quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Memórias lupinas



O meu pai tinha um «D. Jayme» de Tomás Ribeiro que eu herdei, o qual, quando era moça lia com prazer, e até lhe decorava os versos lindinhos, muitos dos quais faziam parte das selectas escolares. Mais tarde, mais industriada acerca do bom gosto nas artes do lirismo, que pedem, naturalmente, mais sensatez emotiva e concisão expressiva, tais versos serviam por vezes de paródia em paráfrases mais ou menos de brinquedo, a que, naturalmente, se prestavam, no seu empolamento sincero mas demasiado farfalhudo, próprio da segunda geração romântica a que Tomás Ribeiro pertenceu.
E no entanto, o texto de Alberto Gonçalves trouxe-me à memória os ecos desses tempos da adolescência e dos sentimentos nobres transmitidos em casa, na sagacidade das suas análises, que revelam o quanto as políticas e os homens de agora bem mereceriam a indignação daquele velho de respeito – D. Martinho de Aguilar, pai do D. Jayme - personagens  refractárias ao jugo filipino - com que Tomás Ribeiro denunciava o seu anti-iberismo, contra a corrente ibérica que alguns elementos da “ geração de setenta” já então faziam passar.

E repasso:
Um dia numerosa cavalgada / apeia-se ao portão, / limpa-se da poeira, sobe a escada, / entra pelo salão, /-O senhor D. Martinho de Aguilar? / - Eu sou - lhe diz o ancião. / - A quem me cabe a honra de falar?  / - Justiça de Castela. / - Bem vinda seja ela. / E a Justiça de mim o que deseja?
/ Assentai-vos, senhores; "Nós, os velhos / temos o triste jus da nossa idade; / dão-nos a lei os trémulos joelhos. / Sentai-vos e dizei»
//Acercara-se o alcaide / e em voz pausada disse:/"Em nome de El-Rei/ Como Pai de D. Jaime de Aguilar, / que é réu de alta traição / tendes a vossa fortuna confiscada!.../ Podei-la resgatar, / se, vassalo fiel e obediente / o entregardes à justa punição.
 Como chama de um raio, de repente / levanta-se o velho, trémulo, cansado!.../ faísca-lhe nos olhos um fogo irado,/ no rosto se lhe acende a indignação:
Mentis, lhe bradou convulso; / mentis, senhor dom vilão; / ou não tendes coração / ou não lhe pedis conselho; / el-rei de Castela é nobre!.../ não manda insultar um velho! / Pode mandá-lo ser pobre, / matá-lo à míngua de pão, / mas mandar que um pai lhe entregue / seu próprio filho?!...Isso não!.../ Em nome d’el-rei? … / mentistes, / senhor alcaide vilão!» / « - Mais conta em vós, D. Martinho, / que estais em casa de El-Rei!» / « - Na vossa, lobos famintos, / bandidos sem fé nem lei; / farte-se a Espanha inclemente / do Povo no sangue quente / na carne da morta grei!  Portugal é lauta boda / Onde come a Espanha toda; / lobos famintos, comei!... / Nesse guarda-roupa, além, / pende uma farda rasgada / de muito golpe cruzada: / essa, sim, mandai-a ao rei, / valor para vós não tem; / rirá dela a corte néscia / como da insígnia dum louco! / porém, se a encarar um pouco /o duque D’Alba conhece-a. / Tive uma espada também…

Mas não se trata, no caso, de anti-iberismo. Foi apenas a imagem dos lobos do título de Alberto Gonçalves  que me fez acudir à memória o excerto de Tomás Ribeiro, por analogia com os “lobos famintos” da boca do velho D. Martinho de Aguilar: os “lobos” que uivam contra Pedro, em vez de unirem esforços a seu favor, reconhecendo-lhe a coragem. Os lobos governamentais uivando aos velhos, exigindo-lhes provas de condução para continuarem a guiar os seus carros. E lá por fora, os lobos dos ”paraísos policiais” filando os jornalistas incautos …

