sexta-feira, 31 de março de 2017

Quase que faz pena



Sabendo quanta disparidade existe entre os vencimentos - alguns tão extraordinariamente elevados num país de tão fracos recursos - caso de trabalhadores das televisões do entretenimento público, pese embora o seu esforço despendido nas muitas horas de movimentação e charme madrigalesco ou encantatório, para não falar nos valores astronómicos de gigantes da bola ou tantos outros que de vez em quando vêm à baila nas colunas sociais ou nas crónicas mexeriqueiras - a referência ao vencimento de reforma de um primeiro ministro - 2250 euros líquidos - parece-me perfeitamente mísera, direi mesmo obscena, e isso me faz justificar tantas das atitudes de deputados, de acumularem cargos e até mesmo as de Sócrates, embora as suas práticas fraudulentas sejam menos perdoáveis, tal como as de tantas outras figuras que a cada passo são trazidas à ribalta mediática do nosso gozo fofoqueiro.
Os dois artigos que seguem, de João Miguel Tavares, são bem esclarecedores dessas misérias que a ambição comporta - mais do que a placidez de uma “aurea mediocritas” clássica - naturalmente inferiorizada, nos tempos que correm, ante o esplendor das casas com piscina ou dos carros topo de gama e outras aparelhagens dos nossos conceitos burgueses de gozo ou felicidade.
Por isso, a exploração mediática desses escândalos neste nosso país soalheiro mas propício à penúria, desde tempos remotos, por desequilíbrios educacionais e sociais então, e agora igualmente, que já vamos tarde nas tentativas igualitárias - além de que os tais progressos técnicos fazem reduzir os empregos das gerações futuras e das já presentes, de forma assustadora - por natural que seja essa exploração mediática pelas pessoas honestas, não deixa de ser um triste sintoma de toda a nossa penúria, que faz que os “julgamentos” dos prevaricadores formem panorâmica monocórdica em campo de batalha exposta em círculo ou quadrado para educação das massas, távola redonda pouco dignificante, julgo eu, com cabeças a prémio e outras sordidezes de que estamos fartos, embora não na totalidade.

O COMUNICADO DA PGR EXPLICADO AOS PRÓ-SÓCRATES
João Miguel Tavares
Público, 18 de março de 2017
O comunicado da Procuradoria-Geral da República acerca dos prazos para a conclusão da Operação Marquês tem o mérito de esclarecer uma série de questões que têm sido desvalorizadas por todos aqueles que só descobriram em 2017 que a corrupção demora muito a investigar em Portugal. Vale a pena olhar com atenção para o que lá está escrito - citações de Joana Marques Vidal em itálico, (e a negrito)  comentários meus a redondo.
O Ministério Público já analisou suficientemente muita da prova recolhida, podendo efectuar um juízo sobre a mesma, uma vez que se encontra solidificada.
Tradução para os pró-socráticos: vai mesmo haver acusação. Porque é que não se fechou de uma vez o inquérito? Porque falta analisar a prova. Porque é que falta analisar a prova? Porque os dez magistrados do Ministério Público e os 22 inspectores tributários que estão dedicados à Operação Marquês já têm no conta quilómetros 2600 escutas aprovadas, 13.500 milhões de ficheiros informáticos analisados, 260 buscas efectuadas, 170 testemunhas escutadas e nove cartas rogatórias enviadas para diversos países. Há ainda a razão que se segue.
A investigação criminal é dinâmica e, à medida que o inquérito evoluía, os magistrados depararam-se com relações e factos com contornos de natureza criminal que, no início, não eram expectáveis. Não foram abandonadas as imputações iniciais mas o inquérito foi progredindo.
Esta é uma resposta directa à defesa de José Sócrates, que diz que o Ministério Público andou primeiro à procura de crimes no grupo Lena, como não encontrou passou para o Vale de Lobo, e de seguida para a PT.A procuradora-geral da República nega essa tese. Os crimes referidos no início do processo mantêm-se. Simplesmente juntaram-se outros no decorrer da investigação.
Até finais do ano passado, já tinham sido apreciados cerca de 350 requerimentos apresentados por arguidos e, no Tribunal da Relação de Lisboa, tinham dado entrada mais de 50 peças processuais relativas a recursos e outros incidentes suscitados pelas defesas.
A defesa de José Sócrates queixa-se muito da demora do processo ao mesmo tempo que contribui diariamente para ela, com um nível de litigância absurdo. Cada recurso apresentado por Sócrates exige uma resposta demorada do Ministério Público - e, tirando o famoso caso do recurso relatado pelo juiz Rui Rangel, todos os outros foram indeferidos. O PÚBLICO de ontem fazia as contas: a Relação já recebeu 33 recursos, a defesa vai em 13 multas por atrasos, e só em custas judiciais (sem contar com os honorários dos seus advogados), José Sócrates foi obrigado a desembolsar 17 mil euros. Tendo em conta que o seu único rendimento conhecido é uma subvenção vitalícia  de 3800 euros mensais (2250 líquidos), ele já investiu sete meses e meio de salário em recursos fracassados. Ninguém sabe qual será o Carlos Santos Silva de José Sócrates neste momento, mas o ponto principal é este: se o atraso na acusação é uma vergonha, Sócrates não se tem cansado de contribuir para a vergonha desse atraso.
O pedido de prorrogação do prazo concedido para a conclusão da investigação e da redacção do despacho final mostra-se justificado e deverá ser atendido.
A Procuradoria Geral da República fez o que tinha a fazer. José Sócrates e os seus defensores adorariam que o procurador geral da República ainda se chamasse Fernando Pinto Monteiro. Felizmente chama-se Joana Marques Vidal.

