sábado, 15 de abril de 2017

Contrastes de torres



Um abismo de contraste entre o texto de severidade crítica sobre a nossa justiça por cá, e o texto de exaltação elogiosa com a bela imagem da Torre do Bank of China, em Hong Kong das fotografias desta semana de António Barreto. Não que nos mova a inveja. Mas, naturalmente, a tristeza pelo que há muito acontece entre nós, com uma justiça perra, ou porque ela própria joguete dos valores económicos que analisa, ou porque os filamentos que entrelaçam os casos dos nossos abusos são de tal modo inextricáveis que não há competências bastantes para os deslindarem. E assim vamos vivendo, e deixando que a nossa sociedade continue assente na generalização da desfaçatez impune, mestra-mor de uma população que, por atrasada que seja, tem a esperteza suficiente para verificar a importância dela na satisfação da sua própria ambição, facilmente desculpando a própria aleivosia, ante os exemplos apregoados dos vencedores. E assim iremos continuar, na nossa torre de ignomínia, de vez em quando alertados pelas mentes mais expressivas de sanidade moral, na tentativa de segurar o barco, denunciando a infâmia. Mas não, não nos parece verdadeira a sentença de que a água mole em pedra dura tanto dá até que fura. A pedra em que somos talhados é bem granítica, nada do barro moldável de outros modelos mais racionais. Seremos sempre os do bom rapazismo trapalhão, que despreza os valores da autenticidade assente na ética. Os finalistas que vão passar férias em Espanha são imagem de tudo isso que nos define em carência de valores, de que as nossas escolas são também palco. O que parece não incomodar ninguém, a começar pelos governos, coitados, eles próprios joguetes da democracia que não querem deixar escapar.

Polícias e ladrões
O despacho de arquivamento dos processos contra Dias Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia, incompatível com o mais simples sentimento de justiça
António Barreto
DN, 9/4/17
Mais um dia péssimo para a Justiça! Mais um dia mau para Portugal! O despacho de arquivamento dos processos contra Manuel Dias Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia, incompatível com o mais simples sentimento de justiça. As acusações incluíam corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais e estariam relacionadas com o processo BPN, cuja duração ultrapassa os sete anos. O que já foi tornado público desse despacho revela que o Ministério Público não tem provas, não consegue fundamentar as suas acusações e não tem evidência para levar os arguidos a julgamento. Em vez de simplesmente arquivar, os autores do despacho tecem considerações sobre os comportamentos dos arguidos, revelam as suas suspeitas, declaram as suas intuições e referem a experiência comum das pessoas para reafirmar a sua convicção de que os arguidos são culpados. Só que... não têm provas nem conseguem demonstrar a culpa! Isto não é justiça!
A crise financeira tem trazido más notícias e sucessivos desastres. Primeiro, transformou-se em crise económica, social e política. Depois, em crise global e do Estado de direito. Mas a crise não serve para explicar e desculpar tudo, falcatruas, roubos, favoritismo, corrupção e má gestão. É indispensável encontrar responsáveis. A começar em decisões sem fundamento, erros involuntários ou deliberados de administração pública ou privada e gestão danosa. A passar pelas culpas de crimes de roubo, enriquecimento ilícito, corrupção, branqueamento, fraude fiscal, falsificação, contrabando e ocultação. E a acabar pelos culpados de erros ou incompetência não só dos ladrões, mas também dos polícias e dos magistrados. De tudo isto era necessário que soubéssemos mais. Que os processos fossem conduzidos com meios e diligência, sem ferir os direitos dos cidadãos. Que os criminosos fossem julgados com prontidão. Que os maus gestores fossem expostos. Que os culpados por delapidação dos bens comuns fossem afastados de funções equivalentes e pagassem pelo que fizeram. E que os inocentes fossem em paz. Tudo isto era indispensável ser feito em tempo útil e em respeito pelos cidadãos. E quando o Ministério Público ou os magistrados não conseguem provar, não têm meios, não sabem investigar e são incompetentes para acusar, então calem-se! Arquivem e calem-se! Não denunciem covardemente.
Quem decidiu o quê, no governo, nas instituições públicas, nos bancos e nas empresas? Quem é realmente responsável pela perda de valor da ordem de milhares de milhões? Quem é responsável pelo desvio de fortunas destinadas a enriquecer alguns? Quem decidiu dar crédito a quem não devia? Que decisões de crédito foram meros erros de cálculo e cujo castigo, por incompetência, deveria ser o afastamento dos responsáveis? Que decisões de crédito foram erros deliberados para beneficiar amigos e clientes e cujo castigo deveria ser penal? Que decisões de crédito foram especialmente desenhadas para defraudar as instituições e beneficiar os próprios, seus familiares, amigos e clientes?
Goste-se ou não, o apuramento de responsabilidades é essencial para o futuro da democracia. Porque é essa a única maneira de respeitar os inocentes e os direitos de todos. Porque é esse o único modo de fundar uma sociedade decente. Ora, o que se vê, com mais este despacho infame e, antes dele, com a existência de arguidos durante anos à espera de pronuncia sem julgamento, com processos que duram anos e não chegam ao fim, com condenados que não são presos porque vivem de recursos e de chicanas jurídicas, com escutas abusivas, com destruição indevida de escutas e com fugas premeditadas de matéria em segredo de justiça, com tudo isso e muito mais, sofre o último reduto da nossa liberdade que é o Estado de direito.
Com a crise, perdemos riqueza e oportunidades. Perdemos rendimento e igualdade. Mas parece estarmos sobretudo a perder a Justiça.

As minhas fotografias - Torre do Bank of China, em Hong Kong
É uma obra-prima da arquitectura. Mas só vista lá, dos vários ângulos, a diversas horas do dia, com climas e luzes diferentes, é que se faz justiça a este formidável edifício de I.M. Pei, americano de origem chinesa, nascido há 100 anos. A torre é a sede do Bank of China, tem cerca de 70 andares e 350 metros de altura. A construção durou menos de quatro anos e o edifício foi inaugurado em 1990. Hoje é o quarto edifício mais alto da cidade. Brilha na baía de Hong Kong, onde se criou um conjunto de arranha-céus de excepcional beleza. Este senhor Pei deixou marcas arrojadas e polémicas por todo o sítio, sendo outra, por exemplo, a famosa pirâmide do Louvre, em Paris. Um das controvérsias da sua obra foi por causa destra torre: ele teve o atrevimento de planificar e construir o edifício sem consultar previamente os sábios do feng shui nem respeitar as suas regras.


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