Pedro e os Lobos
Alberto Gonçalves
DN, 18/12/16      -    Dias Contados
Convidaram-me para discutir no Expresso da Meia-Noite as dificuldades de Pedro Passos Coelho em aguentar-se na liderança do PSD. Não fui, mas já que há interessados na minha opinião, ei-la.
Critiquei muito o dr. Passos Coelho quando, aí por 2008, ele era a oposição dentro do partido, e quase tanto quando, pouco depois, ele se estreou na oposição ao governo. À época, se a memória não me falha, achei-o demasiado tolerante perante os perigosos desvarios do eng. Sócrates. Cheguei a achá--lo ao serviço do eng. Sócrates, um exagero justificado de início pelos elogios do dr. Soares (por exemplo) e pelo empenho com que combatia a dra. Ferreira Leite, além das duvidosas companhias que o rodeavam.
Ao contrário do que sucedeu com parte destas, em debandada mal perceberam que não influenciariam o poder, adquiri uma espécie de simpatia pelo dr. Passos Coelho no tempo em que foi primeiro-ministro. Embora a aplicação parcial das medidas da troika - as quais nos livraram provisoriamente da bancarrota - se ficasse pela superfície e não beliscasse os hábitos da casa e do Estado, pareceu-me que a oportunidade desperdiçada se deveu menos ao dr. Passos Coelho do que ao entulho partidário e ao "sistema" que o tolhiam. Hoje, altura em que, sob a aprovação do "sistema", o entulho volta a agitar-se para trocar de chefe, tenho dele a melhor das impressões que se pode ter de um político: por comparação, não é mau de todo.
Se fosse, não causaria o vasto incómodo que por aí se observa. É impressionante a quantidade de vozes que se levantam, ou conspiram baixinho, para exigir o sumiço do dr. Passos Coelho. Dos "barões", "notáveis", "ilustres" e anónimos do PSD, ansiosos por voltar a partilhar o bolo, a emissários assumidos ou dissimulados da esquerda, meio mundo roga ao dr. Passos Coelho que saia do caminho, o caminho dourado da União Nacional. Existe a convicção generalizada de que o homem é um desmancha-prazeres e o último obstáculo a celebrarmos em consenso o país da abundância e dos "afectos". O problema é o país da abundância e dos "afectos" ser uma mentira, uma estratégia que conta com a anestesia geral para despedaçar a sofrível herança anterior a benefício das clientelas, do sucesso eleitoral e, pior, de alucinações ideológicas.
Não sei se, por este andar, o dr. Passos Coelho vai a algum lado. Sei que a sua teimosia em denunciar, nem sempre com assiduidade ou eficácia, a desgraça iminente é uma alusão constante de que nós podíamos ter ido. E de que, se não fomos, a culpa é nossa. Aparentemente sozinho, o dr. Passos Coelho recorda-nos que não há soberania, progresso e outras coisas assim lindas sem responsabilidade, realidade e a dose necessária de sacrifício. Donde o ódio que suscita.

Domingo, 11 de Dezembro
Carros de assalto
Em 2013, no auge da Era das Trevas, vulgo "governo de direita", o dr. Costa levantou-se metaforicamente na Quadratura do Círculo para declarar que "o desprezo pelos idosos" se estava a tornar "insuportável". Felizmente, hoje Portugal voltou a dispor de um poder político que presta atenção aos mais velhos. Entre outras dádivas, vai obrigar os condutores acima dos 65 anos a pagar aulas de "formação" se quiserem renovar a carta de condução. O dr. Costa - ou alguém por ele - lembrou-se dos idosos e concluiu que são taralhoucos.
A verdade é que as estatísticas não mentem: dos 593 mortos nas estradas nacionais em 2015, 29% pertenciam ao segmento etário em causa (o qual representa apenas uns 20% da população). Mas as estatísticas também não ajudam: quase metade dos "seniores" (os eufemismos são às resmas) falecidos foram atropelados, o que não só permite suspeitar que, pelo menos ao volante, os elementos da "terceira idade" (eu não disse?) possuem uma destreza idêntica às idades restantes como suscita dúvidas acerca da utilidade da "formação" citada. Se calhar, os cidadãos avançados em anos (isto já é excessivo) carecem é de aulas para andar a pé. E se o governo perceber que lhes pode arrancar uns trocos à conta disso, de certeza que as terão.
Os anciãos (chega, não chega?) devem estar cheios de saudade do tempo em que ninguém lhes ligava nenhuma. Mas aquilo é gente saudosista por natureza.

Sexta-feira, 16 de Dezembro
Paraísos policiais
Nem menciono os cidadãos de origem portuguesa hospedados em cadeias venezuelanas por razões políticas. Mas sabem dos três enviados da SIC e do Expresso presos em Cuba sem razão aparente? Provavelmente, não, já que por cá o assunto mereceu atenção idêntica à dedicada ao campeonato paquistanês de críquete. De qualquer modo, o PSD, com a escassa moral que lhe resta após tolerar o lamento parlamentar por Fidel, apresentou um voto de protesto contra o sucedido. O voto mereceu o apoio do CDS, a oposição do PCP e a abstenção de PS e BE. É como defender a "causa" homossexual enquanto se venera a Palestina: os famosos "direitos humanos" terminam logo que começa a afinidade ideológica. Para o que importa, os eleitores radicalmente distraídos ficam então informados de que a maioria dos seus representantes na AR acha muitíssimo bem, ou pelo menos não se importa, que jornalistas sejam detidos à toa. Também convinha que alguém informasse os jornalistas.

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