TENHAM VERGONHA, SENHORES DEPUTADOS
João Miguel Tavares
Público, 21 de Março de 2017
Na sexta-feira, no Jornal Económico, o jornalista Gustavo Sampaio publicou um artigo onde demonstra que alguns dos nossos deputados continuam a usufruir de privilégios eticamente inaceitáveis para compor o ordenado ao fim do mês. Mesmo num país exaurido e sobreendividado, persistem os pequenos truques e pequenas leis feitas à medida dos seus bolsos. Desde logo, o Estatuto dos Deputados admite o inadmissível: em Portugal, pode ser-se simultaneamente deputado da nação e trabalhar como advogado, consultor, administrador e até accionista de empresas que celebram contratos com entidades públicas. Só há uma restrição: os deputados não podem deter mais de 10% do seu capital social.
Como se já não bastasse este inconcebível estatuto, que é uma porta escancarada para todo o tipo de promiscuidade, Gustavo Sampaio ainda conseguiu encontrar oito deputados - quatro do PS e quatro do PSD, para a coisa ficar equilibrada - que nem essa modestíssima regra cumprem, e que ao mesmo tempo que circulam pelos corredores do parlamento detêm participações superiores a 10% em empresas que andam a assinar contratos com entidades públicas. Vale a pena analisar dois dos oito exemplos citados no artigo, para que se perceba a gravidade do que está em causa.
Comecemos por Renato Sampaio, do PS, um dos principais fiéis de José Sócrates, que no final de 2014 até fez questão de simbolicamente sair a meio do congresso do PS que consagrou António Costa para ir à prisão de Évora visitar o seu velho amigo. Segundo o Jornal Económico, a mulher de Renato Sampaio possui 15% da empresa Nuno Sampaio - Arquitecto Lda (à Renascença, o deputado garantiu que não são 15% mas 8%), estando os restantes 85% nas mãos do seu filho Nuno .Desde 2009, essa empresa obteve 15 contratos por ajuste directo com o Estado, num valor total de 716 mil euros. A tranche mais elevada  - 204 mil euros - foi contratada (por ajuste directo, claro) em 2010, à boleia do saudoso Parque Escolar, para elaboração do projecto de arquitectura de uma escola em Castelo de Paiva. Ah, como é bonito o amor paternal: o pai é deputado do PS; o filho ganha a vida a desenhar escolas públicas durante um governo do PS. Alguma incompatibilidade? Desde que o papá ou a mamã tenham menos de 10% da empresa do filho, nenhuma.
E agora passemos ao PSD, num caso tão ou mais problemático, pois envolve o seu líder parlamentar, Luís Montenegro. Montenegro deputa e advoga, como a lei permite, possuindo 50% do capital social da sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro(SP&M).
Ora, entre 2014 e 2017 a SP&M obteve seis contratos por ajuste directo com entidades públicas.
O valor dos contratos não é extraordinariamente elevado - 188 mil euros -, mas a sua origem é extraordinariamente escandalosa: quatro vieram da Câmara de Espinho e dois da Câmara de Vagos. Ora, não só se trata de duas câmaras PSD, como Luís Montenegro foi presidente da Assembleia Municipal de Espinho entre 2009 e 2013.
Quando questionado acerca destas pasmosas coincidências, Montenegro afirmou que o Estatuto de Deputados apenas veda participações acima dos 10% em empresas de comércio ou indústria, o que não abrange uma sociedade de advogados. Por isso, garante, está “100% seguro” de que não há qualquer incompatibilidade. Talvez não haja. Mas é 100% óbvio que deveria haver. Tenham vergonha, senhores deputados: legais ou ilegais, isto são negócios aviltantes, que desacreditam a democracia portuguesa.

