Uma crónica no “Observador”, de Maria
João Avillez, mais umas achas na fogueira dos desmandos, no excerto de
outra crónica de Rui Ramos que transcrevo directamente também do “Observador”,
e finalmente deito as mãos ao trabalho, copiando arrastadamente o parecer de João
Miguel Tavares sobre o despertar de Louçã, que o “Público” esconde
ferozmente numa cibernética avara de
partilha. Complemento com os meus próprios ais, destituídos de cultura política,
convergindo para as conversas de senhoras que, no café onde me acolho, para as
leituras dos meus prazeres, chegam até ao meu canto, insistentes, repetitivas, doloridas,
sobre um desastre que poderia ter acontecido lá fora a um filho de uma delas,
motivado por avalanche traiçoeira, quando se divertia - parece que na neve -
que pôs a senhora em aflição e as outras em apoio e chá de camomila carinhoso, enquanto
tudo eram suposições, mas que felizmente um telefonema esclarecedor resolveu as
coisas em bem, a senhora em questão chorando de alívio agora, em “descarga”, na
expressão ternurenta de uma das que se esforçava por a acalmar, e no dia seguinte pela manhã tudo voltou ao mesmo, a
senhora repetindo aos mesmos ou a novos ouvidos os sofrimentos por que passara
na véspera, com as mesmas expressões de culto da dor que os ouvidos atentos
acharam por bem repartir, o que me leva a afastar-me hoje do cafezinho para não
voltar a distrair-me com o discurso inesgotável sobre os sofrimentos por que as
mães passam, e a confirmação das outras mães que já viveram amarguras ou sustos
parecidos com os filhos, pois que um filho nunca deixa de ser filho e uma mãe
nunca deixa de ser mãe e de o revelar publicamente nos sarilhos e nos cafés de
bairro que a gente procura para desanuviar do espaço caseiro, onde há sempre
apelos de arrumação ou limpeza destruidores da nossa paz, e também há casos
graves na televisão, de que apetece fugir, mas não resulta no café dos
masoquismos maternos.
Realmente os meus contactos espirituais nada
têm a ver com as coisas graves que transcrevo dos bons cronistas, embora
apontem para a nossa irremediável carência de atributos que faz que falhemos
como nação. Já Verney achava que era necessário as mães cultivarem-se para produzirem
cidadãos capazes, mas as nossas prioridades giram mais em torno de nós, mães soberbamente
dolentes de uma filosofia sensível, daí que nunca nos aproximemos nem sequer da
Europa do Sul quanto mais da do Norte, não há que esperar, de cidadãos com
origens maternas de intelecto mais rigoroso, e é este o sentido do meu comentário
destituído de saber mas não de fado, aos pareceres dos cronistas que transcrevo
ou copio, caso - para o meu esforço de cópia - do de João Miguel Tavares
os quais, felizmente, ainda nos preenchem o orgulho pátrio, ao descreverem, com
saber, a nossa anemia na questão de políticos sagazes et pour cause.
1º -A incerteza como novo
mandamento
Observador, 16/2/2017
Trump
desconfia de cada um de nós e aponta o dedo acusador; a líder da Frente
Nacional quer o fim do nosso mundo; o chefe do Podemos vomita-o com raiva. Tudo
no mesmo saco? Sim, o resultado é o mesmo.
1. Como um curto circuito que tivesse
pulverizado o sistema das nossas coordenadas, a paisagem tornou-se
irreconhecível. Antes tivesse anoitecido sobre ela. Apesar do escuro e da noite
lá íamos dando com o caminho ou com a forma de nos desviarmos dele, quando era
o caso. Havia instrumentos de navegação com que contávamos e bússolas fiáveis.
Hoje, subitamente, ou demasiado subitamente, é cada vez mais “física” a
sensação de perda e mais real a certeza de que é indispensável reconstruir
novos, como dizer?, “modelos” onde encaixar esse outro mundo que flagrantemente
aí está. E que também flagrantemente exibe preferências e referências com que
não lidámos e configura destinos que nos são estranhos. Que códigos partilhar
com os eleitores que já elegeram Trump e talvez venham a preferir Le Pen? Os
meus não certamente. E apesar de dizerem “gasto” o “modelo” que os suporta, são
esses códigos que elejo e insisto em praticar, vendo como impossível
reconhecer-me noutros.
Que
pátria é afinal a do Podemos espanhol, para que vida nos quer capturar Marine
Le Pen, com que valores habitar a “terra” de Benoit Hamon, se um dia ele vier a
conquistá-la? Que realidades tão distantes são essas? E que caminhos são
aqueles, sempre feitos pelas margens como os deles, ao contrário da estrada
aberta às várias vias dos nossos valores e convicções? Será que aquilo que
representamos caiu em desuso, já não serve com um casaco apertado e um dia
será, com fúria e acinte, varrido do mapa da era nova?
