domingo, 19 de março de 2017

«Aqui é Portugal»



Falámos na nossa canção vencedora, na incompreensão por algo que eu situava na categoria de lixo, e a minha irmã e a nossa amiga igualmente não compreendiam o porquê da vitória nem sequer de ter chegado às finais. Mas leio no Público de 7/3 o texto de Miguel Esteves Cardoso e fico na dúvida sobre as nossas capacidades mentais e de análise musical, embora as notícias que leio na Internet sobre Salvador Sobral, como ex-consumidor de drogas e actualmente doente - que foi o que nos pareceu no festival - viessem confirmar os nossos comentários do domingo passado, a respeito da sua actuação insegura e estranha sob todos os aspectos. Eis o texto de MEC:
Crónica
O Salvador Sobral
7 de Março de 2017,
Não é de agora a alegria que tenho de ouvir a música de Salvador Sobral. Mas chegou a altura de partilhar esse prazer e esperar que ele atinja o público internacional que merece.
A voz límpida e aérea. Tem uma musicalidade irrequieta que se atreve a cantar por cima do canto. Canta como se toda a música dependesse dele. Cada canção é um tudo ou nada.
Convalescente e sem auscultadores depois de ter ganho o Festival da Canção com “Amar pelos dois”, uma canção bonita e subtil de Luísa Sobral (de quem é irmão), Salvador Sobral recusou-se a jogar pelo seguro e arriscou tudo mais uma vez, entregando a voz ao momento e ao público. o resultado, cantado com a irmã, sem artifícios ou automatismos, foi comovente, de tão bem conseguido.
Os grandes intérpretes conseguem partilhar emoções e, quando não as sentem, inventam-nas de maneira convincente. É ao partilhá-las através da empatia fascinada do público que começam deveras a senti-las e a torná-las cada vez mais íntimas.
Salvador Sobral é esse artista desde que o ouvi cantar pela primeira vez. Fez-me logo lembrar, pela sensibilidade e pela abertura musical, o jovem Frank Sinatra quando tinha a mesma dade.
Não é preciso acesso às gravações: basta vê-lo no You Tube em qualquer fase da carreira dele. Acompanhamo-la a apanhar as músicas e a torna-las dele e de quem as ouve. É maravilhoso ver como ele se surpreende com o próprio talento, deixando-se enlevar e levando-nos com ele.
Viva Salvador Sobral! Que nunca mais pare quieto.

