Cunhal não a impôs - a “democracia” - porque houve, tempos depois, um Eanes e ainda uns restos de tropas obedientes, com uma maioria
silenciosa a rosnar, em surdina assustada. Mas a maioria silenciosa deixou de
existir, embalada pelo doce marulhar das vozes que aparentemente lhe defendem a
côdea, atacando todos os que hipoteticamente lhes retiram ou sacaram a mesma
côdea e que convém eliminar, segundo um ideário que duzentos anos antes os
filósofos do iluminismo haviam ditado e que os do socialismo e do marxismo
convulsivamente esclareceram, para terem também entrada no bodo, carregados com
o conveniente ódio benfazejo, impeditivo de progresso, ou sequer de bem-estar,
mas não de conforto e bênção de mascarada. O peixe morre pela boca, diz-se, assim seremos nós,
bocas abertas ao cibo, sem repararmos que este está impregnado de veneno ou
vacuidade, com que nos despenharemos todos. Imparavelmente, pois que o próprio Eanes se lhes juntou, aos do cibo da mascarada, esquecido do respeito que jurara outrora pela sua pátria.
Diário de Vasco Pulido Valente
Uma
democracia “diferente”?
… hopes expire of a low dishonest decade… (W. H. Auden)
Uma parte da opinião ficou esta semana escandalizada e
até assustada com o ataque da Esquerda ao governador do Banco de Portugal,
Carlos Costa, e à Presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso,
com as proezas de um bando de idiotas numa universidade qualquer, que impediram
Jaime Nogueira Pinto de fazer uma conferência para que aliás fora convidado, e,
finalmente, com o veto do primeiro-ministro a Teresa Ter-Minassian, proposta
por Carlos Costa e pelo Tribunal de Contas para o Conselho de Finanças
Públicas.
Não há razão para surpresas. Esta aliança de “frente
popular” não se interessa por salvar ninguém da miséria ou por uma economia
paralisada e pobre. Logo do princípio o seu grande objectivo foi ocupar e
dominar o Estado, de maneira a nunca ser removida do poder. Uma política que
Marcelo, na sua natural ligeireza e esquecido como sempre de que é Presidente,
aprecia e jura que está de “pedra e cal” ou mesmo de “cimento armado” para
eterna felicidade dos portugueses.
Desde que emergiu das combinações torpes de 2015 o
governo só pensa, de facto, em alargar o Estado, revertendo as privatizações de
Passos (a TAP e os transportes urbanos, por exemplo), aumentando o
funcionalismo público e, agora, restaurando a sua progressão nas carreiras
(na prática sempre corporativa, paroquial e automática).
Claro que qualquer instituição independente é para
este benemérito regime uma provocação, seja o Conselho de Finanças ou a rede
ferroviária. Segundo Jorge Coelho, “quem se mete com o PS leva”. Carlos
Costa, Teodora Cardoso e outros réus de autonomia e liberdade própria vão agora
levar com um “organismo de cúpula” que os meta na ordem e force a não destoar
da mascarada estabelecida. Se a Geringonça durar acabaremos na “democracia
diferente”, em que um cidadão ande bem vigiado e em que o governo controle a
economia, como a que o dr. Cunhal nos preparava e, no “11 de Março”, esteve
quase a impor.
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