Há
cada vez mais a sensação de um “separatismo” hostil, como se transportássemos a
“culpa”, como se devêssemos expiar termos optado por seguir o GPS do mundo
ocidental. Trump manifestamente desconfia de cada um de nós e aponta-nos o seu
dedo acusador; a líder da Frente Nacional quer o fim do nosso mundo, o chefe do
Podemos vomita-o com raiva. Tudo no mesmo saco? Sim, de certo modo pois o
resultado é o mesmo: diluir- ou deveria dizer acabar? – o que ocidentalmente
representamos. Corromper a nossa morada, mesmo que hoje acantonada em perguntas
sem respostas. Sim, sabemo-lo bem, as respostas estão, como ocorre nos
supermercados, “ em falta “ ou tornaram-se num produto “descontinuado” . Mas
não é por isso que desisto. Da Europa, a apesar da anemia, do Ocidente, apesar
da fraqueza. Quais respostas? Não sei, sei apenas o que se sabe: de certo,
apenas o incerto. Uma incerteza que se tornou numa espécie de novo mandamento
dos novos tempos.
Mas
sei que passam os dias, passa o tempo (tempo demais?) e as “diferenças” podem,
verossimilmente, de resto, parecer-nos irreversíveis. Não se vê como partilhar
futuros, nem se vislumbra de que valores poderia ser tecido um chão comum. Nem
– ao menos – com que alicerces construir a ponte — mas qual? — para os de
repente tão estranhos habitantes do inclassificável mundo que se ergue diante
do nosso espanto.
A
Europa está cansada? O “modelo” tem de ser revisto e revigorado? É preciso
imaginação e reflexão, energia e ousadia políticas para o achamento de outro
caminho, à altura de outros “achamentos” de que a Europa já foi capaz? Gerando
a melhor, mais culta, mais rica, mais apetecível e invejada das civilizações,
Europa continente magnifico? Sim. Toda essa “revisão” — para dizer o mínimo — é
imprescindível e por isso urgente. Convinha porém não esquecer o essencial. A
ameaçada Europa somos nós, é lá que moramos e é pertença nossa. Sei que
parecerá quase ingénuo ou até já deslocado esta espécie de profissão de fé ou
mesmo a sua oportunidade. Seja como for, com maior ou menor fé, com euro ou sem
euro, com esta ou outra “união”, com este ou outro “perfil” talvez seja melhor
— de uma vez por todas — denegri-la menos e cuidá-la mais. Compreendendo — como
dizia alguém mais inteligente que eu – que apesar das suas fraquezas tão nossas
conhecidas, dos erros cometidos, das debilidades que sulfuricamente a vão
corroendo, a Europa é a solução e não o problema. Troquemos a lamúria pela sua
defesa.
2.
Há cada vez a percepção de que, na sociedade atual, se vai “implantando” uma
linguagem que reflete — e pior, transmite e incessantemente retransmite — o
crescimento de uma quase demencial agressividade. Vê-se à vista desarmada, nos
écrans, na rua, em comícios, nos liceus, em reuniões comunitárias e claro, na
montra da media. Que a cultiva, promove e amplia. Protagonistas, produtores,
agentes, obreiros da nova era surgem-nos cada vez mais contaminados pelo
ressentimento, deixando gangrenar divisões e praticando a acusação torpe e
passando o seu imediato certificado de culpa com a espantosa desenvoltura de
quem respira. E praticando ainda, com cada vez maior frequência, o insulto
ofensivo, a humilhação, o desprezo, a condenação, o ódio. Brandindo as palavras
como armas remetidas pela mais letal das rejeições.
É
a guerra. E por isso, é assustador.
3. A novela da Caixa Geral de Depósitos está
perigosa. Nada que os capítulos anteriores não antecipassem (ou é surpresa para
alguém o total envolvimento do Presidente da Republica e sobretudo o modo como
se foi nela enredando?) mas…a quem se poderá pedir que ela saia de vez dos nossos
écrans e da praça pública? Recentemente exibiu-se entre nós uma telenovela
também nacional que — caso nunca visto em parte alguma — contou com mais de 500
episódios. Pois bem, a da Caixa está candidata a competir seriamente com este
excesso. Como me acho (e julgo que de resto o país inteiro) devidamente
informada sobre a mentira do ministro, as inabilidades de Domingues, as manhas
da geringonça e as exaustivas e incautas intromissões, ditos por não ditos,
avanços, recuos, avisos, afirmações e contra afirmações do sempre histriónico
Presidente da Republica – dispensar-se-iam mais episódios. Se “alguém” com mais
juízo e maior respeito pelo cidadão eleitor compreendesse que o país também
dispensaria, agradecia-“se”.
4. Bem pode Carlos César proferir frases de
“efeito” e falar de outras coisas que a tensão política entre o PR e o PM,
aterrou. Ignoro se é uma escala ou um destino e até aterrou politicamente antes
do (meu) horário. É caso para tomar boa nota pois pela primeira vez. todos os
erros foram cometidos. E pensar que a procissão ainda mal saiu da igreja.
