A luz que vem das
estrelas,
Diz — pertence-lhes a elas?
O aroma que vem da flor,
É seu? Dize, meu amor.
Diz — pertence-lhes a elas?
O aroma que vem da flor,
É seu? Dize, meu amor.
Problemas vastos, meu
bem,
Cada cousa em si contém.
Pensando claro se vê
Que é pouco o que a mente lê
Em cada cousa da vida,
Pois que cada cousa, enfim,
É o ponto de partida
Da estrada que não tem fim.
Cada cousa em si contém.
Pensando claro se vê
Que é pouco o que a mente lê
Em cada cousa da vida,
Pois que cada cousa, enfim,
É o ponto de partida
Da estrada que não tem fim.
Perante este sonho
eterno
Falar em Deus, céu, inferno…
Falar em Deus, céu, inferno…
Ah! dá nojo ver o mundo
Pensar tão pouco profundo.
Pensar tão pouco profundo.
Parâmetros de
análise:
- Temática tratada
- Divisão do poema
- Figuras de estilo
- Comparação com uma
obra de arte modernista.
Um poema que,
em discurso directo, explora a temática do mistério supremo da vida, no
desconhecimento que desde sempre aflige o Homem, a respeito das origens
primeiras de uma realidade ligada – ou
não - a um ser espiritual criador do Céu e da Terra. É, pois uma temática de
espiritualidade que nele está contida, na qual, perante o abismo que separa o
Homem de uma omnisciência, o sujeito poético só pode concluir com uma
exclamação e uma expressão de desgosto, no reconhecimento da pobreza espiritual
humana ante o incomensurável do “Ser”.
O poema divide-se em três partes: a primeira,
constituída pela quadra inicial, onde se faz uma interrogação repetida à mulher amada sobre o significado
de pertença da luz ou do aroma aos seres que os detêm – estrelas ou flor – a
interrogação sugerindo à partida, resposta negativa.
A segunda parte é constituída pela 2ª estrofe – uma
oitava – ainda em discurso directo, de desenvolvimento da tese sobre a
problemática existencial, cada coisa que existe ou se descobre, pertencente à
mesma interrogação sobre o quem e os porquês da sua passagem na “estrada que não tem fim”.
A terceira parte – os dois dísticos finais - retomam a
constatação do “sonho eterno”, o falar sem sentido daquilo que para
sempre se desconhece – Deus, céu, inferno – para concluir com a frase de
repúdio do homem, infinitamente pobre de saber.
- Um poema de grande simplicidade de
expressão, e no entanto revelador da grande subjectividade característica da
personalidade literária e humana do maior poeta e pensador do século XX
português, talvez o maior de sempre, na riqueza de conteúdo e forma que cada
heterónimo e ortónimo traduz – nas várias problemáticas deles representativas –
mas, tal como nos poemas da 3ª fase de Álvaro de Campos, e frequentes nos
poemas do Pessoa ortónimo, de solidão e
angústia pelo sentimento de impotência em face do desconhecido, neste poema
também sobressaem tais sentimentos, de brandura na interpelação à amada, mas
que desabam no grito final do desgosto impotente.
Assim, neste discurso subjectivo
interpelativo, em que sobressai uma argumentação bastamente ponderada, como
figuras de estilo pode-se apontar o animismo referente aos seres estrelas
ou flor, como contendo hipotético poder criador, extensivo a cada
cousa, sempre problemática, afinal, para a mente humana - nova personificação
- de capacidade diminuta. Perífrase metafórica, a
expressão “ponto de partida da estrada que não tem fim” . As reticências
de suspensão do discurso, com a metáfora hiperbólica “sonho
eterno”, eis outra característica de subjectividade, antecipando a
interjeição final “ah!” seguida
do discurso mordaz de desgosto.
- Eu
apontaria o retrato de Pessoa por Almada Negreiros,
não como expressão das angústias existenciais contidas no poema – de que o
quadro expressionista “O Grito” de Edvard Munch parece ser o mais
convincente - mas como homenagem a uma figura ímpar da nossa literatura e como
homenagem também ao artista Almada Negreiros que tão bem soube captar os traços
espirituais de um verdadeiro “senhor”, na atitude esguia e hirta e no seu
cigarro, que nos leva ao poema também ímpar, da 3ª fase de Álvaro de Campos – “Tabacaria”:
“Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando” - o cigarro quase insignificante mas presente,
como faúlha para sempre acesa na imensidão do seu espírito.
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