quinta-feira, 30 de março de 2017

O Inimigo Público



É de lá que extraio (Público, de 17/3/17), com foto de Jorge Sampaio, o artigo «Opinião» “Por Jorge Sampaio”, seguido da epígrafe  «Eu, tipo, fartei-me das cenas do Santana, estão a ver?», que não só nos situa relativamente ao tema explorado - a justificação da demissão, pelo então PR Sampaio, de Santana Lopes do cargo de Primeiro Ministro, por alturas de 2004 - como relativamente a uma retórica burlescamente justificativa, na primeira pessoa, o narrador Sampaio recontando os factos de uma entrevista que dera anteriormente, sobre um livro onde os descrevera, e assumindo um papel de rapaz sem grande cabedal de letras, usando a gíria sintética e repetitiva da rapaziada malandra, que a ausência de discurso e a muita esperteza conduz em argumentos de solavancos justificativos, sem gramática nem coordenação, com informações pontilhistas intercaladas de chavões do calão e da escatologia, mas que resultou num artigo - assinado por VE - cheio de graça e oportunidade crítica sobre uma acção deselegante de Sampaio e a justificação desse, subjectiva, caprichosa, interesseira e ficticiamente responsável, os aspectos folclóricos das personagens - “tipo Topo Gigio estás a ver?” - bastando para se tomarem resoluções, neste país pouco sólido, as personagens e as suas razões reduzidas a uma dimensão nula.
 Um “prato!” pleno de humor, que vale a pena rever:

«Chegou a altura de ajustar contas com o passado e tal e José Pedro Castanheira foi tipo, porque é que eu demiti o Santana Lopes e tal. E eu não me fiquei e disse, man, eu fartei-me das coisas dele, estás a ver? Tipo aquela cena de ser escolhido para primeiro ministro pelo Barroso que fugiu lá para aquela coisa na Europa e depois a central de informação de benfas do Rui Gomes da Silva e depois o Henrique Monteiro ou o Henrique Chaves ou o Hugo Chaves ou lá como se chamava o “bro” (= “mano”, brother) e todas aquelas cenas maradas, estão a ver? Fartei-me, man. Tipo, saltou-me a tampa. É mais tipo, a mim não me comam as papas na cabeça, estás a ver? Foi, tipo, bardamerda para o gajo, topas. E depois conheci o José Sócrates e curti as cenas dele e foi tipo, man, gostei dele, estás a ver? Aquela cena das corridas de fato de treino e de trazer o Euro para Portugal com o Carlos Cruz e tal, estás a ver, o Carlos Cruz da Bota Botilde. Era, tipo, bué da nice. José Sócrates era tipo o Topo Gigio, topas? E então decidi-me, pronto. Fartei-me de um e enfiei o outro em São Bento, tipo, mais ou menos assim, estás a ver? Mas sempre tudo para manter o regular funcionamento das instituições e essas m… , estás a ver? Afinal, tipo eu era o presidente, eu é que mandava, LOL.  E agora fartei-me desta entrevista, e, tipo vou ver televisão que está na hora do gordo. VE

quarta-feira, 29 de março de 2017

In Memoriam




Enviou-me João Sena, com belíssimas imagens de um café PUSHKIN, tornado real pela inteligência grata dos homens, o texto que eu já conhecia, que me fez evocar aulas passadas em que “Et maintenant”, “Au revoir”, “L’Important c’est la rose” do mesmo cantor de "Nathalie" serviam de modelos temáticos e musicais, em envolvência de prazer com um Bécaud de voz e mensagens cativantes, no seu saudosismo e musicalidade como só encontrávamos nessa França desde sempre alimentadora espiritual do mundo. Por isso lhe acrescento o próprio texto “Nathalie” que, pelo seu conteúdo evocativo e de evasão amorosa, embora mais realista e moderno, me lembrou o “L’Invitation au voyage” de Baudelaire, que igualmente transcrevo.

Servirão de brinde em memória da minha mãe, cujos 110 anos passados anteontem, 27 de Março, me escaparam, mas que a Catarina recordou, como data preciosa específica de um ser amado a não ser nunca esquecido. E a homenagem ainda irá a tempo, no enquadramento do magnífico texto do email e dos poemas da evasão, ternura e fantasia saudosista. É lá que pairam, talvez, na intemporalidade, as almas benditas dos que muito amámos num tempo mensurável.