2º
- Tudo em Portugal depende do BCE, até a verdade
3/3/2017
…
Sim, é verdade que há muitos livros, artigos e relatórios. Cada um de nós até
pode pensar que sabe tudo, ou quase. Mas o regime, no seu conjunto, não sabe,
porque ao mesmo tempo que o Estado faliu, faliram os consensos e os
compromissos, e tudo se reduziu a tema de discórdia e de confronto, mesmo os
factos a que, em tempos de optimismo, chamávamos “objectivos”. Num cenário
destes, qualquer assunto, por mais grave, serve apenas de mote para intriga e
especulação.
Nunca,
nesse sentido, saberemos o que se passou. Mas sabemos o que se passa: é o BCE,
com a sua política de juros baixos e compras de dívida pública, que vai
permitindo esta feira de “erros de percepção”, lapsos informáticos, demagogias
vaidosas e operações clientelares. Mas com a inflação na zona euro nos 2%, a pressão
sobre as “políticas de estímulo” tenderá a agravar-se. O que quer dizer
que um dia, quando o véu de fantasia monetária do BCE deixar de cobrir a nudez
forte da verdade portuguesa, descobriremos talvez, não o que se passou com as
transferências ou com a CGD, mas o que se vai passar com todos nós, para além
de todas as mistificações facciosas. Tudo em Portugal depende do BCE, até a
verdade.
3º - As aventuras de
Louçã no Banco de Portugal
João Miguel Tavares
Público, 25/2/2017
Não
sei se é Francisco Louçã que está mais capitalista, se é o Banco de Portugal
que está mais revolucionário, mas esta sua nomeação para o conselho consultivo
do banco central português parece uma partida de Carnaval. Após o
comunicado do Conselho de Ministros declarar que a nomeação de Louçã se
justifica pela sua «reconhecida competência em matérias económico-financeiras e
empresariais», estava à espera a todo o momento, de que a ministra da
Presidência saltasse de trás de uma cortina vestida de índio, com uma pistola
de estalidos, a ulular: «Era no gozo! Esqueçam lá isso do Louçã!» Mas
não! Parece que é mesmo a sério.
Desculpem.
Se o trotskista Francisco Louçã foi nomeado para o conselho consultivo do Banco
de Portugal, eu exijo ser duplamente nomeado para a comissão política do Bloco
de Esquerda e para o comité central do PCP. Catarina Martins e Jerónimo de
Sousa encontram o meu email no final deste texto. É só indicarem os dias e as
horas das reuniões, e eu apareço lá com uns livros de Milton Friedman e John
Stuart Mill. Tal como Louçã, dispenso remuneração. É mesmo só pelo divertimento
e pelo prazer rem apresentar opiniões fora da ortodoxia” que foi a justificação
que Francisco Louçã deu ao Diário de Notícias para a sua nomeação.
Às
tantas, o Banco de Portugal agora é a Assembleia da República, e tem de ter
representação das várias sensibilidades parlamentares. Seria uma boa
notícia para o senhor do Partido dos Animais, mas uma péssima notícia para o
país. O Banco de Portugal faz parte do Eurossistema, e o Eurossistema tem
como objectivo primordial definir e executar a política monetária do euro. Para
quem tem falta de memória, recordo que a opinião de Francisco Louçã sobre o
euro é esta: «O euro é destruidor de Portugal». E esta: «O
euro não tem salvação». Ora receio bem que isto não seja propriamente
fugir à “ortodoxia”. Isto é simplesmente não acreditar na missão fundamental
do banco que tem o dever de aconselhar. Faz tanto sentido quanto um vegetariano
comer todos os dias um bitoque ao almoço para “fugir à ortodoxia”. Um
homossexual dormir exclusivamente com mulheres para fugir à “ortodoxia”. Ou o
Papa Francisco passar a aconselhar o ayatollah Khamenei para fugir à “ortodoxia”.
Já
vi gente criticar a nomeação de Louçã pelo facto de ele não ter, ao
contrário do que se diz no comunicado do governo, qualquer «competência em
matérias empresariais” É verdade que não tem, mas esse está longe de ser o
principal problema. O problema, minhas senhoras e meus senhores, é que
Francisco Louçã não acredita no capitalismo. Está no seu inteiro
direito, como é óbvio, mas não acredita. E acreditar no capitalismo
deveria ser o mínimo dos mínimos para aconselhar o Banco de Portugal.
Eu sei que muitos olham para o Bloco e para o PCP como uns partidos cheios
de boas intenções e nenhumas consequências práticas. Mas eles têm
princípios e objectivos políticos. Leiam os estatutos do Bloco, se faz favor. Está
logo no artigo 1º:«O bloco de Esquerda é um movimento político de cidadãs e cidadãos
que (…) se comprometem (…) com a busca de alternativas ao capitalismo).
Francisco Louçã entregou o seu cartão de sócio da
agremiação e não avisou ninguém? Converteu-se ao capitalismo e não sabemos? Que
este é só mais um exemplo de que neste país vale tudo, porque ninguém leva
realmente a sério coisa nenhuma? Eu voto nesta última hipótese.
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