quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Tópicos da «Nota Introdutória» de Frederico Lourenço a «Evangelho segundo Mateus»




«E eis que eu estou convosco, todos os dias, até à completude do Tempo» (28: 20)
I
1- Autoria: Texto anónimo: Em nenhum dos seus 28 capítulos o autor do texto se identifica.
2- Histórico:
                a) O nome do Apóstolo Mateus, ex-cobrador de impostos e discípulo directo de Jesus não o identifica com o narrador do Evangelho segundo Mateus.
b) Não obstante, autores lhe atribuem a autoria do Evangelho segundo Mateus: Eusébio, historiador da Igreja (séc. IV); Ireneu (séc. II), segundo o qual o texto fora escrito para hebreus na sua própria língua.
c) A ideia geral da identificação do evangelista com o discípulo de Cristo é seguida até meados do século XX.
d) Situação actual: Segundo a maioria dos actuais estudiosos do Novo Testamento, tanto o Evangelho segundo Mateus, como segundo Marcos e Lucas são atribuídos a uma fonte comum que partiu de contactos e informações junto dos que conheceram Jesus (o que igualmente provocaria evangelhos apócrifos – de Pedro e Tomé – de quem se fez passar por aqueles discípulos, para maior credibilidade).

3-  Literário:
                «Nas palavras de Graham Staton “entre os evangelistas, o supremo artista literário é indubitavelmente Mateus”. É facto que a releitura contínua deste texto extraordinário revela a riqueza impressionante tanto da sua coerência como das subtilezas da sua arquitectura. É uma obra de uma intencionalidade fortemente focada; e tanto a sua abrangência temática como o sopro arrebatado da sua redacção justificam plenamente a circunstância de, ao longo de dois mil anos, este texto se ter constituído como Evangelho favorito da(s Igreja(s) e dos cristãos
4- Língua original:
«Opinião comum hoje:  «O Evangelho de Mateus não mostra o mínimo sinal de ter sido traduzido de uma língua semítica.» «Mateus utiliza a língua helénica do seu tempo com notável expressividade e perícia, além de ser um profundo conhecedor da Escritura judaica na versão grega dos Septuaginta».

5- Data aproximada para a sua redacção:
                a) - Para muitos leitores – opinião compartilhada por F.L. - existe um «conjunto de passagens que dificilmente poderia ter sido escrito antes da destruição de Jerusalém, no ano 70 da nossa era: 22:7; 23:36-38; 24:2.
Ex:  (24:1,2): (Jesus anuncia a destruição do templo, a perseguição dos discípulos e a destruição de Jerusalém): 24:1-2 «E Jesus, saindo do templo, estava para ir embora quando os seus discípulos vieram para lhe apontar as construções de templo. «Mas ele, respondendo, disse-lhes: “Não vedes todas estas coisas? Amém vos digo: não deve ser aqui deixada pedra sobre pedra que não será desmoronada.»
                - «Por outro lado, Mateus escreveu depois de Marcos, que, como se depreende de Marcos 13: 14-20, deverá ter escrito após a destruição de Jerusalém; e depois de Lucas, como se vê por Lucas: 19: 41-44; 21: 20-24:
«Ex: ”21:20-24: Mas quando virdes Jerusalém sitiada por exércitos, ficai sabendo que a sua desolação está próxima. Então, os habitantes da Judeia que fujam para montanhas; os que estiverem dentro da cidade que se retirem; e os que estiverem no campo não voltem para a cidade, pois dias de punição são estes e de se cumprirem todas as coisas que estão escritas. Ai das grávidas e das que estiverem a amamentar naqueles dias! Porque haverá uma terrível angústia na Terra e ira contra esse povo. Cairão pela boca da espada e serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será calcada pelos pagãos até que se cumpram os tempos dos pagãos.»                                                                                                                                                                     
b) -   Pelo laconismo do Evangelho segundo Marcos, deduz-se  que Mateus se baseou naquele, dando-lhe um cunhomais desenvolvido e apurado em termos de redacção.   
c)-No caso da relação entre Mateus e Lucas, a questão é mais complexa, pois não se poderia afirmar de modo algum que o Evangelho de Lucas está menos bem escrito do que o de Mateus, ainda que, comparativamente ao de Mateus, seja um texto menos completo, no que toca ao seu conteúdo, quando esse conteúdo intercepta material que está em Mateus. Basta compararmos o Sermão da Montanha de Mateus com o Sermão  da Planície de Lucas; ou as duas versões do Pai Nosso. Afigura-se-nos quase impensável que, se conhecesse o texto de Mateus, Lucas não se tivesse esmerado mais nestes e noutros exemplos.     
Ex: O Pai Nosso segundo Mateus: 6:9-13: Rezai então assim: «Pai nosso nos céus, / seja santificado o teu nome. Venha o teu reino, / faça-se a tua vontade; / assim como no céu também na terra. / Dá-nos já hoje o nosso pão de amanhã. / E perdoa-nos as nossas dívidas, / tal como nós perdoamos aos nossos devedores; / e não nos leves para sermos postos à prova, / mas livra-nos do iníquo.»
Ex: O Pai Nosso segundo Lucas:  11: 1-4-  Disse-lhes então Jesus: Quando orardes dizei:  «Pai, /Seja santificado o teu nome, / Venha o Teu reino / Dá-nos cada dia o nosso pão de amanhã, / E perdoa os nossos erros / Pois também nós perdoamos a quem nos está a dever. / E não nos leves para a tentação.»
d) 1ª Conclusão (seguida por vários estudiosos actuais do NT): “Foi Marcos que usou o material de Lucas e não vice-versa.
e) 2ª Conclusão: “O facto de o texto de Mateus depender de modo tão claro de Marcos e de Lucas refuta a possibilidade de o seu autor ter sido um dos doze apóstolos, testemunha ocular da vida de Jesus”.

6- O público alvo, com hostilidade recíproca:
            a) O Evangelho de Mateus é caracterizado por ser escrito para judeus. Como prova disso, a preocupação na referência à lei de Moisés (Ex: 5: 17-19: “Não julgueis que vim para anular a lei ou os profetas. Não vim para anular, mas sim para cumprir. Pois amém vos digo: até que passe o céu e a terra, não passará um iota ou um pontinho da lei, até que todas as coisas aconteçam. Aquele que afrouxar um dos mais insignificantes destes preceitos, e assim ensinar as pessoas, será chamado o mais insignificante no reino dos céus. Quem, por outro lado, os praticar e os ensinar, este grande será chamado no reino dos céus”.); «ou pelo facto de Jesus proibir os discípulos de levarem a boa-nova a não judeus» (10: 5-6): «Estes foram os doze que Jesus enviou, instruindo-os com estas palavras: Dirigi-vos de preferência às ovelhas perdidas da casa de Israel.», - «proibição essa somente revogada no penúltimo versículo deste evangelho»: (28: 19-20): Indo, pois, tornai discípulos todos os povos, baptizando-os no nome do Pai, do filho e do espírito santo, ensinando-os a cumprir todas as coisas que vos mandei.»
            b)- «A impressão que a leitura deixa, é, contudo de uma permanente hostilidade manifestada para com Jesus por parte das autoridades judaicas, ao mesmo tempo que as críticas mordazes na boca de Jesus contra fariseus e saduceus, escribas e sumos sacerdotes (assim como o retrato inteiramente negativo que destas figuras é feito) nos levam a suspeitar que este Evangelho, alegadamente escrito para destinatários judeus, estaria talvez mais apto a ferir susceptibilidades nas cabeças dos seus leitores judaicos do que a suscitar a sua adesão. É claro que o retrato negativo das autoridades judaicas é transversal aos quatro Evangelhos; mas num texto que é tantas vezes descrito como o Evangelho destinado aos Judeus, esperar-se-ia porventura menos polémica e mais contemporização relativamente ao povo de Israel.
7- Só em Mateus:
“Quem lê os Evangelhos pela ordem canónica (Mateus, Marcos, Lucas e João) encontrará em Mateus e Lucas uma abundância de material que já lera em Mateus. No entanto, há um conjunto significativo de elementos que ocorre apenas no Evangelho de Mateus: - A adoração dos Magos; - A fuga para o Egipto; - O massacre dos inocentes; - O Sermão da Montanha;
- «Só em Mateus encontramos certas imagens  que se tornaram proverbiais , como as pérolas deitadas a porcos, ou a separação do trigo e joio ou de ovelhas e cabras;
- «Só em Mateus é que Jesus diz que não é sete vezes que devemos perdoar mas setenta vezes sete;
- «Só em Mateus é que Pedro tenta caminhar sobre a água, ou Judas se enforca, ou Pilatos lava as mãos;
- «Só em Mateus as dez virgens são impedidas de assistir à boda.
- «Contrariamente ao que lemos nos outros Evangelhos, as quantias de dinheiro referidas por Mateus configuram somas verdadeiramente astronómicas (milhões de euros em moeda actual: ver 18: 24: “Tendo ele começado a fazer as contas, veio ter com ele um devedor de dez mil talentos (Nota: Um talento em moeda actual: cerca de 250 000 euros). «Talvez por isso se tenha afigurado plausível, durante tantos séculos, a sua identidade como alguém ligado à cobrança de impostos? Quem sabe?
II

