segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Evolução por cá

Um artigo de Alberto Gonçalves sobre a evolução do governo de António Costa, cuja aliança com a esquerda, jamais sonhada até há pouco, se traduziu no acordo orçamental talvez nefasto, pelas exigências que Bruxelas, não convencida da sua eficácia na adopção de medidas que o farão derrapar, não deixará de fazer, aniquilando-o. E essa perspectiva de terceiro mundismo, simboliza-o numa mulher tão falada em tempos pela energia bombástica do seu ódio ao regime de Salazar e que, na citação do articulista escreve um certo discurso de anedota, pela incongruência de observações  tão desprovidas de senso como de clareza discursiva. Isabel do Carmo se chama, fêmea portuguesa que foi bombista e prisioneira, mas condecorada por Jorge Sampaio, segundo leio na Internet, portanto auxiliar de todos os machos portugueses que, não se atrevendo a lançar a bomba do derrube, admiraram e admiram a mulher que se atreveu, e por isso hoje está ainda mais na berra do que ontem, apesar da condecoração sampaísta, agora que Costa alinhou com todas elas e todos eles – os da linha terceiro-mundista, segundo opinião de Alberto Gonçalves.
O artigo seguinte é sobre o atrevido cartaz do BE, defendendo a adopção de filhos por casais de homossexuais com a asserção de que Jesus também teve dois pais. Espécie de Charlie Hebdo às avessas, troçando do seu próprio povo que dizem defender na fome, mas de que não se importam de troçar na crença, sabendo que daí não vem bomba que lhes preste. Ou talvez eles e elas próprios já estejam abaixando-se às imposições de fanatismos mais bombásticos que por aí estão a chegar…

Isabel do Carmo e a realidade alternativa
Alberto Gonçalves
DN, 28/2/16
E quando metade da população andava convencidíssima de que em última instância o PS  nunca estabeleceria uma  aliança com os partidos comunistas? Parece que foi há décadas. Mas foi há quatro ou cinco meses, e hoje já quase ninguém se lembra de que os socialistas nem sempre foram uma filial, ou o braço político, de PCP e BE. Em Fevereiro de 2016, a extrema-esquerda aprovou em coro o Orçamento do Estado e, para efeitos práticos, assinou a nossa candidatura de adesão ao Terceiro Mundo. O dr. Costa comemora o sucesso das "alternativas".
Toda a gente dissecou o sem dúvida relevante acontecimento, uns com natural horror face ao desastre iminente, outros com o entusiasmo próprio dos ingénuos, dos fanáticos ou dos beneficiados. Por mim, não nego que o, até ver, maior indicador da loucura a que descemos mereça cada comentário. Apenas prefiro, se me dão licença, procurar essa toleima colectiva nas pequeninas coisas. Um artigo de Isabel do Carmo no Público, por exemplo.
O artigo em questão intitula-se "Impostos e gordura" e, desde que o li na quarta-feira, vem sendo, para citar a péssima literatura, uma fonte de perpétua descoberta. Raramente tão poucas linhas chegaram para arrasar as teses alusivas à evolução da espécie. Aliás, a fundadora das Brigadas Revolucionárias é especialista em esbanjar teses que mostram o atraso do espécime (notaram o espectacular trocadilho?). Ei-las.
A dona Isabel começa por louvar os "estados sociais" europeus do pós-Segunda Guerra, que nos anos 1970 ela combatia a título gracioso e de modo explosivo. Infelizmente, depois vieram Thatcher, Reagan e as trevas, traduzidas em fenómenos inéditos como o "desemprego", a "pobreza" e a "ansiedade das pessoas". A própria União Europeia, imagine-se, aderiu à moda e, em lugar dos seres humanos, desatou a servir as "mercadorias" (açúcar mascavado, torradeiras e assim, presumo). Daqui, cerca de 1980, a dona Isabel salta repentinamente para o "governo austeritário", que nós supomos ser o do PSD-CDS e que ela tem a certeza de que "tirou aos pobres e remediados" para dar a "um poder mundial sem rosto". Isto em nome dos "juros da "dívida"" e para "diminuir o "défice"", conceitos que a dona Isabel põe entre aspas, talvez por duvidar da respectiva existência, talvez para conter a sua influência nefasta.
