Acho que foi o que fez Sá de Miranda depois de
considerar que
Homem
dum só parecer,
D'um só rosto, uma só fé,
D’antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
D'um só rosto, uma só fé,
D’antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas
de corte homem não é.
Na
sua quinta da Tapada, Sá de Miranda colhia ar puro e lia o Sannazaro e mais uns
quantos clássicos que condiziam melhor com os seus interesses intelectuais,
apreciadores de uma dourada mediania dispensadora das presunções
mundanas, mais centrados aqueles nos valores literários.
Parece
que António Domingues, que João Miguel Tavares preza, também
prefere descansar das lides, fazer pesca e leituras mais do foro económico ou
filosófico, li na Internet. João Miguel Tavares acha-o bom, porque o ouviu e
deve conhecê-lo. E cita um outro caso, de um prodígio desfeito na senda emaranhada da
nossa corte de agora. Zeinal Bava se chama, génio desaproveitado
ou corrompido por alguém da nossa corte actual, foco de corrupção e de lamber
de botas num compadrio eficaz, de enganos muitos, de inveja e intriga, como já
era no antigamente do mesmo nosso “bom Sá”:
Quem
joga onde engano vai,
Em vão corre, e torna atrás,
Em vão sobre a face cai.·'
Mal hajam as manhas más'
Em vão corre, e torna atrás,
Em vão sobre a face cai.·'
Mal hajam as manhas más'
D
'onde tanto dano sai!
Pecha
antiga, pois. O que vale é que há sempre alguém, educado noutros preceitos, que
pode ajudar a modificar o status. João Miguel Tavares pode ser um deles, oxalá
que a presente “corte” o não mude nunca. Para bem da nação.
Um bocadinho excelente demais
Quem viu a solidez, frontalidade e bons modos de
António Domingues no Parlamento não pôde deixar de concluir que ele foi uma
excelente escolha para a Caixa.
João Miguel Tavares
5 de Janeiro de 2017, 5:56
Passei
metade do dia de ontem a assistir à audição de António Domingues no Parlamento e
fiquei ainda mais convencido de que a verdadeira razão para a sua saída é uma e
só uma: António Domingues padece de excesso de profissionalismo. É como
aquelas pessoas que vão a uma entrevista de emprego e descobrem que têm
demasiadas habilitações para o lugar. Nalguns países, muito profissionalismo
é óptimo. Em Portugal, é uma maleita, sobretudo quando se trabalha para o
Estado ou em áreas onde a interacção com o Estado é muito forte. Um gestor que
queira ser apenas gestor – ou seja, criar o máximo de valor para o seu
accionista a partir dos recursos que tem à disposição, com independência e sem
outras pressões que não os resultados financeiros – não vai longe.
Está
na moda dizer mal do capitalismo. Só que o problema de Portugal é
a falta de verdadeiro capitalismo. Falta gente que queira ganhar dinheiro
concorrendo num mercado livre, através de decisões racionais e recursos
privados. O que existe em Portugal é o capitalismo de compadrio – gente
que quer ganhar dinheiro manipulando um mercado controlado, através de favores
de amigos e recursos públicos. Estava a ouvir António Domingues e a
lembrar-me do tempo em que Zeinal Bava era o jovem prodígio da PT,
eleito melhor CEO da Europa no sector das telecomunicações em 2010 e em 2012.
Não foram distinções injustas. Zeinal Bava era realmente bom. Ele fez um
trabalho extraordinário na expansão do cabo, sempre a liderar na inovação
tecnológica, e foi uma peça fulcral na construção do império que haveria de o
engolir. “Portugal também pode ter o seu Sillicon Valley”, dizia então
Zeinal, cheio de sonhos. Só que em vez de Sillicon Valley encontrou Ricardo
Salgado. E a conclusão óbvia a tirar seria esta: Zeinal escolheu mal; em
vez de se manter um gestor honesto e competente, optou por juntar-se ao lado
negro da Força. Conclusão óbvia, mas errada. O dilema fundamental é bem
mais grave do que esse. É saber se ele poderia algum dia ter feito a escolha
certa e continuar a ser Zeinal Bava, o CEO da PT. A minha desolada
resposta é: não, não podia. Não era possível estar à mesa dos grandes sem
seguir as suas regras. Ninguém podia sonhar com um Sillicon Valley português e
ignorar Ricardo Salgado.
Fast-forward
para 2016: António Domingues achou que podia estar à mesa dos grandes na Caixa
Geral de Depósitos e seguir novas regras. Afinal, depois da intervenção da troika,
Portugal teve de mudar alguma coisa. Há mais vigilância e supervisão, logo,
exige-se mais profissionalismo. Mas mudar alguma coisa não é mudar tudo. Aquilo
que aconteceu na CGD, como bem resumiu José Gomes Ferreira, foi um “choque de
culturas de gestão”. A entrada de Domingues “assustou a classe política”. E
como disse Pedro Santana Lopes na SIC, ao lado de António Vitorino (o yin e o
yang do statu quo), já era hora de Domingues “desamparar a loja”. A loja,
bem-entendido, dos seus velhos amigos, que estavam a entrar em pânico com as
reavaliações de activos e a nova política de acesso aos créditos de risco. É
essa loja que Domingues teve de desamparar. Havia demasiado cheiro a
independência no ar. E “a vida” – sábias palavras de Mário Centeno – “é o que
é”. Pois é. Quem viu a solidez, frontalidade e bons modos de António Domingues
no Parlamento não pôde deixar de concluir que ele foi uma excelente escolha
para a Caixa. Infelizmente, no país que temos, foi uma escolha um
bocadinho excelente demais.
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