Subject: NATHALIE
NATHALIE  
Esta é uma daquelas histórias que daria um bom romance ou um excelente filme.
 Há mais de 50 anos, o lendário cantor francês Gilbert Bécaud visitou  Moscovo. Quando voltou a Paris,  escreveu a canção “Nathalie" e dedicou-a à sua guia russa.
A canção diz qualquer coisa como: " Caminhávamos à volta de Moscovo, visitando a Praça Vermelha e tu dizes-me que aprendeste coisas sobre Lenine e a Revolução, mas eu só desejava que estivéssemos no Café Pushkin, a olhar a neve lá fora, a beber chocolate quente e a falar sobre algo completamente diferente ... "
A canção tornou-se incrivelmente popular em França e, obviamente, todos os turistas franceses que iam a Moscovo tentavam encontrar o famoso" Café.
Mas nunca o conseguiram encontrar, uma vez que existia apenas como uma fantasia poética na canção de Bécaud .
 Mas em 1999, esta fantasia poética tornou-se realidade quando um artista franco- russo Andrei Dellos e Andrei Mákhov, abriram o  Café Pushkin numa mansão barroca histórica na Rua Tverskoy.
 E o mais fantástico desta história?
Bécaud , o cantor francês que inspirou tudo, cantou " Nathalie " na inauguração do restaurante.
Mas agora maravilhem-se com o interior e todos os pormenores deste café-restaurante absolutamente fantástico.
Vejam todos os detalhes no site  http://cafe-pushkin.ru/en/
Da nossa parte, apenas queremos brindar a todos os poetas cantores que nos inspiram!
Tchin-Tchin!

NATHALIE
Par Gilbert Bécaud
La place Rouge était vide
Devant moi marchait Nathalie
Il avait un joli nom, mon guide
Nathalie

La place Rouge était blanche
La neige faisait un tapis
Et je suivais par ce froid dimanche
Nathalie

Elle parlait en phrases sobres
De la révolution d'octobre
Je pensais déjà
Qu'après le tombeau de Lénine
On irait au café Pouchkine
Boire un chocolat

La place Rouge était vide
J'ai pris son bras, elle a souri
Il avait des cheveux blonds, mon guide
Nathalie, Nathalie...

Dans sa chambre à l'université
Une bande d'étudiants
L'attendait impatiemment
On a ri, on a beaucoup parlé
Ils voulaient tout savoir
Nathalie traduisait

Moscou, les plaines d'Ukraine
Et les Champs-Élysées
On a tout mélangé
Et l'on a chanté

Et puis ils ont débouché
En riant à l'avance
Du champagne de France
Et l'on a dansé

Et quand la chambre fut vide
Tous les amis étaient partis
Je suis resté seul avec mon guide
Nathalie

Plus question de phrases sobres
Ni de révolution d'octobre
On n'en était plus là
Fini le tombeau de Lénine
Le chocolat de chez Pouchkine
C'est, c'était loin déjà

Que ma vie me semble vide
Mais je sais qu'un jour à Paris
C'est moi qui lui servirai de guide
Nathalie, Nathalie

Charles BAUDELAIRE  (1821-1867)
L'invitation au voyage
Mon enfant, ma soeur,
Songe à la douceur
D'aller là-bas vivre ensemble !
Aimer à loisir,
Aimer et mourir
Au pays qui te ressemble !
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pour mon esprit ont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtres yeux,
Brillant à travers leurs larmes.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre ;
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre,
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale,
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde ;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
- Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or ;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière.

Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

terça-feira, 28 de março de 2017

“Que sais-je?”



Sendo João Miguel Tavares pessoa de gabarito mental e moral, como as sua crónicas deixam pressentir, neste artigo esforçou-se demais por querer parecer isento, irmanando os termos comunista e fascista em “farinha do mesmo saco”, em razão do extremismo ideológico de ambas as designações, que negam a tal igualdade de todos, nas questões da vida, da liberdade e da busca da felicidade como pede a Constituição americana.
Esqueceu-se de referir que a tal igualdade e liberdade devem estar coarctadas quando desrespeitam a liberdade alheia, ou seja, aquilo que sempre se papagueou nos começos da nossa explosão libertária em que se proclamava que “a minha liberdade acaba onde começa a do outro”, para ver se se incutia esse princípio como elemento repressor de excessos. Mas, é claro que ninguém observou o preceito, desatentos sempre aos princípios da razão e da educação, e daí as nossas “touradas” ao nível familiar e social que tanto se reflectem nas escolas e nas assembleias televisionadas do parlamento, como instrumentos salientes da nossa degradação cultural e ética, que igualmente os nossos lares denunciam, no aumento da criminalidade doméstica.
Poderá ter razão, João Miguel Tavares. Mas desta vez, o desejo de se irmanar com os do quadrante comunista, que estão em maioria, ou antes, para parecer perfeitamente isento, fê-lo utilizar uma designação onomástica que feriu pela arrogância pueril de quem condena «in limine» o governo do “Estado Novo”, na gratuitidade da designação senhor Oliveira - “a paixão pelo senhor Oliveira” é um facto. (A mesma má criação, aliás, que a de João Jardim referindo-se em tempos ao “Senhor Silva”). De facto, chamar “senhor Oliveira” a Salazar, não passa de uma grosseria agarotada e sem nível, que não assenta bem num articulista de pensamento geralmente ponderado, uma “rapaziada” irresponsável de um facciosismo extremista inesperado, que fecha os olhos a tantos aspectos relevantes da política arduamente construtiva de Oliveira Salazar. Indesculpável. E indigno de si.