De súbito, novo salto, agora para o governo actual, que segundo a senhora é amigo dos funcionários públicos, dos "reformados e pensionistas" (evitem a risota, por favor), da "Ciência" e do "Ensino Superior", com maiúscula e tudo. Além disso, é danado para a banca, os automóveis, o álcool e o tabaco, desgraças que se Deus e o dr. Costa quiserem hão-de estar por um fio. Em matéria de políticas evangélicas, a dona Isabel só lamenta a falta de "taxação sobre as bebidas açucaradas", visto que a imbecilidade das massas não "vai lá com "educação"": "vai-se com legislação". E o espancamento dos infratores, sugiro.
O que importa, porém, é que o governo é generoso, e que a generosidade é tamanha que lhe vale a "perseguição de Bruxelas" e a perseguição dos mercados, os quais sobem os juros "só para assustar" (juro). Para cúmulo, "alguma comunicação social portuguesa" abusa da liberdade de expressão e "age como inimiga declarada do governo" em vez de responsavelmente o bajular. Bandidos!
A dona Isabel podia perfeitamente despedir-se nesta fase do texto, demonstrados que ficaram os seus conhecimentos de História, Economia, Moral e Psiquiatria (na óptica do utilizador). Não o faz, e ainda bem, dado ter acrescentado a teoria que é um autêntico salto quântico do pensamento (na óptica do não utilizador): "O neoliberalismo tem-se relacionado com o aumento da obesidade." Prova? Há gente a engordar nos EUA e na Inglaterra. Conclusão? "O neoliberalismo faz mal à saúde. Isto anda mesmo tudo ligado." Enfim é explicada a fome nos regimes que a dona Isabel aprecia: trata-se meramente de dieta, e das eficazes.
Inexplicável, excepto pelo caldo de alucinação e apatia em que Portugal se encontra, é que se confunda um razoável exercício humorístico com uma opinião habilitada. Principalmente se é a própria dona Isabel a insinuar o toque cómico, quer ao assinar o artigo enquanto "Médica, Professora [maiúscula dela] da Faculdade de Medicina de Lisboa", quer ao encabeçá-lo com uma fotografia onde se constata que a senhora é - faltam-me os eufemismos - gorda, quiçá vítima do "neoliberalismo". Duas hipóteses: ou a dona Isabel e o Público estão a brincar connosco ou o país está a brincar com a realidade. Aposto em ambas.
Sexta-feira, 26 de Fevereiro
E se adoptássemos o BE?
Não acho piada nem ao cartaz do BE ("Jesus também tinha 2 pais") nem ao ligeiro escândalo que suscitou. Embora, a acreditar nas urnas, o BE não tenha nenhum direito a mandar em nós conforme tem mandado, tem todo o direito de ofender quem muito bem desejar. Além disso, o cartaz chama a atenção para uma causa dramática: a profunda infantilidade daqueles meninos e meninas. Uma sociedade solidária não se aborrece com a falhada irreverência do bando, mas empenha-se em explicar-lhe o que é irreverência a sério. Com paciência, talvez um dia o BE perceba a diferença e defenda os homossexuais através de injúrias às religiões que os oprimem de facto. Quando fizerem graçolas com Maomé, as crianças grandes do BE merecerão o nosso respeito. Até lá, só pena, compreensão e mimo.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Os casos dos nossos espantos




Também o são os ares resolutos e as formas garbosas das marchas infiltrantes nos países do Mediterrâneo oriental, de gentes que conduzem os filhos que nem vemos chorar, gentes preparadas de antemão para a conquista, e que saúda com as mãos e os sorrisos, acabadas de chegar e de atravessar o mar, cemitério de tantos, gentes que vão avançando, tal como outrora as hordas que deram novo rosto à Europa. E admiramos. Umas dizem-se a fugir da guerra, outras em cata de melhores condições de vida e de liberdade, outras virão com propósitos febris de expandir outras fés em futuros actos de terrorismo, ingratas e selvagens para com os dadores do seu sangue. E sorriem. E caminham rápidas e firmes, gentes do nosso espanto. E do nosso medo.
É Clara Ferreira Alves que no seu «Pai Nosso» põe a sociedade snob do Guincho a escutar sobre a guerra no Médio Oriente da boca de uma repórter fotográfica da Guerra do Golfo, que por lá andou e saiu nas capas das revistas sociais – Maria – pretexto para reduzir a gente portuguesa a uma massa sem fibra, de curiosidade puramente fofoqueira, e apurada na “sensibilite” interjectiva, desinteressada das razões políticas que confrontam os homens:
Um marido capitalista, retrato desses que também povoam as nossas notícias diárias, interrompe a mulher brasileira, de segundas núpcias, largada na descrição de si própria, apesar da curiosidade que diz ter sobre a “excitante aventura com esses palestinianos”:
«”Adriana, deixe a Maria contar a aventura. Estamos interessadíssimos. As nossas vidas não são muito atraentes.”
Uma criança assassinada, cem mil corpos apodrecidos no deserto, o bombardeamento da capital do Califado e o terror dos judeus à espera do gás nos abrigos, go to your shelter, please, são reduzidos na mansão do Guincho a uma excitante aventura. Esta gente não sabe nada do mundo e nunca quererá saber. Vivem dentro da bolha, vivem na bola de sabão que sopram uns para cima dos outros, separados por rituais que os protegem e os isolam e os obrigam a casar com pessoas iguais que vivem dentro de outras bolhas, todos flutuando na certeza de que o sabão nunca acaba.»
Esta gente, esta “gentinha” egoísta e ignorante, de uma sociedade que vive cá nos confins, e que às vezes parece não amar os seus filhos, segundo as notícias dos casos do nosso espanto por cá: A “Medeia” que em desespero e provavelmente vingança mata as filhas, ela própria recuando na auto-imolação, crianças que morrem no terror do abandono dos pais, outras que são maltratadas diariamente, o nosso mundo de misérias e horrores próprios que a imprensa revela, os casos frequentes dos nossos escândalos de corrupção, que dão vida às nossas bolhas, e em que o Bem não é notícia, a não ser quando excita as nossas almas no espanto e na devoção da beatitude.
João Miguel Tavares é dos que participou no sentimento geral de horror perante o caso das crianças mortas pela mãe tresloucada que desistiu da sua própria imolação. Uma mãe que acusara antes, provavelmente assustada, mas num país cujos organismos de protecção à criança não actuaram com diligência, conduzindo ao horror do crime e ao horror da dúvida e do castigo.
As crianças morreram, nem o desespero materno justifica tal crime. O que se segue é horroroso também. Fica sempre, como consenso, a negligência geral dos serviços públicos. Neste caso específico da falta de protecção real à criança. No artigo de João Miguel Tavares:

O superior desinteresse da criança
João Miguel Tavares
Público, 18/2/16
Portugal é um país com muitos problemas, mas nenhum deles é mais sério, mais obsceno e mais escandalosamente terceiro-mundista do que os atrasos da justiça nas questões que envolvem direitos de menores. Nós enchemos a boca com o famoso “interesse superior da criança”, indignamo-nos e comovemo-nos ao ritmo dos casos mediáticos, só que isso, sejamos claros, vale zero. Desligam-se as câmaras e continua tudo na mesma, até porque as crianças em risco, azar o delas, não votam nem formam sindicatos.
Mais grave, muito mais grave, do que a negligência parental é esta negligência governamental, que não consegue pôr de pé uma política de protecção das crianças que seja célere e minimamente eficaz. Maus pais sempre haverá, mas um país decente tem o dever de se empenhar na forma como trata os menores de idade, e não falhar vergonhosamente no seu auxílio, como parece ter acontecido mais uma vez na tragédia de Caxias.
No momento em que escrevo é impossível saber em detalhe aquilo que se passou. Não faço ideia se as acusações de abuso sexual acerca daquele pai são verdadeiras. Não faço ideia se as crianças estavam vivas ou mortas antes de terem sido lançadas à água. Mas isto eu sei, porque foi admitido pelas autoridades e pelos envolvidos: a situação foi sinalizada à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) da Amadora, em Novembro de 2015; houve uma participação na PSP e uma comunicação recebida do Hospital Amadora-Sintra que levou à instauração de um inquérito em finais de Novembro, para investigar, segundo um comunicado da Procuradoria –Geral da República (PGR), «factos susceptíveis de integrarem os crimes de violência doméstica e de abuso sexual de crianças»; em paralelo, e na sequência da referida sinalização da CPCJ, o Ministério Público (MP) requereu, a 2de Dezembro de 2015, «a abertura do processo judicial de promoção e de protecção a favor das duas crianças».
Querem contar comigo até cinco? O caso da família de Sónia Lima, que acabou com duas pequenas crianças afogadas em Caxias, foi sinalizado à CPCJ, à APAV, à PSP, ao Hospital Amadora-Sintra e ao Ministério Público. Sejam verdadeiras ou falsas as alegações de Sónia Lima, a verdade é que só lhe faltou escrever ao Presidente da República. Fátima Duarte, da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, contou à Lusa que «dados os contornos da situação», em Novembro o caso «seguiu de imediato» para o MP, já ´que só ele pode investigar suspeitas de abuso sexual de menores. E seguiu «com carácter urgentíssimo» .
O que fizeram as autoridades perante tão urgente pedido? Não se sabe ao certo, já que o caso, é claro, «corre termos no DIAP de Lisboa Oeste e encontra-se em segredo de justiça.» A PGR garante que «no âmbito deste inquérito foi proposta à denunciante a teleassistência, tendo sido elaborado um plano de segurança». Eu até admito que o plano de segurança fosse magnífico, só que há este pequeno problema: contactado pelo DN, Rui Maurício, advogado do pai das crianças, declarou duas coisas: 1) O seu cliente nega todas as acusações; 2) ele nunca foi ouvido pelas autoridades relativamente a elas. Leram bem. Há um pai acusado de abuso sexual de menores em Novembro de 2015 e a 16 de Novembro de 2016, três meses depois, ninguém lhe tinha perguntado o que quer que fosse. Não preciso de saber mais nada. Isto basta-me. Superior interesse da criança? Não gozem comigo.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

As “baixas prisões”



Mais um daqueles artigos desempoeirados do sociólogo Alberto Gonçalves que, porque leu sobre os homens, sabe que nem o próprio Adão se assumiu em liberdade, amassado que foi do barro e logo preso nas artimanhas de Eva mais da serpente, que acorrentaram os nossos pais primeiros definitivamente ao pó da Terra. E apesar disso, outros houve que, desinteressados do pó, cuidaram que a alma era suficiente para a sua libertação, adoptando parâmetros de compostura e honra que os tornaram seres livres, atidos ao lema de que o pensamento e a razão se impunham nos considerandos de uma liberdade sem os “baixos afectos” materiais condicionantes. Mas isso era nos tempos da “aurea mediocritas” que foram idos, mesmo os nobres ideais de agora têm subjacente a importância da matéria para a concretização desses ideais.
Por isso, Alberto Gonçalves discorda da criação de um partido liberal entre nós, como alguns propõem, por partir da constatação de que, neste país de sol amaciador, dificilmente se poderá aspirar a tal, divididos que estamos em três partidos principais, de submissão a interesses manipuladores dos afectos, de um materialismo prático:  os que pertencem ao governo do Estado,  os que vivem do Estado, os que gostariam de pertencer ao Estado, como local de mais fácil acesso na senda do armazenar sem esforço.
Quanto ao artigo seguinte, sobre as eleições americanas, ele é demonstrativo da empatia com um país onde tudo é enorme, espaços, realizações, paixões, e até mesmo a revelação de seres adversos ao comedimento discursivo, na demonstração de que a posse da tal matéria manipuladora dos interesses, quando se torna o alfa e o ómega de certas vidas “humanas” deslumbradas. pode destruir o edifício do soi-disant equilíbrio anterior que nesse país tem combatido os radicalismos, para se tornar em algo de monstruoso a evitar. Em nome da Terra.

A liberdade nunca passou por aqui
21 DE FEVEREIRO DE 2016 00:02
Alberto Gonçalves
·         Facebook

TwitterGoogle PlusAlberto Gonçalves
DN, 21/2/16Partilha
De repente, não imagino porquê, boa parte dos meus amigos do Facebook desataram a discutir a criação de um partido liberal. Quase de certeza, estão a brincar. Dado que não são de esquerda, possuem por definição a lucidez suficiente para perceber que a ausência de um partido liberal indígena se deve a um motivo assaz trivial: não há público. Ou há o público necessário para que a comissão política, o conselho nacional, os participantes nas arruadas e os eleitores do hipotético PL se possam deslocar no mesmo autocarro - e ainda oferecer boleia a dois transeuntes particularmente afectados pela subida dos combustíveis. É a simples lei da oferta e da procura, que os liberais, mais do que os outros, compreendem.
Por cá, as convicções políticas dividem os cidadãos em três grupos principais: os que mandam no Estado, os que vivem ou sobrevivem à custa do Estado e os que gostariam de pertencer ao primeiro grupo ou, no mínimo, ao segundo. Uma longa tradição de pobreza, material e de espírito, impede os portugueses de experimentarem qualquer vestígio de simpatia pela liberdade, conceito que de resto lhes é tão estranho quanto o frio para um habitante do Iucatão. Entre nós, a liberdade é um penduricalho que fica impecável em discursos épicos e cançonetas medonhas. No mundo real, é coisa impensável. Onde já se viu que um indivíduo possa tentar determinar o próprio destino sem trela nem amparo?
Não é à toa que o nosso quadro partidário percorre todo o espectro ideológico de A a B, leia--se do mal dissimulado socialismo da ridiculamente chamada direita ao socialismo orgulhoso da espantosa esquerda, que inclui, sem destoar, seitas leninistas e estalinistas, admiradores da Coreia do Norte e promotores de merchandising do Che. Um governo que aumenta descaradamente os impostos, mantém a máquina pública essencialmente intacta e não enfia o país na bancarrota em seis meses já é "neoliberal" e um perigoso lacaio dos mercados. A alternativa, o saque fiscal a benefício das clientelas, "investimento" público, corrupção escancarada e desastre iminente é o padrão aceite pela generalidade da opinião pública e publicada. E tende a piorar. Para regressar às graças do povo, o CDS entregou-se a uma adversária da iniciativa privada. O PSD busca popularidade através de declarações apaixonadas à social-democracia. E o PS resiste no poder com típica brutalidade e um renovado amor pelo marxismo. No desgraçado Portugal destes dias, o PCP propõe taxar os "ricos" a 75% e ninguém se dá ao luxo de achar a proposta uma alucinação divertida, como a cientologia ou o criacionismo: a loucura tornou-se mesmo plausível. E com frequência desejável.
E é isto. Dos "trabalhadores" aos "empresários", uma desmesurada parcela da população enfiou na cabeça o direito de ser sustentada pelos "ricos", ou pela Europa, ou pelos meros contribuintes. E o papel do Estado consiste, na metade do tempo, em zelar para que assim aconteça. Na metade que sobra, cabe ao Estado decretar comportamentos, na medida em que irresponsáveis económicos padecem igualmente de irresponsabilidade cívica. Neste rectângulo repleto de crianças crescidas, não faltam fumadores entusiasmados com medidas antitabágicas. É aqui que o liberalismo conta prosperar? Boa sorte.
