O meu pai tinha um «D. Jayme» de Tomás Ribeiro que eu
herdei, o qual, quando era moça lia com prazer, e até lhe decorava os versos
lindinhos, muitos dos quais faziam parte das selectas escolares. Mais tarde,
mais industriada acerca do bom gosto nas artes do lirismo, que pedem,
naturalmente, mais sensatez emotiva e concisão expressiva, tais versos serviam
por vezes de paródia em paráfrases mais ou menos de brinquedo, a que,
naturalmente, se prestavam, no seu empolamento sincero mas demasiado
farfalhudo, próprio da segunda geração romântica a que Tomás Ribeiro pertenceu.
E no entanto, o texto de Alberto Gonçalves trouxe-me à
memória os ecos desses tempos da adolescência e dos sentimentos nobres transmitidos
em casa, na sagacidade das suas análises, que revelam o quanto as políticas e
os homens de agora bem mereceriam a indignação daquele velho de respeito – D.
Martinho de Aguilar, pai do D. Jayme - personagens refractárias ao jugo filipino - com que Tomás Ribeiro denunciava o seu anti-iberismo, contra a corrente ibérica que alguns elementos da “ geração
de setenta” já então faziam passar.
E repasso:
Um
dia numerosa cavalgada / apeia-se ao portão, / limpa-se da poeira, sobe a
escada, / entra pelo salão, /-O senhor D. Martinho de Aguilar? / - Eu sou - lhe
diz o ancião. / - A quem me cabe a honra de falar? / - Justiça de Castela. / - Bem vinda seja
ela. / E a Justiça de mim o que deseja?
/
Assentai-vos, senhores; "Nós, os velhos / temos o triste jus da nossa
idade; / dão-nos a lei os trémulos joelhos. / Sentai-vos e dizei»
//Acercara-se
o alcaide / e em voz pausada disse:/"Em nome de El-Rei/ Como Pai de D. Jaime
de Aguilar, / que é réu de alta traição / tendes a vossa fortuna confiscada!.../
Podei-la resgatar, / se, vassalo fiel e obediente / o entregardes à justa
punição.
Como chama de um raio, de repente / levanta-se
o velho, trémulo, cansado!.../ faísca-lhe nos olhos um fogo irado,/ no rosto se
lhe acende a indignação:
Mentis,
lhe bradou convulso; / mentis, senhor dom vilão; / ou não tendes coração / ou
não lhe pedis conselho; / el-rei de Castela é nobre!.../ não manda insultar um
velho! / Pode mandá-lo ser pobre, / matá-lo à míngua de pão, / mas mandar que
um pai lhe entregue / seu próprio filho?!...Isso não!.../ Em nome d’el-rei? … /
mentistes, / senhor alcaide vilão!» / « - Mais conta em vós, D. Martinho, / que
estais em casa de El-Rei!» / « - Na vossa, lobos famintos, / bandidos sem fé
nem lei; / farte-se a Espanha inclemente / do Povo no sangue quente / na carne
da morta grei! Portugal é lauta boda / Onde
come a Espanha toda; / lobos famintos, comei!... / Nesse guarda-roupa, além, /
pende uma farda rasgada / de muito golpe cruzada: / essa, sim, mandai-a ao rei,
/ valor para vós não tem; / rirá dela a corte néscia / como da insígnia dum
louco! / porém, se a encarar um pouco /o duque D’Alba conhece-a. / Tive uma
espada também…
Mas não se trata, no caso, de anti-iberismo. Foi apenas
a imagem dos lobos do título de Alberto Gonçalves que me fez acudir à memória o excerto de Tomás
Ribeiro, por analogia com os “lobos famintos” da boca do velho D.
Martinho de Aguilar: os “lobos” que uivam contra Pedro, em vez de unirem
esforços a seu favor, reconhecendo-lhe a coragem. Os lobos governamentais
uivando aos velhos, exigindo-lhes provas de condução para continuarem a guiar
os seus carros. E lá por fora, os lobos dos ”paraísos policiais” filando os
jornalistas incautos …
Pedro e os Lobos
Alberto Gonçalves
DN, 18/12/16
- Dias Contados
Convidaram-me
para discutir no Expresso da Meia-Noite as dificuldades de Pedro Passos
Coelho em aguentar-se na liderança do PSD. Não fui, mas já que há
interessados na minha opinião, ei-la.
Critiquei
muito o dr. Passos Coelho quando, aí por 2008, ele era a oposição dentro do
partido, e quase tanto quando, pouco depois, ele se estreou na oposição ao
governo. À época, se a memória não me falha, achei-o demasiado tolerante
perante os perigosos desvarios do eng. Sócrates. Cheguei a achá--lo ao serviço
do eng. Sócrates, um exagero justificado de início pelos elogios do dr. Soares
(por exemplo) e pelo empenho com que combatia a dra. Ferreira Leite, além das
duvidosas companhias que o rodeavam.
