Também já fui assediada. E o meu pai, que já morreu há
38 anos, continua a sê-lo, requisitado pelos diligentes serviços das empresas,
porque o nome dele figura ainda, provavelmente, nas listas telefónicas, embora
estas, felizmente, tenham desaparecido da circulação, a era digital
incompatível com tanto desperdício de papel que representava a publicação dessas
listas renovadas anualmente, creio que para utilidade pública também. Mas não
havia necessidade.
Compreendo a indignação de António Barreto a respeito
dos serviços que, como são de utilidade pública, aparentemente pretendem
satisfazer as necessidades de cada um. Mas perde-se tempos infinitos a ouvir a “Primavera”
de Verdi, que de tempos a tempos pára para retomar fôlego, indefinidamente na
mesma estação aliciante, independentemente da estação do ano em que a chamada
possa ter lugar. Mas não sei se se mantém ainda o troço da Primavera, a
amenizar os tempos de espera para a resposta a uma informação. Como já há muito
que não telefono para obter informações - desisti disso, atida ao slogan “Não
telefone, vá” - prefiro ir para uma qualquer bicha esperar a minha vez de
ser atendida, como quem vai para o consultório do dentista, armado de resignação.
Nem sempre é, contudo, como descreve António Barreto. Quando
se trata dos serviços técnicos da internet, por exemplo, fico admirada com a
paciência dos técnicos de lá - da Meo, (foi o caso) - a dar ordens à distância até
que o problema fique resolvido. Aconteceu cá por casa há pouco, e a eficiência,
paciência - e delicadeza - que o meu marido compartilhou por mais de uma hora
de mudanças de cabos e fichas e averiguações e respostas a perguntas
deixaram-me de boca aberta. E finalmente feliz.
Mas na agressividade generalizada das competitividades
modernas, a paciência vai-se perdendo, geralmente por via telefónica, que interrompe
trabalhos ou sossegos para nos propor o rastreio aos nossos dentes ou ouvidos,
em tal dia, no sítio X, para nosso bem, é certo. Mas será que é? Não deixa de
ser incomodativa, embora nos doa que faça parte do ganha-pão de inúmeros
trabalhadores actuais, quando se trata do capítulo publicitário.
Assédios, compassos de espera. Fugas… só no desejo. António
Barreto analisa.
Utilidade pública
António
Barreto´
DN,
12/3/17 - Sem Emenda
Diz-se
public utilities. Em português, não quer dizer a mesma coisa, mas diz tudo.
Serviços e infraestruturas de serviços e facilidades para toda a gente.
Inicialmente organizados pelo Estado, ulteriormente geridos pelo mesmo ou por
empresas privadas. Cada país tem a sua solução. Mas é sempre a mesma coisa: serviços
públicos.
Muita
coisa pode entrar nesta categoria: água, luz, electricidade, gás, telefone,
correios, banda larga, transportes, esgotos, resíduos, faróis e outros. Há quem
inclua certos serviços públicos especiais, como a saúde e a educação. Podem ser
de gestão pública ou privada, local ou nacional, em monopólio ou em mercado
aberto. Fazem parte da concepção moderna de país civilizado.
Estes
serviços, em Portugal, começaram por ser públicos. Uns mantiveram-se como tal,
outros foram privatizados. Nada muito diferente de outros países. A eficácia, a
utilidade e a honestidade destes serviços variam muito. Em tempos, a imprensa
realizava uma espécie de ranking em que classificava, segundo a opinião
pública, cada serviço. Alguns, aborrecidos com uma má classificação,
esforçavam-se por melhorar, o que às vezes conseguiam e nós ficávamos a ganhar.
Entretanto,
com a privatização a ajudar, mais a crise financeira e a compra e venda de
empresas, sem falar na concorrência e na voracidade de tanta gente, todas estas
empresas se viraram para a agressividade comercial. São dezenas
de e-mails e telefonemas não desejados que se recebem por mês em casa de cada
um. Novos serviços, mais pacotes, descontos aparentes, novos dispositivos,
vantagens incríveis e brindes inacreditáveis! No fim do dia, é sempre para
vender mais mercadoria inútil, fidelizar aberta ou furtivamente, instalar
aplicações, adquirir uma nova box, alargar o serviço para áreas inúteis e
subtrair o cliente à empresa rival!
Uma
moda recente é a dos serviços de distribuição separados da produção e da
assistência, o que exige escolhas feitas pelos clientes, impostas por lei
(dizem eles...), que logo anunciam descontos e vantagens, mas que não
têm uns nem outras. Rapazes e raparigas com bilhetes de identidade
vistosamente exibidos batem à porta, declaram que, "para nosso bem",
vêm verificar as instalações e anunciam benefícios, mas que têm sempre
mercadoria para vender, regras absurdas e fidelizações ocultas! Para não
falar das "letras pequeninas" cheias de ratoeiras, nem das regras
incompreensíveis tanto para velhos analfabetos como para jovens doutorados!
Tentar
esclarecer com os serviços de assistência é inútil. Podemos esperar até meia
hora a ouvir música idiota. Quando a chamada é atendida, num call center da
Covilhã ou de Cabo Verde, somos informados de que temos de fidelizar, que outro
serviço tratará de nós, que é necessário comprar mais um pacote ou mudar um
tarifário! É inútil queixarmo-nos. Ou porque não se sabe a quem. Ou porque os
"provedores" estão ao serviço da empresa, não de nós. Ou porque
demoram. A análise das facturas é um pesadelo. Informação inútil e excessiva,
para que ninguém compreenda. Para desmoralizar quem quer compreender. Ou
obrigar toda a gente a desistir. Quando há dupla facturação, ou contagem
errada, é preciso primeiro pagar, depois litigar, pagar inspecções (mesmo
quando a culpa é deles...) e esperar. Meses... Anos... Sorte nossa é quando
recebemos a visita de um técnico ou assistente: a gentileza e a perícia
destroem o mito das máquinas e das competências digitais.
Algumas
práticas destas empresas, públicas ou privadas, são simplesmente ilegais. Como
tanta gente lhes deve emprego ou investimento, ninguém as castiga. Nem
sequer se faz legislação que proíba o assédio comercial.
Perceber
o que "eles" fazem exige tempo, sabedoria, paciência, letras,
advogados e recursos. Quer isto dizer, esquecer. Por outras palavras, dar
milhões a ganhar às empresas. Privados ou públicos, estes serviços teriam de
responder, respeitar e servir. Não o fazem. E gabam-se da sua agressividade.
Uma coisa é certa: ninguém os desafia ou vigia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário