Maria João Avillez é uma daquelas figuras
“incontornáveis” (para usar um qualificativo tão dos requebros linguísticos dos
nossos tempos, sucessivamente ou
alternadamente de requebros e repúdios, segundo os ventos sopram das nossas
preferências emotivas ou tão só linguísticas, a valorizarem a nossa
actualização vocabular, feita de modas, como os trajes. É uma figura de rigor
intelectual, educação e frontalidade, que muito admiro e gosto de ouvir e ler,
embora raramente isso aconteça, pois ainda não acertei com os seus “locais de
trabalho”. Hoje encontrei-a no Observador, numa crónica sobre o
texto tão decantado de Silva Peneda que igualmente transcrevo, para
melhor justificar os argumentos de sugestão sarcástica de Maria João, Peneda
que já igualmente João Miguel Tavares tinha condenado, em crónica anterior.
Não preciso de comentar o texto de Maria João
Avillez, defendendo Passos e revelando as ilusões em torno de uma economia
nacional resvalando na ribanceira, em perspectiva de trambolhão, sempre adiado e dissimulado em
sorrisos e afirmações ministeriais mais ou menos provocatórias de trapezista
fanfarrão. Oxalá que não, que o trambolhão não acuda. Mas a carta do Peneda
é realmente um mimo de estultícia paternalista, de um pobre mestre medíocre a
um aluno encartado. A ver se pega. Ao que se chegou na mendicância, sob a capa
protectora do didactismo moral! E assim continuamos. Gouvarinhando, grotescos,
e sem tanta roupa lavada, que já não nos restam condes, ou respeitadoramente
assumindo os convenientes pareceres ditados pelo partido no poder, conselheiros
Acácios da nossa imutabilidade opaca e pasmada.
O
diabo é o Peneda
Observador, 20/1/2017
1. Tudo tão previsível. Atamancava-se
um acordo, contava-se com a sempre afectuosa cumplicidade de Belém, montava-se
um cerco chamado TSU ao PSD e evocava-se a “concertação” , talvez a pátria,
certamente o interesse nacional. Depois a media ampliaria tudo isto, dividindo,
adulterando, elegendo os “bons”, decretando os “maus” e alugando figurantes
para o coro do cerco.
Como
o Peneda, sempre ele. Lembra-me o Torres que jogava no Benfica e, com a
sua alta estatura, evitava de cabeça que as bolas furassem a baliza encarnada.
Era “o Torres, sempre ele”. Hoje também é “o Peneda, sempre ele”, mas ao
contrário: sem cabeça e a meter golos na própria baliza. Um diabo, embora pobre.
2. O outro diabo, que é óptimo,
aprecia estas tensões e é exímio debaixo de fogo, saiu por cima. Queriam-no
vestido com a farda de contínuo de um frete político, deplorável equívoco a
somar a outros, mas isso é a ficção onde vive enrolada a geringonça.
O
mais pasmoso são porém duas coisas: primeiro o fingimento. Um acordo político,
falsamente vendido como negociado (?), pretensamente já fechado (?) e
supostamente abençoado do alto. E depois a arrogante convicção — nunca sequer maculada
pela dúvida — de que era só Passos Coelho assinar de cruz esta trapalhada que
“agradaria aos patrões” e pronto, rumava-se até ao próximo episódio. Isto é, à
próxima pirueta, ao próximo equívoco.
Sobre
os patrões, já agora convém lembrar que não comovem especialmente: alguém os
viu aflitos, constrangidos ou sonoramente discordantes da geringonça? Não. Um
dia estão com a AD de Passos e Portas, no outro, o que lá vai, lá vai: a vida
continua com socialistas e comunistas, porque não? Desde que tenham, de cada
vez, o número do telemóvel do ministro das Finanças no bolso, e o chapéu de
chuva do Estado, tudo segue. A quem infundem eles respeito, a quem surgem como
espelho de uma elite sólida e substancial? Quem os considera com um grupo
coeso, com norte e critério? Quase ninguém (há excepções, já sei, há sempre,
são as que confirmam a regra).
Mais
porém que chorar sobre o leite sempre derramado dos “patrões”, mais que
detalhar a bondade deste suposto acordo de “concertação” para baixar a TSU a
única coisa que interessa focar nesta história é que a realidade ultrapassou
a ficção: o PS achou mesmo, achou a sério, que podia dispor
(descartavelmente, claro), do apoio do maior partido da oposição. Sem consulta
prévia ou sequer pré-aviso político. Do pé para a mão e como coisa natural,
recomendável e verosímil de fazer em política. A ninguém acudiu a necessidade
ou a utilidade políticas de conversa alguma entre ambos os partidos, as suas
direcções ou os seus líderes.
No
atabalhoamento em que vive, dividido e com futuro a prazo, o PS achou – oh
maravilha reveladora – que tinha o PSD no bolso, não é verdade que o tema da
TSU até lhes tinha sido caro e que acalentaram aplicar mesma medida? Era e não
era, mas não sei o que mais surpreende neste falhanço: se o que ele revela
politicamente do comportamento e do estado de espírito dos socialistas; se o
facto de ninguém (aparentemente, pelo menos) de entre esse grande contingente
que é o PS se afligir com o estado das coisas vigente. Pelo contrário.