Síntese dos capítulos, segundo os títulos de Frederico Lourenço:
1- Genealogia; A gravidez milagrosa de Maria; O nascimento de Jesus em Belém. 2- Os magos; o massacre dos inocentes; A fuga o Egipto; José Maria e Jesus estabelecem-se na Nazaré. 3- O baptismo de Jesus. 4- Jesus tentado no deserto; Início do ministério de Jesus. Chamamento dos primeiros discípulos; Jesus taumaturgo. 5- O sermão na montanha. 6- O sermão na montanha (continuação). 7- O sermão na montanha (conclusão). 8- Jesus cura vários doentes; O discípulo que quer primeiro sepultar o pai antes de seguir Jesus; Jesus acalma a tempestade; Os possessos e a vara de porcos. 9- Jesus cura um paralítico; o chamamento de Mateus; Jesus ressuscita uma menina que acabara de morrer; Jesus cura vários doentes; a compaixão de Jesus perante os sofrimentos da multidão. 10- A eleição dos doze; Antevisão das perseguições futuras; Jesus ensina que não se deve temer nada. 11- Jesus elogia João Baptista; A falta de Fé; A revelação escondida dos sábios e inteligentes. 12- Jesus e o sábado; Jesus e Belzebu; A árvore e os seus frutos; O sinal de Jonas; A mãe e os irmãos de Jesus. 13-As parábolas do semeador; do trigo e do joio; do grão de mostarda: do fermento; do tesouro e da pérola; Da rede; Jesus rejeitado em Nazaré. 14: Sobre a morte de João Baptista; O milagre da multiplicação dos pães e dos peixes; Jesus caminha sobre as águas; Jesus cura doentes em Genesaré. 15 – Jesus e os preceitos da religião; Jesus e a mulher cananeia; Nova multiplicação de pães e peixes. 16 – O fermento  dos fariseus; Pedro como pedra; Primeiro anúncio da Paixão: “Que se negue a si próprio e levante a sua cruz”. 17- Transfiguração de Jesus; A vinda de Elias; O jovem epiléptico; A fé que move uma montanha; O segundo anúncio da Paixão; O tributo do templo. 18- Quem é o maior no reino? Escandalizarmos a outrem e a nós mesmos; A ovelha tresmalhada: «Se o teu irmão errar…»; “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome…”; O perdão. 19: Jesus é interrogado a respeito do divórcio; Os três tipos de eunucos; O jovem rico; O valor de deixar casa e família em nome de Jesus. 20- Os trabalhadores da vinha; O terceiro anúncio da Paixão; Servir os outros; Os dois cegos de Jericó. 21- Entrada de Jesus em Jerusalém; Os vendilhões do templo; A figueira estéril; Jesus contestado no templo pelos sumos sacerdotes; O homem que tinha dois filhos; Os vinhateiros assassinos. 22- Muitos são chamados; mas poucos, escolhidos; “Dai a César o que é de César”; A ressurreição dos mortos; Os mandamentos do amor; Cristo, filho e senhor de David. 23- Jesus condena o farisaísmo; Lamentação de Jesus sobre Jerusalém. 24- Jesus anuncia a destruição do templo, a perseguição dos discípulos e a destruição de Jerusalém; Os falsos Messias; A vinda do Filho da Humanidade; O sinal da figueira; O escravo fiel. 25- A parábola das dez virgens; A parábola dos talentos; O juízo final. 26- A unção de Betânia; Judas vende Jesus por trinta moedas; A Última Ceia; A tristeza de Jesus em Getsémani ; Jesus é preso; Jesus em tribunal; Pedro renega Jesus   27- Jesus e Pilatos; Judas enforca-se; Jesus no tribunal romano; O povo escolhe poupar a vida de Barrabás; Jesus coroado de espinhos; Calvário e Crucificação; Morte de Jesus; José de Arimateia;  A sepultura de Jesus.  28- O sepulcro vazio; O suborno dos guardas; Aparição de Jesus ressuscitado na Galileia; Jesus promete acompanhar os seus seguidores até ao fim dos tempos.

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