Por mim, e por pura curiosidade, aceito convites para um almoço conspirativo do PL, mas julgo que basta reservar a mesa do canto. A menos que eu esteja enganado. Espero estar enganado.

Sábado, 20 de Fevereiro
Ameaças globais
Desde 2006 que passo pelo menos uma ou duas semanas por ano na América. Gosto das possibilidades de Nova Iorque, da música nas ruas de Nova Orleães, Nashville e certos lugarejos do Mississippi, das estradas do Novo México, das paisagens do Arizona e do Utah, dos desertos da Califórnia e do Nevada, da comida dos texanos e da simpatia de estranhos.
E se há na América coisas de que não gosto, não chegam para me remover a impressão, não sei se fundamentada, de que um dia ficarei por lá de vez. O redundante travo "europeu" da Nova Inglaterra é largamente compensado por um pequeno-almoço numa espelunca do Tennessee. A aridez imperial de Washington é esquecida a cada conversa com amigos feitos há meia hora num café de Albuquerque. A melancólica padronização da main street nas pequenas cidades não apaga a absurda exuberância do Monument Valley. A desagradável ênfase nas questões raciais não mancha o improvável sucesso daquele caldo cultural. Sobretudo a repugnante obsessão com a ideia de celebridade não impede a América de ser o lugar mais conveniente ao voluntário e abençoado isolamento.
Por tudo isto, tenho evitado escrever, ou sequer pensar, nas próximas eleições presidenciais. Os candidatos "tradicionais" de ambos os partidos, fossem Rubio ou Cruz, fosse Hillary, eram deprimentes quanto baste. Os candidatos "surpresa" são outra coisa completamente diferente. Enquanto sociedade, o grande mérito da América tem sido a capacidade de enfraquecer os diversos radicalismos em prol de uma alternativa civilizacional eficaz. É um lugar de equilíbrios, que sempre reagiu às rupturas sociais com decência e rapidez. A orientação para o "centro", com os inúmeros defeitos deste, poupou a América a arrebatamentos totalitários. Hoje, por razões que não cabem aqui, os senhores Trump e Sanders elegeram o "centro" como o inimigo. Se os americanos elegerem um deles, a América que conhecemos está em risco. E o mundo, pelo menos o meu, também.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Terror na Terra em nome do Céu



O Público do dia 19/2/15 traz um artigo de Vasco Pulido Valente - «Aventuras de um papa desconhecido» - com informações precisas sobre Pio XI – por antífrase «impio» - papa ambicioso de poder, de riqueza, de um Estado autónomo que conquistou – (o «Vaticano») – que encorajou a política fascista de Mussolini, em jeitos de crueldade, com anti-semitismo, no impulso à perseguição aos Judeus que Hitler tão depuradamente aplicaria, com censura preconceituosa aos costumes que ultrapassassem os limites convencionais da sua imposição cristã. Um breve estudo que nos ilustra bem e faz arrepiar, pelo que traz de evocação de algo sinistro, de que fomos adeptos menos ferrenhos, é certo, já que de ferrenhos só fomos outrora na aventura descobridora, ou agora na aventura futebolística com uma certa inércia cultural, é certo, permanentemente ferrenha, tal como a dependência económica do estrangeiro, salvo em tempos de mais contenção e zelo.
Nem por ser papa – muito pelo contrário, talvez por o ser, já que outros houve em tempos inquisitoriais de grande dimensão depuradora, (embora possamos atribuir maldades assim ao próprio Jeová dos tempos bíblicos tão castigadores dos homens) – nem por ser papa, repito, deixou de defender ruindades, com eficiência e estudo, que, por ser papa, tinha forçosamente que possuir.
