescentando que as palavras são
muito importantes. O seu sucessor, Rex Tillerson, explicou recentemente aos
funcionários do Departamento de Estado que não é útil passar a vida a falar de
democracia, retirando-a das prioridades da política externa. Ninguém se lembra
de Trump ter utilizado a palavra “democracia” desde que chegou à Casa Branca.
Obama utilizou-a como um instrumento fundamental da sua política externa,
mas desviou-a da ideia de que a mudança de regime pela força pudesse alguma vez
ser uma solução. Estendeu a mão a Cuba e a Teerão. Privilegiou as forças
especiais e os drones no combate ao terrorismo. Manteve-se afastado
de outra guerra no Médio Oriente. “America First?”, pergunta Walter
Russell Mead numa revisão do livro de Rice. “Não, diz Condoleezza Rice.”
2. O novo Presidente americano
iniciou este fim-de-semana umas mais do que merecidas “férias” no estrangeiro, que
o retiraram do caldeirão interno em que está envolvido e que precisa que lhe
corram bem para restituir algum fôlego à sua presidência. O itinerário é
longo e complicado. A ideia de visitar os lugares santos das três grandes
religiões poderia ser interessante, caso o Presidente não tivesse
antagonizado deliberadamente uma delas, ao ponto de restringir a entrada a pessoas
oriundas de sete países islâmicos. Quer remediar essa má impressão. A
visita ao Papa destina-se sobretudo a imprimir uma boa fotografia. Francisco já
o criticou publicamente por causa dos imigrantes e dos refugiados e Trump
devolveu-lhe as críticas dizendo que não era nada com ele. A forma como trata
os mexicanos e os hispânicos não pode ser bem vista por Francisco, que também
não pode esquecer que seis em cada dez católicos brancos americanos votaram no
actual Presidente. Não podiam ser mais distintas as personalidades de ambos e
os valores que defendem.
3. Na NATO e no G7, duas cimeiras
sucessivas em Bruxelas e na Sicília, os seus aliados europeus já trataram de
organizar uma coreografia que evite o mais possível a imprevisibilidade que
caracteriza este Presidente. São, mesmo assim, dois testes fundamentais sobre a
aliança transatlântica e a defesa do livre comércio. Como escrevia
ontem o New York Times, está tudo preparado para “conversas de 30
segundos e não de 30 minutos” e para memorandos de uma só página. As
reuniões serão curtas. A agenda foi construída para dar a ideia de que a NATO
já está a cumprir as suas recomendações, nomeadamente sobre o combate ao
terrorismo, como se fosse uma novidade. “O terrorismo já é uma
prioridade da NATO há 14 anos.” A Europa entrou em pânico quando Trump
fez campanha elogiando o “Brexit”, demonizando a Alemanha e declarando a NATO
obsoleta. Corrigiu o tiro: “Disse que era obsoleta e agora digo que não
é obsoleta.” O chefe do Pentágono e o secretário de Estado já desbravaram
terreno. A única coisa que os aliados querem é garantir que os EUA continuam
empenhados na segurança europeia, porque sabem até que ponto precisam deles.
Temem que a desestabilização interna da sua presidência crie um vazio de poder
que abra as portas à China ou a Rússia mais do que seria conveniente para a
segurança internacional. Receiam que a sua relação problemática com
Putin ponha em causa as sanções aplicadas desde a ocupação da Crimeia. Têm
apenas um objectivo: que o Presidente faça uma referência ao Artigo 5.º do
Tratado de Washington. Vão levá-lo a inaugurar uma estátua de homenagem às
vítimas do 11 de Setembro, para lhe lembrar que foi a única vez que a defesa
mútua foi accionada. A favor dos americanos. Mas isso será no dia 25.
Vamos de ter de mudar quase tudo, e não queremos
mudar nada
OBSERVADOR, 1/6/2017
Somos
um país cada vez mais envelhecido e isso tem e terá imensas consequências no
nosso futuro - e também na forma como vivemos a velhice. Mas enquanto houver
geringonça ninguém discutirá o problema.
86
anos no caso dos homens, 88 no caso das mulheres. Em 2014-2016 foram essas as
idades em que se registaram mais óbitos. No mesmo período duas em três das
pessoas que morreram tinham mais de 80 anos. No caso das mulheres foram mesmo
três em cada quatro óbitos os que ocorreram depois dos 80 anos.
Habitualmente
olhamos para a esperança de vida e celebramos, com razões para celebrar, a
extraordinária evolução registada em Portugal. De acordo com um relatório do INE divulgado esta semana, a
esperança de vida à nascença era em 2015 de 80,62 anos. Nos últimos dez anos –
dez anos que foram quase sempre de crise e de “cortes” que, como sabemos,
“destruíram” o nosso Serviço Nacional de Saúde – nunca a esperança de vida
deixou de aumentar, sendo hoje 2,44 anos mais elevada do que era há uma década.
Em média estamos a ganhar cerca de três meses de esperança de vida por ano.
Mas
há um outro dado importante que poucas vezes se refere: a esperança de vida aos
65 anos está agora nos 19,31 anos. Se pensarmos que a idade média das reformas
anda nos 63 anos (62,8 no caso dos funcionários públicos em 2016, 63,1 para os restantes trabalhadores em 2015),
concluímos que, em média, devemos esperar viver um pouco mais de 22 anos
como reformados.