E já agora a canção vencedora, em estilo de lamechice torpe, de linguagem própria dos primeiros anos de escolaridade - mas isso é apenas a opinião resultante da nossa caturrice domingueira, não queremos sobrepô-la à de Esteves Cardoso. Embora os nossos comentários sobre ele e as suas crónicas recentes no Público nos mereçam por vezes desaprovação, pelo comezinho das suas temáticas de cariz mundanamente fisiológico. Vejamos a canção, de pontuação - caricata - a condizer com o respectivo conteúdo
Amar pelos dois
Salvador Sobral
Se um dia alguém perguntar por mim
Diz que vivi para te amar
Antes de ti, só existi
Cansado e sem nada para dar
Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei que não se ama sozinho
Talvez devagarinho, possas voltar a aprender
Meu bem, ouve as minhas preces
Peço que regresses, que me voltes a querer
Eu sei, que não se ama sozinho
Talvez devagarinho, possas voltar a aprender
Se o teu coração não quiser ceder
Não sentir paixão, não quiser sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
O meu coração, pode amar pelos dois.
Pensando bem, a escolha da canção, por um povo entusiasmado e em tropelia, configura igualmente os atropelos que por cá se passam e que João Miguel Tavares tão expressivamente descreve, não há que fugir.
Leiamos tudo isto, embalados pelos eflúvios trémulos da nossa canção vencedora, sintamo-nos bem assentes em manicómio, e sem perspectivas de fuga:
OS TERRÍVEIS PRAZOS DA OPERAÇÃO MARQUÊS
João Miguel Tavares
Público, 7 de Março de 2017
Aquele senhor careca que apresenta o Isto É Matemática deveria dedicar um episódio do seu programa a estudar a correlação entre o número de vezes que um articulista se queixa da demora da Operação Marquês e o número de vezes que ele almoçou com José Sócrates entre 2005 e 2011.Desconfio que uns pingos de matemática e uns pós de jornalismo serão mais do que suficientes para descobrir uma fórmula que, a bem dizer, está à vista de todos: quanto mais paparocas, mais telefonemas e mais trocas de SMS tiverem existido com o antigo primeiro-ministro, mais artigos indignados com prazos, com mudanças na investigação e com fugas ao segredo de justiça terão sido paridos pelo articulista entre 2014 e 2017.
Embora eu não seja psicanalista, diria que no subconsciente dos articulistas e bloguistas que viveram tantos anos fascinados por José Sócrates há um desejo muito, muito grande, de que a acusação dê em nada, para dessa forma redimirem uma vasta quantidade de textos deploráveis que escreveram no passado - reler esses textos hoje em dia, aliás, é uma actividade muito instrutiva, que recomendo vivamente. Só um desejo intenso de catástrofe interrogativa pode justificar que alguém que acompanhe desde o início o noticiário da Operação Marquês, e tenha chegado agora aos excertos dos interrogatórios de Hélder Bataglia e Ricardo Salgado publicados pela revista Sábado, decida, depois de ler tudo isso, que o tema a necessitar de reflexão mais apurada são os prazos dilatados da investigação.
É patético. Além do tempo que a operação Marquês está a levar ser comum a muitos outros casos de corrupção, as razões para a demora estão à frente do nariz de toda a gente. Olhem para as notícias e para as movimentações do dinheiro. Estamos a falar de milhões de euros que passaram por Suíça, Angola, Panamá, Singapura, Baamas, Dubai. Quatro Continentes: Europa, Africa, Ásia, América. Pelos vistos, o dinheiro só não circulou pela Antártida e os únicos que escaparam ao envio das cartas rogatórias foram os pinguins.
Só para provar um caso de corrupção é preciso descobrir todos os nexos de causalidade, reconstruir a circulação do dinheiro, provar que o senhor X corrompeu o senhor Y na data Z por causa do negócio W, acham que isto se faz em quantos meses? É claro que a Operação Marquês já dura há muito tempo e que todos gostaríamos de ter uma justiça mais veloz. Mas em vez de gritarem com o Ministério Público, gritem com o Parlamento, porque são os políticos que fazem as leis que dificultam a condenação de políticos. Se querem investigações, a corrupção desta complexidade concluídas num ano e meio, há uma única opção: mudar as leis e tornar a prova do crime de corrupção mais fácil. Contudo aquilo que vejo é uma quantidade enorme de gente a cantar de galo e exigir três coisas em simultâneo: 1) que a corrupção seja combatida com afinco; 2) que as leis não se alterem (a delação premiada é um horror, o enriquecimento ilícito inverte o ónus da prova, e por aí fora); e 3) que os prazos que estão estabelecidos na lei passem de indicativos a efectivos, ao arrepio de toda a jurisprudência.
A seriedade desta tripla exigência é nula. E mais. Sempre que ouvirem alguém a querer tudo aquilo ao mesmo tempo, podem de imediato tirar uma de duas conclusões: ou essa pessoa não percebe nada de justiça, ou essa pessoa está-se realmente nas tintas para o combate à corrupção. É possível que os mais estúpidos e aldrabões acumulem.
VINTE E QUATRO PALERMAS E UM DIRECTOR MEDROSO
Público, 9 de Março de 2017
João Miguel Tavares
Comecemos por relativizar as coisas: foram 24 estudantes. Não foram 2400,nem 240.Foram 24. Vinte e quatro tontos que numa RGA na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas votaram favoravelmente uma moção que exigia o cancelamento da reserva da sala onde se iria realizara conferência de Jaime Nogueira Pinto. Como é que 24 pessoas conseguiram tal coisa numa faculdade que tem quase cinco mil alunos? Simples: participando numa RGA onde, pelos vistos, só havia membros da associação de estudantes e seus amigos. Como a inexistência de quorum não impede a tomada de decisões, 0,5% dos alunos da FCSH conseguiram desprestigiar uma faculdade inteira e inaugurar em Portugal a censura de esquerda nos meios universitários. Primeira lição a tirar deste caso: a deserção cívica é o primeiro passo para os extremistas imporem a sua lei.
Segunda lição a tirar deste caso: a luta pela liberdade de expressão é um dos combates mais sérios e necessários dos nossos dias. Aquilo que se está a fazer em nome de uma agenda progressista é promover o exercício da censura nos espaços que nasceram para estimular o debate intelectual livre. Ler a acta da RGA que impediu Nogueira Pinto de falar, o conteúdo da moção que aprova e a subsequente justificação da associação de estudantes é chocante, desde logo porque encaixa como uma luva na vergonhosa cultura dos trigger warnings e atenta contra a mais básica lição de John Stuart Mill: silenciar uma opinião é roubar a humanidade do seu mais valioso património, pois se essa opinião estiver errada perdemos uma oportunidade de denunciar a sua falsidade.
Numa das primeiras justificações que apresenta para a sua decisão censória, a associação de estudantes da FCSH afirmou esta coisa extraordinária: ”Por sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade do pensamento e o pensamento crítico são promovidos, não compactuamos com eventos apresentados como debate sob égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional.” Que é como quem diz: promovemos a liberdade de pensamento e de crítica desde que as pessoas pensem como nós. Ora ,estes estudantes, tão preocupados com o fascismo e com a “inconstitucionalidade” do grupo que promoveu a conferência de Jaime Nogueira Pinto, está a decalcar a argumentação inscrita na Constituição fascista de 1933.
Também ela garantia “a liberdade de expressão do pensamento sob qualquer forma”, exceptuando aqueles ”factores que desorientem contra a verdade, a justiça, a moral e o bem comum”. É por isso que extrema direita e extrema esquerda são duas faces de uma mesma moeda: uns gostam de Salazar, outros copiam os seus métodos.
Mas nada disto teria sido possível sem o lastimável papel do director da FCSH. Receoso de que o evento pudesse “ desviar-se para extremos que não interessam”, Francisco Caramelo deixou cair a conferência, prometendo que “chegará o momento em que a instituição, no quadro de um debate mais alargado, considerará oportuno” voltar a convidar Jaime Nogueira Pinto. Esta é a terceira lição a tirar do caso: à deserção cívica e ao desprezo pela liberdade de expressão junta-se a cobardia intelectual. É uma vergonha ver o director de uma faculdade portuguesa deixar espezinhar o direito ao debate livre e ao exercício da palavra para evitar empurrões e insultos. A liberdade na FESH está a ser vendida a um preço demasiado baixo.

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