SER FASCISTA EM PORTUGAL
João Miguel Tavares
Publico, terça-feira, 14 de Março de 2017

É muito fácil ser fascista em Portugal. Eu ,por exemplo, sou fascista várias vezes por semana nas caixas de comentários do Facebook.
A grande vitória da extrema-esquerda portuguesa foi ter conseguido que a palavra “fascista” fosse um insulto, e a palavra “comunista”, não. No entanto, qualquer pessoa que tenha lido dois livros de História, ame a liberdade e acredite nas primeiras palavras da Declaração de Independência americana- “consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais” e que entre os seus “direitos inalienáveis” estão “a vida, a liberdade e a procura da felicidade”-, não pode senão proclamar ao mundo, e aos portugueses de ouvido duro, que fascistas e comunistas são farinha do mesmo saco liberal, e dois extremismos igualmente desprezíveis. Tristemente, pelas razões históricas conhecidas, a constituição portuguesa não trata o fascismo e o comunismo da mesma forma. A palavra “fascista” aparece três vezes, a palavra “comunista” nenhuma, e a palavra “socialista” uma só vez, no famoso preambulo que propõe ainda hoje que o país abra “caminho para uma sociedade socialista”.
Como não se cansaram de nos relembrar aqueles que tentaram impedir Jaime Nogueira Pinto de falar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, só a ideologia fascista está proibida de se organizar em Portugal. No artigo 46º da Constituição , dedicado À liberdade de associação, é dito no ponto 4 que “não são consentidas organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. No entanto, aqueles que aparecerem a tentar justificar o injustificável com a Constituição na mão esquerda e as convicções ideológicas da nova Portugalidade na mão direita, esqueceram-se deste pormenor: para alguém ser fascista não basta gritar “fascista!” à sua passagem, e até o PNR é legal e concorre às eleições em Portugal.
Como é que se explica esta estranha coisa? É simples: se, por um lado, é muito fácil ser fascista em Portugal, a verdade é que em Portugal ninguém quer ser fascista. O PNR não se declara fascista, mas sim um partido nacionalista. E a Nova Portugalidade renega a palavra e a ideologia - ela considera-se apenas um movimento patriota.
Quem, como eu, considerou uma vergonha a atitude da associação de estudantes e da direcção da FCSH, teve direito a receber uma fotografia do principal mentor da conferência, o jovem Rafael Pinto Borges, ajoelhado no cemitério diante do túmulo de Salazar, ao qual havia levado (palavras do próprio no Facebook), “as suas flores prediletas”. No início ainda pensei que fosse a gozar, mas parece que é a sério. O rapaz peregrina em Santa Comba.
Ainda que o Rafael de Nova Portugalidade tenha declarado afastar-se de alguns aspectos menos bons do Estado Novo (como matar pessoas pelas suas opiniões, e tal), a paixão pelo senhor Oliveira é um facto.” O horror!, o horror!”, gritou a nossa esquerda. Certo. Mas convém não ficar por aí. Se Rafael se ajoelha perante o túmulo de Salazar, quantos se ajoelharam perante Fidel Castro após a sua morte? É que eu ouvi a mesma conversa, sem tirar nem pôr: a revolução cubana teve aspectos menos bons (como matar pessoas pelas suas opiniões, e tal),mas nada apaga a grandeza de Fidel. Poupem-me. Fidel e Salazar. Francisco Louçã e Jaime Nogueira Pinto. Rafael Pinto Borges e Miguel Tiago. Em verdade vos digo: enquanto as convicções de uns continuarem a ser consideradas moralmente superiores às dos outros, nunca seremos uma democracia a sério.