Há muito que se conhecem. São pessoas
timoratas, que defendem as suas vidas, incapazes de uma opinião corajosa,
segundo princípios de lealdade a valores éticos, de olho sempre em mais valias.
Era o povo que se não manifestava, nos tempos de Salazar, passivo e respeitador
por imposições dogmáticas e radicais, não por estudo e aperfeiçoamento cultural
e moral. Mal se lhes acenou com os princípios da liberdade e da igualdade,
abriram-se as comportas da vileza e da desvergonha próprias de uma massa humana
em grande parte amorfa e incapaz do desassombro e coragem que não seja senão
para defender o interesse próprio. Foi desta massa que saíram muitos dos que
hoje são acusados de falcatruas e esses são os espertos de sempre, normalmente
conotados com a direita capitalista. Os da esquerda altruísta vivem no poleiro
das suas crenças, que se pautam pelo ódio e a zanga moralistas e incitadores ao
desacato, indiferentes à anarquia que provocam e à destruição do próprio país.
Ninguém se preocupa com melhorar a nação, mas em salvar a própria pele.
E é neste contexto de amorfismo nacional que
surgem os tais comentadores que Alberto Gonçalves retrata, gente do nem sim nem
sopas, timorata por natureza, e previdente, que não assume posições drásticas,
mas de moderação sinuosa, já na expectativa de uma possível mudança, que a
mantenha sempre à tona da água, regendo as suas vidinhas. E isso implica o
estar de acordo com o que manda actualmente a esquerda impante e o governante
auto-eleito, não por ponderação ideológica, visto que “insuspeitamente” são
conotados à direita, os tais, mas por subserviência, como se vira quarenta e
tal anos atrás, no tempo de todas as surpresas.
Gente que, como informa Alberto Gonçalves, não
admira Cavaco Silva nem Passos Coelho, que são tabu na moda destes novos
tempos, porque são corajosos, apesar do contexto permanente do nosso amorfismo.
Gente que não intimida Alberto Gonçalves, que sem temor os desmascara.
O comentador de “direita”: uma
profissão de futuro
OBSERVADOR, 18/3/2017
O
comentador de “direita” é o proverbial idiota útil. Útil para a esquerda no
poder, que assim finge velar pela liberdade de expressão. Útil para os “media”
avençados, que assim fingem “pluralismo”.
Graças
ao milagre económico português, não só cai o desemprego como se levantam novos
e fascinantes empregos. Caso o desejem, os portugueses realmente apetrechados
para o ofício podem enveredar por uma carreira de comentador político, na
imprensa ou, se lhes sair a sorte grande, na televisão, que dá “visibilidade” e
tira a maçada de escrever. Aqui, as possibilidades são diversas, ainda que
apenas uma valha a pena. Os comentadores de esquerda, com filiação partidária
confessa ou pessimamente camuflada, já ocupam dois terços das vagas
disponíveis. Os comentadores que não são de esquerda querem-se escassos,
obsequiosos e, de preferência, calados. Pelo que se vê nos inúmeros programas
de “debate” e similares, as oportunidades passam sobretudo pelo cargo, hoje
imprescindível, de comentador de “direita”. As aspas resumem a coisa. Nos
parágrafos abaixo, eu desenvolvo-a, de modo a fornecer aos presumíveis candidatos
um guia profissional adequado.
1. O comentador de “direita” não
é de direita, embora o apresentem à direita e ele pactue com a encenação. A
julgar pelas opiniões de que se alivia, por exemplo o ardor com que defende o
actual governo e execra o anterior, um ingénuo seria levado a pensar que o
comentador de “direita” é de esquerda. Aliás, toda a gente, incluindo o
próprio, pensa exactamente isso. O comentador de “direita” não necessita de uma
filiação no PSD, mas esta pode ser um incentivo para tentar a expulsão e o
subsequente martírio.
2. O comentador de “direita” mal
disfarça o júbilo que lhe suscita um governo a reboque da extrema-esquerda.
