terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Lasciate ogni speranza



Os comentadores deste texto, que estive a ler, dum modo geral concordam com o que António Barreto escreveu. Há quem aponte falhas de referências – a Sócrates, por exemplo - há quem conteste a respeito de Passos Coelho, que ficará nesta história como aquele que tentou escrupulosamente resolver, mas sempre acusado de subserviência num acordo que teve que cumprir,  há quem refira Salazar, que também tentou e mais ou menos conseguiu, mas que inegavelmente permanece na recordação das gentes como o homem que “reduziu” o país ao ostracismo da mediania e da miséria social (esquecidos de que o sarro e a miséria social veio percorrendo toda a nossa história, que uma educação fechada ao progresso e à consciência dos valores da dignidade reduziu à mândria e à pedincha de muitos, em escasso orgulho próprio, por não fazer parte das normas cívicas o respeito por esses valores. Há, assim, quem culpe a grei, caso de Fernanda Salazar Louro, de que transcrevo um excerto do seu comentário:
«- Um povo que é intrinsecamente corrupto.
A quantidade de "esquemas" que têm sido postos a nu são a prova de que não é um ou dois, são todos aqueles que se abeiram da mesa do sr. erário e um povo que assiste impávido e sereno, muito mais preocupado com o resultado do Benfica, que com as barrigas cheias de todos aqueles que se apropriam e os que deixam apropriarem-se daquilo que deveria ser de todos! Temos "reguladores" que são inflexíveis se apanham algum "pé rapado" a fugir a todas as normas, regras e leis mas que se mostram cegos, surdos e mudos quando os prevaricadores pertencem "ao sistema". Só um povo intrinsecamente corrupto elege corruptos para dirigirem os seus próprios destinos, porque está sempre à espera de não perder a "cunha do primo", que é muito amigo da prima! Mas não importa, se o deixarem discutir os resultados do Benfica! Estão a prejudicar o futuro dos seus filhos e netos? Não faz mal, desde que o Benfica ganhe!

É certo que as generalizações  são ofensivas porque  abrangentes, sabendo nós quanto elas não assentam na totalidade dos indivíduos dessa grei, que tantos diferem nesse cômputo de mândria ou de corrupção ou de interesses espirituais limitados.  Mas quando vejo os imensos programas ou páginas mediáticas discorrendo sobre o futebol, sinto uma espécie de impotência e a mesma indignação que o texto de Fernanda Salazar Lobo deixa transparecer, e a mesma tristeza do de António Barreto, nesta invasão de ratos da nossa cidade de Hamelin que não há flautista que expulse e afogue de vez:

Responsabilidades
António Barreto
DN, 18/12/16   -   Sem Emenda
As recentes intervenções de António Costa, Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Mário Centeno, Mario Draghi, Vítor Constâncio, Juncker, Dijsselbloem, Durão Barroso e outros de anteriores governos têm o condão de esclarecer situações sobre as quais havia dúvidas.
Que revelação nos foi oferecida por estas personalidades de excepcional peso político? Foi-nos demonstrado que ninguém assume responsabilidades, que ninguém entende ser verdadeiramente autor e responsável pelo que se fez nos últimos anos de vida económica e financeira. Entre o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, o Eurogrupo, o governo português e o Ministério das Finanças, assistimos à mais monumental cena de passa--culpas de que os contemporâneos podem ser testemunhas.
Demasiada austeridade? Uso insuficiente dos fundos europeus para resgates e capitalização? Ausência de investimento e de medidas compensatórias? Ataques aos pensionistas e aos funcionários públicos? Afastamento das empresas? Favoritismo na selecção? De tudo isso, os culpados são peças de um carrossel de irresponsabilidade. Mas são sempre os outros!
Há uma espécie de covardia política nas instituições nacionais e europeias que atinge as raias da obscenidade. Infelizmente, parece não haver qualquer maneira de forçar à correcção, de castigar quem errou, de obrigar à autocrítica, de retirar poderes e confiança política... À entrada da porta da responsabilidade política, é melhor despir toda a esperança, abandonar todas as ilusões...
A culpa é do Fundo Monetário Internacional. Ou da Comissão Europeia. Ou do Banco Central Europeu. Ou do governo anterior. Ou do actual. Ou do Banco de Portugal. Tem de ser de alguém. Que errou. Que se enganou. Ou que desejou esta política que deu mau resultado. Nem seria necessário um culpado, bastaria um autor. Mas há evidentemente o "sistema". Em especial o sistema de duplas soberanias (nacional e europeia) e de democracia limitada. Que tudo leva a crer que esteja a chegar a seu termo, mas que se prepara para deixar mortos e feridos pelo caminho.
Se deixarmos estas grandes narrativas internacionais e europeias, se viermos a casa, não falta matéria para ilustrar esta tão insólita e nefasta noção de responsabilidade. Ou antes, de irresponsabilidade.
Os episódios da banca, os disparates do Banif, do BPN, do BES e da CGD que levaram a créditos malparados e que exigem agora verbas astronómicas de capitalização e de cobertura de prejuízos, os empréstimos de favor a amigos para influenciar o sistema bancário e tantas decisões pouco fundamentadas deveriam ter assinatura, algures, deveriam ter identidade e responsabilidade anexas ao processo. Mas não, a responsabilidade fica no "sistema", esta que é a entidade mais famigerada da vida nacional, responsável pelas avarias da electricidade, as facturas erradas dos telefones, os exageros na conta do gás, os atrasos nos centros de saúde e a desordem na educação. É o "sistema".
Também os recentes incidentes dos malfadados swaps, verdadeiros instrumentos de roleta e extorsão, que vão custar centenas de milhões aos contribuintes, deveriam trazer amarradas aos processos umas etiquetas com a identidade dos signatários, a fim de percebermos o porquê e o quem destes prejuízos.
Evidentemente, o que acima se diz aplica-se também às PPP, as famosas e sedutoras parcerias público-privadas, que vão custar centenas ou milhares de milhões, não ficando os contribuintes, que tudo vão pagar, a saber quem é responsável. O que era essencial, até porque um dia destes, os mesmos que afundaram a banca, que extorquiram o contribuinte, que erraram nos seus programas económicos, que prestaram favores ilegítimos, que por vezes se ajudaram e ajudaram os seus amigos, esses mesmos se preparam para voltar a atacar, mais dia menos dia, mais governo menos governo. Se ao menos estivéssemos prevenidos..

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