Só tenho pena que não se tenha manifestado por cá, antes, contra
o Acordo Ortográfico da nossa idiotia. Porque a sua resposta ao escritor brasileiro Pedro
Maciel, é bem prova da sua inteligência que ficou soterrada em entrevista,
aqui, ao que parece, desconhecida, e só revelada post mortem na Folha de S.
Paulo, segundo explica Nuno Pacheco.
Mais um formidável libelo acusatório de Nuno Pacheco
contra os fautores do AO, ocultos por trás de quem os apoia, sem pinta
de vergonha da sua opacidade, que o cronista não se constrange de
denegrir, com toda a força da sua sabedoria linguística, atido ao provérbio da “Água
mole”. Que Deus o proteja e nos proteja, com as suas lições magistrais sobre a
língua, que os da ciência do facilitismo atrevido nem sequer, talvez, se
disponham a ler, feridos nos seus pruridos académicos, feitos de ignorância, com o
acompanhamento oportunista e arrogante,
àquela especificamente associado.
Quanto a Mário Soares, se não defendeu a sua língua por cá, quando
devia, provavelmente vencido pelos da idiotia, a sua frase a Pedro Maciel é bem
prova da sua inteligência de bon vivant que, porque morreu e é
respeitado, talvez influa agora sobre os que têm por missão defender e orientar
o país com respeito.
Que o espírito de Mário
Soares interceda por nós, lá no Além, apesar das suas fracas relações com o
Divino, lançando para a categoria de lixo o AO89.
Acordemos, para desacordar de vez
Que se cheguem à frente defensores e detractores do acordo,
porque já chega de conciliábulos mornos. Que volte tudo à mesa
Nuno Pacheco
19 de Janeiro de 2017
Neste
Janeiro pleno de sol, eis que regressam as acaloradas discussões sobre a Língua
Portuguesa. Voltou à RTP, na passada terça-feira, o magazine Cuidado com a Língua!; foi
lançado um novo livro do tradutor, revisor e professor Marco Neves intitulado A Incrível História Secreta da Língua
Portuguesa (Guerra & Paz); e o PEN Clube promoveu no Goethe
Institut, em Lisboa, no dia 9 de Janeiro, mais um debate sobre o acordo
ortográfico (AO90). Aliás, é este último que mais promete dar que falar, com o
anunciado "aperfeiçoamento" que a Academia de Ciências de Lisboa
prepara e de que já foram surgindo alguns tópicos: regresso à diferenciação
de "óptico-ótico" e de "pára-para", clarificação
do uso dos hífens, reposição de consoantes ditas mudas (pelo menos as que
permanecem no Brasil, caso de recepção-receção); ou revisão do uso dos sufixos pan-
e com-. Haverá conciliação? Arriscando uma metáfora marítima, esta
tentativa de "aperfeiçoamento" arrisca-se a ser vista por uns como um
inadmissível rombo no navio, e por outros como o lançamento de bóias de
ferro aos náufragos.
Recordando
os alertas dos saudosos José Pedro Machado e Vasco Graça Moura, entre tantos
outros que se cansaram de argumentar contra os perigos do "monstro"
que aí vinha, é possível olhar para a tentativa da AC como a confirmação clara
de um falhanço: se o AO precisa de emendas, e não serão poucas, nunca devia ter
entrado em vigor no estado em que está. Os que lamentam a sorte das
"pobres criancinhas" caso haja agora mudanças, deviam ter pensado na
quantidade de disparates que as obrigaram a aprender para agora, aos poucos,
terem de os desaprender. É por isso que os fautores do acordo não querem
mudar uma só vírgula: para não ajudarem a sublinhar a sua incompetência.
É,
pois, tempo de deixar a habitual lassidão portuguesa e enfrentar o problema.
Que se cheguem à frente defensores e detractores do acordo, porque já chega de
conciliábulos mornos. Que volte tudo à mesa, para que, "remendando"
o AO ou deitando-o fora, não haja mais escolhas impensadas, baseadas em
panaceias há muito desmentidas. É curioso que um defensor do AO
(considerando-o, ainda hoje, "obra meritória", que "já não pode
ser denunciado por Portugal, como país digno"), D’Silvas Filho, tenha
publicado há dias no seu blogue e no Pórtico da Língua Portuguesa um
texto onde condena, nos vocabulários ortográficos, "a sanha
contra as consoantes não articuladas" por uma "obsessão no
simplificacionismo. A língua é um complexo que traz consigo a herança de
muitas gerações de falantes que a foram aperfeiçoando na comunicação. A
língua é mais do que ortografia, mas esta tem interferência na linguagem, por
exemplo, nos retornos sobre a fonia. Só se deve alterar a ortografia
com pinças, com ciência, senão a fluidez da comunicação intergerações e o
encanto das virtualidades da língua podem perder-se." Foi isto que foi
feito com o AO90? Só um lunático responderá pela afirmativa.
Apesar
da vã retórica, nenhum benefício foi ainda mostrado como resultante da
imposição das regras do AO90. O silêncio dá jeito, porque encobre
todo o tipo de más opções e desvarios. Mas na língua não há silêncios. Ela
rodeia-nos a toda a hora, falada, escrita, viva, múltipla. Um exemplo: numa
extensa entrevista que o escritor brasileiro
Pedro Maciel fez a Mário Soares e que permaneceu inédita até a Folha
de S. Paulo a publicar postumamente, no dia 9, a última questão foi sobre a
língua. Perguntou Pedro Maciel: "Não é uma bobagem a reforma ortográfica
da língua portuguesa, já que a língua é um organismo vivo, dinâmico e muda-se
conforme as novas gerações?" Respondeu Mário Soares: "O que é
admirável na nossa comunidade é a variedade, a riqueza e as diferentes
contradições. Os brasileiros têm locuções, maneiras de escrever e de falar
diferente dos portugueses que enriquecem extraordinariamente a nossa língua, da
mesma forma que os africanos e os portugueses. Cada um dá o seu tributo. Eu não
sou um grande purista da língua e acho que as línguas são organismos vivos e
são os povos que fazem as línguas. Não sou pela uniformização, mas pela
variedade e pela diversidade dentro de uma unidade."
Que
siga a discussão.
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