E
aqui estou a transcrever, com o esforço do meu Luís - que hoje faz anos - numa aliança devidamente
esportulada, estes textos do Público que a minha mente apetece e a minha
indolência dactilográfica repudia. Seja, pelo amor de Deus e da Pátria e a
graça do Espírito Santo. Não vale a pena acrescentar nada ao artigo de Nuno
Pacheco. Que nunca as mãos lhe doam, nestas suas denúncias, embora, como sempre,
vamos verificando a inutilidade do esforço. Temos o tu cá tu lá da troca de
razões e doestos verbais usuais e ninguém se mexe para repor, o governo tem
outros feitos mais prementes na agenda, a língua tanto faz. Tipicamente nosso,
o sol é lindo e derrete o gelo, qualquer dia os continentes alagam, que importa
a racionalidade da escrita-mãe? O francês canadiano é extremamente feio, se
comparado à língua original, o português brasileiro foge ao controlo gramatical
e ninguém morre por isso. Repitamos triunfalmente com convicção, como Álvaro de Campos:
Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes
transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados,
invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o
fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!
Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Não, não há razões para pensarmos em luzes no nosso túnel
ortográfico. Nem mesmo de pirilampo.
ALGUMAS LUZES NO TÚNEL DA ORTOGRAFIA
Nuno Pacheco
Público,quinta-feira,16 de Março de 2017
As reflexões são importantes. Mas é preciso fazer algo
já. Porque o ensino é o maior mártir desta patranha.
Na
passada quinta-feira, dia 9 de Março, coincidiram no tempo duas iniciativas
relacionadas com o acordo ortográfico de 1990 (AO90): na Academia
de Ciências de Lisboa (ACL) realizou-se um Encontro de
Profissionais da Escrita e na Assembleia da República foi
entregue presencialmente uma petição com mais de 20 mil assinaturas para a
desvinculação de Portugal do AO90. Não são antagónicas, tais
ocorrências. A primeira integra-se no caminho que a ACL se propôs trilhar para
a edição de um novo dicionário, para o qual pretende uma ortografia coerente; e
a segunda é a resposta inequívoca à insensata posição do Governo em recusar
rever seja o que for desta matéria.
Mas
vêm, ambas, mostrar que não podemos continuar como até aqui. Sem
surpresa, a maioria das posições expressas na ACL, foram contra a AO90 ou
bastante críticas das bases por ele imposta. Os seus defensores acríticos
pouco ou fracamente argumentaram, daí a sua quase ausência.
Pelo
contrário , aqueles que, defendendo-o, lhe apontam vários erros, não desistem
do debate. Exemplo disto é o caso de D’Silvas Filho, professor
aposentado, consultor do Ciberdúvidas, que tem vindo a adoptar uma posição
crescentemente crítica sem abandonar a defesa do acordo. O seu mais recente
texto, “Acordos ortográficos imperfeitos não são sagrados”, é bem
demonstrativo dessa evolução. O pórtico da Língua Portuguesa, onde tal
texto se encontra também publicado, está a tornar-se mais uma montra útil desse
pensamento crítico. Além dos vários artigos da responsável pelo Pórtico, a
lexicógrafa Ana Salgado (encarregada pelo presidente da ACL, Artur Anselmo,
de coordenar os trabalhos com vista à concretização do novo dicionário), inclui
recentemente outros que merecem dedicada atenção. Como a notável intervenção
do investigador Fernando Venâncio na ACL, no dia 9, ou a transcrição do
discurso do professor Celso Augusto Nunes da Conceição na sua tomada de posse
como sócio correspondente brasileiro da ACL. E há ainda, fora do Pórtico mas
na ACL, a posição cientificamente fundamentada do filósofo e investigador Fernando
Paulo Batista, que defende, entre várias outras medidas, a par da
revogação imediata do AO90, a criação futura de uma Thesaurus ortográfico
global abarcando todas as variedades lexicais da CPLP e da Diáspora. Tudo
isto é importante. E, no entanto, é preciso fazer algo já . Porque
o ensino é o maior mártir de toda esta patranha, que resiste ao diletantismo
útil mas impotente. Como diz Fernando Venâncio no seu texto: ”pobre,
sim, dos professores, pobres das criancinhas. O verdadeiro problema ainda
são eles, os que não têm safa.” Não têm? Deviam ter. Entre as
medidas obrigatórias neste campo deviam estar, para já, o levantamento das
sanções (em notas ou outras) para quem escreva segundo a norma de 1945, por
sinal a única que a lei portuguesa consagra. Isso ou a suspensão
imediata do malfadado AO90. Enquanto não o corrigem, que deixe de
ser “norma”, porque impor uma norma errada é o mesmo que medicar um doente com
veneno para tentar curá-lo mais tarde.
É
certo que, em defesa a todo o custo do AO90, Edviges Ferreira, presidente da
Associação de Professores de Português (há outra, a anproport, que é
fundadamente contra), já veio advertir-nos: ”Deitar para o lixo todo um
trabalho realizado ao longo de cinco anos, porque um grupo de ‘velhos do
Restelo’ não aceita a mudança? Será que as consequências dessa nova
mudança não serão negativas para os nossos alunos (os homens de amanhã)?”
Pois bem: no seu texto, D’Silvas Filho tem uma passagem bem elucidativa a este
respeito. Escreve ele, embora defendendo o acordo, que “considera
inaceitável o argumento de que já há um uso em vigor, pois só seis anos não
estabelecem direito de uso, de mais a mais algum abusivo.” Serve isto como
argumento, senhora professora? Fernando Venâncio, por seu turno, não sendo
contra a existência de um acordo, defende a remoção do actual para dar tempo a
que os anticorpos que ele gerou se diluam.” E depois? O “Acordo” do futuro
poderá ser um acordar em não nos empatarmos mais uns aos outros. E esse,
senhores e amigos, será, finalmente, um Acordo como deve ser”. Teremos
direito a um futuro assim?
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