Ao
contrário do que sucedeu com parte destas, em debandada mal perceberam que não
influenciariam o poder, adquiri uma espécie de simpatia pelo dr. Passos
Coelho no tempo em que foi primeiro-ministro. Embora a aplicação parcial
das medidas da troika - as quais nos livraram provisoriamente da
bancarrota - se ficasse pela superfície e não beliscasse os hábitos da
casa e do Estado, pareceu-me que a oportunidade desperdiçada se deveu menos ao
dr. Passos Coelho do que ao entulho partidário e ao "sistema" que o
tolhiam. Hoje, altura em que, sob a aprovação do "sistema", o
entulho volta a agitar-se para trocar de chefe, tenho dele a melhor das
impressões que se pode ter de um político: por comparação, não é mau de todo.
Se
fosse, não causaria o vasto incómodo que por aí se observa. É impressionante a
quantidade de vozes que se levantam, ou conspiram baixinho, para exigir o
sumiço do dr. Passos Coelho. Dos "barões", "notáveis",
"ilustres" e anónimos do PSD, ansiosos por voltar a partilhar o bolo,
a emissários assumidos ou dissimulados da esquerda, meio mundo roga ao dr.
Passos Coelho que saia do caminho, o caminho dourado da União Nacional.
Existe a convicção generalizada de que o homem é um desmancha-prazeres e o
último obstáculo a celebrarmos em consenso o país da abundância e dos
"afectos". O problema é o país da abundância e dos
"afectos" ser uma mentira, uma estratégia que conta com a anestesia
geral para despedaçar a sofrível herança anterior a benefício das clientelas,
do sucesso eleitoral e, pior, de alucinações ideológicas.
Não
sei se, por este andar, o dr. Passos Coelho vai a algum lado. Sei que a sua
teimosia em denunciar, nem sempre com assiduidade ou eficácia, a
desgraça iminente é uma alusão constante de que nós podíamos ter ido. E de que,
se não fomos, a culpa é nossa. Aparentemente sozinho, o dr. Passos
Coelho recorda-nos que não há soberania, progresso e outras coisas assim lindas
sem responsabilidade, realidade e a dose necessária de sacrifício. Donde o ódio
que suscita.
Domingo, 11 de Dezembro
Carros de assalto
Em
2013, no auge da Era das Trevas, vulgo "governo de direita", o dr.
Costa levantou-se metaforicamente na Quadratura do Círculo para declarar que
"o desprezo pelos idosos" se estava a tornar
"insuportável". Felizmente, hoje Portugal voltou a dispor de um poder
político que presta atenção aos mais velhos. Entre outras
dádivas, vai obrigar os condutores acima dos 65 anos a pagar aulas de
"formação" se quiserem renovar a carta de condução. O dr. Costa - ou
alguém por ele - lembrou-se dos idosos e concluiu que são taralhoucos.
A
verdade é que as estatísticas não mentem: dos 593 mortos nas estradas nacionais
em 2015, 29% pertenciam ao segmento etário em causa (o qual representa
apenas uns 20% da população). Mas as estatísticas também não ajudam: quase
metade dos "seniores" (os eufemismos são às resmas) falecidos
foram atropelados, o que não só permite suspeitar que, pelo menos ao volante,
os elementos da "terceira idade" (eu não disse?) possuem uma
destreza idêntica às idades restantes como suscita dúvidas acerca da utilidade
da "formação" citada. Se calhar, os cidadãos avançados em anos (isto
já é excessivo) carecem é de aulas para andar a pé. E se o governo perceber que
lhes pode arrancar uns trocos à conta disso, de certeza que as terão.
Os
anciãos (chega, não chega?) devem estar cheios de saudade do tempo em
que ninguém lhes ligava nenhuma. Mas aquilo é gente saudosista por natureza.
Sexta-feira, 16 de Dezembro
Paraísos policiais
Nem
menciono os cidadãos de origem portuguesa hospedados em cadeias venezuelanas
por razões políticas. Mas sabem dos três enviados da SIC e do Expresso
presos em Cuba sem razão aparente? Provavelmente, não, já que por cá o assunto
mereceu atenção idêntica à dedicada ao campeonato paquistanês de críquete.
De qualquer modo, o PSD, com a escassa moral que lhe resta após tolerar o
lamento parlamentar por Fidel, apresentou um voto de protesto contra o
sucedido. O voto mereceu o apoio do CDS, a oposição do PCP e a abstenção de PS
e BE. É como defender a "causa" homossexual enquanto se venera
a Palestina: os famosos "direitos humanos" terminam logo que começa a
afinidade ideológica. Para o que importa, os eleitores radicalmente
distraídos ficam então informados de que a maioria dos seus representantes na
AR acha muitíssimo bem, ou pelo menos não se importa, que jornalistas sejam
detidos à toa. Também convinha que alguém informasse os jornalistas.
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