Dado que ninguém o confronta com tamanha bizarria, beneficia de rédea solta
para elogiar o dr. Costa, que o comentador de “direita” considera uma
personagem de gabarito. Também louva com empenho a “irreverência” das meninas
do BE e a “coerência” do sr. Jerónimo. A cada dois meses, não é desajustada a
referência simpática à dra. Cristas, a fim de provar que, ao invés de
que sucede com Pedro Passos Coelho, é possível uma oposição construtiva. Na
“óptica” do comentador de “direita” (por motivos que ignoro, é usual o
comentador de “direita” vender óculos), oposição construtiva é aquela que
evita a “crispação” e aplaude o governo.
3. O comentador de “direita” só pode
apreciar líderes da direita se estes se chamarem Sá Carneiro, mesmo que
na época de Sá Carneiro o comentador de direita frequentasse a creche ou os
convívios do PCTP. Tolera-se a ocasional menção à dra. Ferreira Leite, a
Marques Mendes, no fundo outros comentadores de “direita”, para
legitimar encómios ao governo actual. Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho
são interditos absolutos. Também podem evocar com grande nostalgia Mário
Soares, a quem aparentemente devem tudo: a liberdade, a democracia, a alegria
de viver e um almoço na Tia Matilde.
4.
O comentador de “direita” deve justa, específica e activamente odiar Cavaco
Silva e Pedro Passos Coelho. O primeiro porque, cito, abusou dos poderes
presidenciais, conspirou contra os governos do “eng.” Sócrates e ainda por cima
escreveu um livro a contar tudo. O segundo porque correu com o “eng.”
Sócrates, venceu o dr. Costa e nunca convidou o comentador de “direita” para o
cargo que este, indubitavelmente, merecia. E ambos porque estão vivos.
5. O comentador de “direita” não
pode admitir com franqueza que gosta do “eng.” Sócrates. Mas como de facto não
desgosta do “eng.” Sócrates, condói-se imenso com o tratamento que o Ministério
Público tem dispensado ao antigo governante. Acerca do tema, começa as
intervenções com a imprescindível frase: “Sou insuspeito de ser um
admirador do eng. Sócrates, mas…”. Ao “mas” segue-se lengalenga épica
contra as cabalas, as escutas, as insinuações, as infâmias, a justiça
“mediática”, o “Correio da Manhã”, o juiz Carlos Alexandre e o mundo em geral.
6. O comentador de “direita”
tende a achar positivo o desempenho do prof. Marcelo, à superfície por via da
“proximidade” e dos “afectos” (juro), no fundo por via do matrimónio entre o PR
e o PM. Se, por absurdo, houver divórcio, o comentador de “direita”
achará o desempenho do prof. Marcelo menos positivo.
7. O comentador de “direita”
orgulha-se de ter amigos de esquerda. Se repararmos bem, o comentador de
“direita” tem exclusivamente amigos de esquerda.
8. O comentador de “direita” não
se limita a abominar a direita a que diz pertencer: quase tão má é a
extrema-direita, cujas sombras, repete ele, ameaçam a Europa e os EUA.
Misteriosamente, o apreço do comentador de “direita” pela moderação política
termina no momento em que a coerência recomendaria a condenação de todos os
imoderados. Vinte deputados “fascistas” na Holanda (ou o “populismo”) tiram-lhe
alegadamente o sono. Quarenta deputados leninistas em Portugal (ou a
“representatividade”) embalam-no como os anjos.
9. O comentador de “direita”
alinha sempre com as “causas” do momento. Dos movimentos “gay” ao apoio
a refugiados que linchariam “gays” mal pudessem, da liberalização das drogas
“leves” à proibição dos refrigerantes, do aborto à eutanásia, o comentador de
“direita” não perde tempo a ponderar a complexidade dos assuntos e assume
imediata e histericamente a posição que lhe parece mais “progressista” e lhe
assegura a bancada dos “progressistas” em futuros “Prós e Contras”, a
consagração televisiva da ortodoxia. Passar por retrógrado assusta-o
mais do que acordar em cuecas no Rossio.
10. O comentador de “direita”
é o proverbial idiota útil. Útil para a esquerda no poder, que assim finge
velar pela liberdade de expressão. Útil para os “media” avençados, que assim
fingem “pluralismo”. Útil para ele, que assim ganha a vida mas não vergonha na
cara. E útil para nós: o comentador de “direita” é consequência de um país
triste, mas, se o contemplarmos na perspectiva que merece, é causa de muitas
gargalhadas.
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