Um abismo de contraste entre o
texto de severidade crítica sobre a nossa justiça por cá, e o texto de
exaltação elogiosa com a bela imagem da Torre do Bank of China, em
Hong Kong das fotografias
desta semana de António Barreto. Não que nos mova a inveja. Mas, naturalmente,
a tristeza pelo que há muito acontece entre nós, com uma justiça perra, ou porque
ela própria joguete dos valores económicos que analisa, ou porque os filamentos
que entrelaçam os casos dos nossos abusos são de tal modo inextricáveis que não
há competências bastantes para os deslindarem. E assim vamos vivendo, e
deixando que a nossa sociedade continue assente na generalização da desfaçatez
impune, mestra-mor de uma população que, por atrasada que seja, tem a esperteza
suficiente para verificar a importância dela na satisfação da sua própria
ambição, facilmente desculpando a própria aleivosia, ante os exemplos
apregoados dos vencedores. E assim iremos continuar, na nossa torre de ignomínia, de
vez em quando alertados pelas mentes mais expressivas de sanidade moral, na
tentativa de segurar o barco, denunciando a infâmia. Mas não, não nos parece
verdadeira a sentença de que a água mole em pedra dura tanto dá até que fura. A
pedra em que somos talhados é bem granítica, nada do barro moldável de outros
modelos mais racionais. Seremos sempre os do bom rapazismo trapalhão, que
despreza os valores da autenticidade assente na ética. Os finalistas que vão
passar férias em Espanha são imagem de tudo isso que nos define em carência de
valores, de que as nossas escolas são também palco. O que parece não incomodar
ninguém, a começar pelos governos, coitados, eles próprios joguetes da
democracia que não querem deixar escapar.
Polícias
e ladrões
O despacho de arquivamento dos processos contra Dias
Loureiro e Oliveira e Costa, exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de
vício moral e insídia, incompatível com o mais simples sentimento de justiça
António Barreto
DN, 9/4/17
Mais
um dia péssimo para a Justiça! Mais um dia mau para Portugal! O despacho de
arquivamento dos processos contra Manuel Dias Loureiro e Oliveira e Costa,
exarado pelo Ministério Público, é um exemplo de vício moral e insídia,
incompatível com o mais simples sentimento de justiça. As acusações incluíam
corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais e estariam relacionadas
com o processo BPN, cuja duração ultrapassa os sete anos. O que já foi tornado
público desse despacho revela que o Ministério Público não tem provas, não
consegue fundamentar as suas acusações e não tem evidência para levar os
arguidos a julgamento. Em vez de simplesmente arquivar, os autores do despacho
tecem considerações sobre os comportamentos dos arguidos, revelam as suas
suspeitas, declaram as suas intuições e referem a experiência comum das pessoas
para reafirmar a sua convicção de que os arguidos são culpados. Só
que... não têm provas nem conseguem demonstrar a culpa! Isto não é justiça!
A
crise financeira tem trazido más notícias e sucessivos desastres. Primeiro,
transformou-se em crise económica, social e política. Depois, em crise global e
do Estado de direito. Mas a crise não serve para explicar e desculpar tudo, falcatruas,
roubos, favoritismo, corrupção e má gestão. É indispensável encontrar
responsáveis. A começar em decisões sem fundamento, erros involuntários ou
deliberados de administração pública ou privada e gestão danosa. A passar pelas
culpas de crimes de roubo, enriquecimento ilícito, corrupção, branqueamento,
fraude fiscal, falsificação, contrabando e ocultação. E a acabar pelos culpados
de erros ou incompetência não só dos ladrões, mas também dos polícias e dos
magistrados. De tudo isto era necessário que soubéssemos mais. Que os
processos fossem conduzidos com meios e diligência, sem ferir os direitos dos
cidadãos. Que os criminosos fossem julgados com prontidão. Que os maus gestores
fossem expostos. Que os culpados por delapidação dos bens comuns fossem afastados
de funções equivalentes e pagassem pelo que fizeram. E que os inocentes fossem
em paz. Tudo isto era indispensável ser feito em tempo útil e em respeito pelos
cidadãos. E quando o Ministério Público ou os magistrados não conseguem provar,
não têm meios, não sabem investigar e são incompetentes para acusar, então
calem-se! Arquivem e calem-se! Não denunciem covardemente.
Quem
decidiu o quê, no governo, nas instituições públicas, nos bancos e nas
empresas? Quem é realmente responsável pela perda de valor da ordem de milhares
de milhões? Quem é responsável pelo desvio de fortunas destinadas a enriquecer
alguns? Quem decidiu dar crédito a quem não devia? Que decisões de crédito
foram meros erros de cálculo e cujo castigo, por incompetência, deveria ser o
afastamento dos responsáveis? Que decisões de crédito foram erros deliberados
para beneficiar amigos e clientes e cujo castigo deveria ser penal? Que
decisões de crédito foram especialmente desenhadas para defraudar as
instituições e beneficiar os próprios, seus familiares, amigos e clientes?
Goste-se
ou não, o apuramento de responsabilidades é essencial para o futuro da
democracia. Porque é essa a única maneira de respeitar os
inocentes e os direitos de todos. Porque é esse o único modo de fundar uma sociedade
decente. Ora, o que se vê, com mais este despacho infame e, antes dele, com
a existência de arguidos durante anos à espera de pronuncia sem julgamento, com
processos que duram anos e não chegam ao fim, com condenados que não são presos
porque vivem de recursos e de chicanas jurídicas, com escutas abusivas, com
destruição indevida de escutas e com fugas premeditadas de matéria em segredo
de justiça, com tudo isso e muito mais, sofre o último reduto da nossa
liberdade que é o Estado de direito.
Com
a crise, perdemos riqueza e oportunidades. Perdemos rendimento e igualdade. Mas
parece estarmos sobretudo a perder a Justiça.
As minhas fotografias - Torre do Bank of China, em
Hong Kong
É
uma obra-prima da arquitectura. Mas só vista lá, dos vários ângulos, a diversas
horas do dia, com climas e luzes diferentes, é que se faz justiça a este
formidável edifício de I.M. Pei, americano de origem chinesa, nascido há 100
anos. A torre é a sede do Bank of China, tem cerca de 70 andares e 350 metros
de altura. A construção durou menos de quatro anos e o edifício foi inaugurado
em 1990. Hoje é o quarto edifício mais alto da cidade. Brilha na baía de Hong
Kong, onde se criou um conjunto de arranha-céus de excepcional beleza. Este senhor
Pei deixou marcas arrojadas e polémicas por todo o sítio, sendo outra, por
exemplo, a famosa pirâmide do Louvre, em Paris. Um das controvérsias da sua
obra foi por causa destra torre: ele teve o atrevimento de planificar e
construir o edifício sem consultar previamente os sábios do feng shui nem
respeitar as suas regras.
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