Mas a bestialidade, afinal sempre existiu e continua, cada vez com menos estudo. Um outro artigo do Público, do dia 20/2, de Pedro Reis, informa, em título (p. 27), sobre Terrorismo,  que «Há cada vez mais crianças a morrer em nome do DAESH”, que um «Estudo da Universidade do Estado da Geórgia analisou dados de 89 crianças que morreram a combater nas fileiras dos jihadistas”, que «O autodesignado Estado Islâmico (EI) tem mobilizado jovens e crianças a uma velocidade sem precedentes», que «o que estão a fazer é trazê-las, doutriná-las, treiná-las, passando muito tempo a incutir-lhes a ideologia jhiadista», que «Os pais estão a possibilitar o acesso  da organização (Daesh) às suas crianças»,  que «As crianças não estão a ser raptadas nem coagidas. Na maior parte das vezes vemos crianças com um enorme sorriso.»
Não há, pois, tempo a perder em estudos, para se aprender a criar o próprio Mal, o Mal sem estudo, sem construção do intelecto, como um pneu que a bomba de ar vai enchendo em sopro. Agora temos o Mal apenas, o Mal pelo Mal, sem Flores do Mal, sem requintes de intelecto, o Mal infiltrado pela bomba de ar no corpo pequeno, fanatizado ou não, que sabe que tem poder para matar, e isso é a essência  da  sua Vida – Matar. Evolução.
Leiamos sobre o Papa, que muito estudou para o requinte maléfico do seu poder:

Aventuras de um papa desconhecido
Público, 19/02/2016
A literatura histórica contemporânea estudou minuciosamente o pontificado de Pio XII, mas tem ignorado o pontificado de Pio XI (Achille Ratti), que foi eleito no mesmo ano em que Mussolini subiu ao poder (1922 ) e viveu até 1939. E, no entanto, de certa maneira, Ratti contribuiu mais do que Pio XII para a instalação do fascismo e do nazismo na Europa. O Vaticano de Pio XI deu uma ajuda crucial para o advento e estabilidade do regime de Mussolini; a Acção Católica cooperou entusiasticamente com a polícia na eliminação de toda a espécie de opositores ao Duce (chegou mesmo a encobrir alguns crimes); e principalmente tomou a iniciativa ideológica e política na perseguição aos judeus. Porquê? A troco de quê?
A troco de interesses institucionais que pouco valiam e de uma revanche anacrónica que só o clero italiano partilhava, queria um Estado autónomo (recebeu o Vaticano), queria que o catolicismo fosse a religião oficial de Itália, queria liberdade para a Acção Católica e queria dinheiro. Mussolini com tudo ou quase tudo concordou e ao longo do tempo acrescentou alguns prémios por bom comportamento: cruzes nas salas de aula, penas para as mulheres que mostravam as costas nuas (Para não falar em parte do peito, coisa que perturbava particularmente Ratti) e uma censura apertada ao cinema, ao teatro e à imprensa, que por qualquer razão desagradavam ao Vaticano. No fundo, a Igreja aspirava a um regime tão opressivo como o de  Mussolini, desde que ele estivesse sob o seu controlo, uma política ingénua e torpe que durou para lá da queda do ditador.
Seja como for, o pior que o Vaticano fez nessa época de horror foi exprimir e popularizar o Anti-semitismo latente na Europa. A revista dos Jesuítas «La Civiltá Católica», que o Papa de facto dirigia, e o «L’Osservatore Romano» começaram a publicar entre 1920 e 1930 a propaganda nazi, que na Alemanha teve de esperar por 1933. O mito da conspiração dos judeus com o comunismo, o capitalismo, o liberalismo e a Maçonaria apareceu em Roma antes de se tornar corrente na Alemanha e, a seguir, em Espanha. Claro que «Ratti» recusou um racismo “biológico”. Infelizmente, nessa altura, os compromissos com Mussolini não lhe permitiram romper claramente com a nova orientação do regime e acabou por se resignar à lei, imposta pela insistência de Hitler, que declarava «ariano» o povo de Itália e não permitia o casamento legal entre um cristão e um judeu convertido. O populismo nunca levou a nada de bom.