3. Eis algumas dessas coisas: a alta das
taxas de juro, por exemplo. Li que Ferro Rodrigues considera (santo Deus)
que a governação, o país, a geringonça, o PS e as muletas radicais do
Executivo, nada tinham ver como este galope. Nada? Nada: as culpas são
alheias e externas, claro está. Sendo certo que poderá haver causas exteriores,
falta confessar – e assumir – o resto que é muito: fosse a governação dona de
melhores e mais avisadas escolhas em vez de obsessivamente reverter toda a
herança recebida, começando aliás por delapidá-la, e as taxas de juro não
exibiriam agora os algarismos assustadores que aí estão. De resto lembro aqui o
exemplo da Espanha (podia dar outros na Europa), onde as taxas de juro não
sobem e o investimento é (escandalosamente!) maior.
O
pior é que muito provavelmente todos os “eles” responsáveis por este grande
espectáculo de felicidade a crédito que é o nosso acreditam que Ferro sabe
do que fala e tem razão no que diz.
O
caso do IVA da restauração e da sua muito considerável descida para 13%
também dá que pensar na sua flagrante previsibilidade. É que os resultados
não coincidem hoje com a vozearia unânime que reclamava ontem tal medida, como
garantia potenciadora de magníficos resultados no emprego. Segundo um
responsável pela restauração, a mudança operada deu “oxigénio” (?) às empresas
e serviu “para contratar um ou outro trabalhador”. Um ou outro, repare-se. É
dizer do modo como essas mesmíssimas empresas têm vindo a utilizar o novo
“oxigénio”.
E
as capitações efectuadas pelo Governo? Os números que as contabilizam
deixam qualquer um sem palavras. Outro truque mas este mete respeito. E agora?
Como compensar – como e quando – os destinatários naturais daquele dinheiro?
Alguém
tem ido aos hospitais? A comunicação social não com certeza. As
exaltadas acusações a Paulo Macedo de que estamos todos bem lembrados e o afã,
totalmente inverosímil de resto, em fazer dele o “assassino” do Serviço
Nacional de Saúde desaguou agora num silêncio domesticado e num (muito)
conveniente alheamento da questão. Pura e simplesmente ela deixou de existir.
Os hospitais devem fortunas aos fornecedores? Há serviços que não estão a
corresponder? Existem “urgências” entupidas ou paralisadas devido ao fecho de
alguns centros de saúde? Listas de espera humilhantes para cirurgias? Má orientação
e deficiente organização? Gastos a subir e qualidade a baixar? Paciência.
Deixaram de ser notícia. Logo, “não existem”. Mesmo que o Governo ande a toda a
hora com a palavra “justiça” na boca. (Para quem?)
4. E finalmente: o investimento. Não
há. Continua a não “se” confiar. O país não “apetece”, os protagonistas da sua
condução política parece que também nem apetecem nem cativam os investidores.
Sem investimento substancial a ameaça de uma economia anã é cada vez mais real
e realmente assustadora.
Esperam-se
mais truques. De alguma coisa a geringonça se há-de alimentar para sobreviver.
Mas
não tem importância. Há “serenidade”, garantida pelo estonteantemente pouco
sereno Presidente da República.
5. É verdade e é vox populi (dita
embora em tom baixo, como aqueles que mentem nas sondagens) que Passos Coelho
não se saiu mal da empreitada da TSU. O PSD adorou vê-lo, a bancada
rejubilou e seguiu-o, e os portugueses que mentem nas sondagens, tomaram boa
nota. A questão desta “vitória” é interessante pelas outras que abre e desde
logo a de saber o que fazer politicamente com ela.
Não
basta ter todos os dias um bocadinho de razão a mais do que na véspera.
A tal carta de Peneda
Carta aberta de Silva Peneda a
Passos Coelho: “Mude de opinião”
O
antigo ministro do Emprego e da Segurança Social enviou uma carta aberta ao
líder do PSD a propósito da TSU. Votar contra "fere gravemente a
identidade" do partido, diz.
José
Albino da Silva Peneda escreveu ao líder do PSD, reafirmando a opinião de que
não quer que Pedro Passos Coelho chumbe no Parlamento a redução da taxa das
empresas à Segurança Social. “Apelo a V.Ex.ª [Pedro Passos Coelho] para que
mude de opinião”, realça.
“Tenho
muita dificuldade em aceitar que, de forma direta e objetiva, o meu partido
vote ao lado de forças políticas que nunca valorizaram a Concertação Social,
nem o diálogo entre as partes”, afirmou, numa carta publicada no “Diário de
Notícias”, esta terça-feira.
O
ex-Presidente do Conselho Económico e Social refere, no mesmo texto, que
admite que o Governo tenha “agido com ligeireza” na questão da concertação
social e que não tenha confirmado se reunia todas as condições para assinar o
acordo, mas a sua maior crítica dirige-se ao presidente dos sociais-democratas:
“A
decisão anunciada por V.Ex.ª de que o grupo parlamentar do PSD votará contra um
dos pontos do acordo celebrado em sede de concertação social fere muito
gravemente a identidade do PSD e atenta contra o seu património”, começa por
dizer ao ex-primeiro-ministro.
Enfatizando
a base de apoio do partido, o contexto do seu nascimento e os valores pelos
quais se rege, José Albino da Silva Peneda garante que “o PSD, como partido
interclassista que é, sempre entendeu que as melhores soluções para os
problemas do país devem ser estudadas, analisadas, discutidas e decididas
atendendo aos diversos interesses envolvidos”.
Na
sua perspetiva, a concertação social é “património” dos sociais-democratas,
pelo que a decisão da redução da Taxa Social Única pode ferir a “identidade” do
PSD, que “só foi um partido de roturas quando sentiu que algum dos seus valores
fundamentais se encontrava ameaçado”.
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