Este
número faz-me impressão – e não me impressiona apenas por não saber como iremos
financiar tantos anos com tantos portugueses a viverem como pensionistas.
Impressiona-me também pelo desperdício que representa. Porventura um
desperdício pesado para a economia e doloroso para os próprios.
A
regra, nos dias que correm, é usar as reformas antecipadas como forma de
reestruturar as empresas. Ou simplesmente de as renovar. Muitas vezes faz-se
mesmo a seguinte conta: “Vais três anos para o Fundo de Desemprego e depois
já tens idade para te darem a reforma sem cortes”.
Há
muitos anos que penso que está quase tudo errado neste raciocínio.
Está
errado para as empresas, pois muitos dos trabalhadores que dispensam, mesmo não
tendo a criatividade e a energia dos mais novos, possuem uma experiência que
lhes faz falta, uma experiência que bem poderia “temperar” toda a frescura e
ideias novas trazidas pelos jovens.
Está
errado para os próprios, pois a passagem directa da vida activa à vida de
reformado é muitas vezes um choque doloroso, uma evolução também desnecessária
se pensarmos que hoje, aos 60, aos 65 ou mesmo aos 70 anos se continua a ter
boa saúde e se mantém o melhor de muitas capacidades.
E
por fim está errado para a economia, pois sabemos que o aumento do contingente
de reformados tem evoluído a par com a diminuição de população em idade activa,
e essa é uma realidade que não mudaremos por muitas décadas, pois é fruto de
tendências demográficas (sobretudo a diminuição do número de nascimentos) que
não se podem alterar retroactivamente.
Infelizmente,
quando olhamos para esta estado das coisas, quando queremos discuti-lo, por
regra nunca saímos do debate em torno dos problemas de financiamento da
segurança social. Parece que a única pergunta que faz sentido é “como é que
vamos pagar tantas pensões?” ou, mais prosaicamente, “onde é que vamos buscar
mais dinheiro?”
Gostaria
que o debate pudesse sair desta camisa de forças, onde pouco mais podemos
discutir do que a idade da reforma ou se vamos passar a taxar os robots, para passar a um outro debate que me parece
mais estimulante: o de criar condições para que a passagem à reforma seja
progressiva, isto é, que possa existir um período de transição em que os
trabalhadores mais velhos começariam a trabalhar menos horas (ou menos dias)
recebendo proporcionalmente menos, e que isso pudesse coexistir com aquilo a
que poderíamos chamar “reformas a tempo parcial”.
Muitos
dirão: mas então vamos aceitar salários mais baixos no fim da nossa vida
activa? De facto nunca foi essa a regra, mas não vejo porque não possa
acontecer. Por um lado, para muitos essa é uma fase da vida em que as despesas
familiares começam as ser menores; por outro lado, ao aceitar soluções deste
tipo estar-se-ia a abrir espaço para que as empresas pudessem contratar
trabalhadores mais novos, o que é justo e necessário.
E
seríamos capazes de viver com menos rendimentos? Parece difícil, mas é o que já
hoje sucede quando se passa à reforma, e a tendência é para que aconteça cada
vez mais. Hoje a primeira pensão de reforma corresponde, em média, a pouco mais
de 60% do último ordenado, em 2025 estima-se que represente menos de metade e
que, lá para 2060, tenha caído para 30% a 40%, conforme tenhamos por referência
as estimativas
da Comissão Europeia ou as do nosso Ministério da Solidariedade Social.
De
novo acho chocante esta evolução. Acho chocante que encolhamos os ombros por
aqueles que, trabalhando e descontando, vão pagar as nossas reformas nas
próximas quatro décadas – toda uma vida de trabalho – só recebam, no final, o
equivalente a metade do que hoje se recebe. E não me parece que este problema
se resolva passando a taxar os robots.
Fórmulas
que permitissem uma maior margem de liberdade – dos trabalhadores e das
empresas – na gestão do processo de passagem da vida activa para a vida de
reforma, mecanismos que estimulassem a continuação no mercado de trabalho de
tantos que ainda têm tanto a dar à economia (e à sua própria auto-estima),
soluções que permitissem optar entre diferentes formas de cálculo da pensão em
função desta ser ou não usada como complemento de um corte salarial
proporcional à redução do tempo de trabalho, tudo poderia e deveria contribuir
para olhar de forma diferente para aquele número de que impressiona – os 22
anos a viver de uma pensão – e que também pesa.
Não
era preciso fazer uma grande reforma, toda de uma vez, podia-se testar em
alguns sectores ou regiões. Só tinha de se saber em que direcção queríamos ir.
Não
tenho porém ilusões. Os tempos que vivemos não são favoráveis a este debate. À
esquerda os partidos estão entrincheirados em posições ideológicas rígidas. E à
direita tem-se a percepção de que enquanto durar a geringonça não há qualquer
possibilidade de falar com o PS sobre um acordo de que este teria de ser sempre
parte.
Há
muita coisa para mudar. Nalgumas frentes, quase tudo. Mas pressinto que nos
tempos mais próximos não quereremos mudar nada, e não apenas por causa do
bloqueio político. Na verdade estamos tão habituados a mudar apenas sob pressão
que já nem sabemos fazer de outra forma. Pior: falta-nos energia para isso,
pois os mais idosos dificilmente serão agentes de mudança e os mais novos têm
demasiados problemas hoje para pensarem nos que terão amanhã.
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