Realmente, nem custou assim tanto, cá vamos andando,
admirando e receando sempre, mas até satisfeitos com a energia que ressalta
sempre das palavras de António Costa. E continua a prometer e a gente gostaria
que assim fosse como ele diz, mas ao que se diz, a dívida vai aumentando e
nunca estamos mesmo tranquilos, assim ao estilo de António Nobre, receosos de que
nos suceda como ao seu D. Enguiço: “Mas os comboios descarrilavam, / Mas os
paquetes iam ao fundo”…
Mas o António Nobre era um pessimista. Para que nos
serve então a Senhora de Fátima? Ela tem a obrigação de nos proteger nas nossas
legítimas aspirações a um viver remediado, mesmo que seja por conta alheia,
coisa que, diga-se de passagem, não acontecia no tempo do ditador Salazar, que
era um fuinha mas poupou e pagou sempre as contas das dívidas da 1ª República,
toda a gente sabe disso, mas não se importa. Agora vivemos melhor. Costa
promete e vai cumprir, que anda feliz e o nosso Presidente também, e eles devem
saber o que se passa, até já têm presidente para a Caixa, que também vai ganhar
bem e não faz questão em mostrar as suas contas, pelo menos por enquanto, contrariamente
aos outros, que se importaram e por isso se despediram, bem aviados, e o meu
marido diz que eles, os do Governo, vão
recapitalizar a Caixa e ficamos mais tranquilos, embora não se saiba como a vão
recapitalizar, mas Costa deve saber, que anda contente, João Miguel Tavares é
que é muito desconfiado, mas temos sempre o Creio em Deus Pai para nos
fortalecermos nas dúvidas e talvez nas dívidas.
Ai aguenta, aguenta – um ano de Governo Costa
João Miguel Tavares
Público, 26 de Novembro de 2016
Foi
Fernando Ulrich quem popularizou a frase “Ai aguenta, aguenta”, mas foi António
Costa quem a pôs em prática, com a preciosa ajuda de Pedro Passos Coelho e de —
há que admiti-lo — pessoas como eu, que jamais acreditaram que o acordo que
Costa assinou com as esquerdas numas salas esconsas do Parlamento viesse a ter
qualquer tipo de solidez. Ele fez do “Ai aguenta, aguenta” o lema do seu
Governo: aguentou, e, por isso, ao fim de um ano de governo, não precisa sequer
de celebrar o que fez, porque lhe basta celebrar que está vivo. Que António
Costa chegasse até aqui nunca duvidei, porque sempre lhe reconheci abundantes
qualidades políticas e nunca me pareceu que o Governo durasse apenas seis
meses. Que António Costa chegasse até aqui tão fresco e viçoso, e com sondagens
a colocarem-no à beira da maioria absoluta, isso, de facto, nunca imaginei — e
tiro-lhe o chapéu.
Claro
que, visto a um ano de distância, é necessário reconhecer que a malta da
direita lhe facilitou a vida. Como poucos acreditavam que esta solução
governativa funcionasse, o seu simples funcionamento é uma tremenda vitória. Costa
chamou “virar a página da austeridade” à transferência de impostos directos
para impostos indirectos e, espantosamente, Bloco, PCP e metade do país
engoliram a patranha. Mas, consciente da fragilidade da solução política, nunca
saiu do modo eleitoral. Há 15 meses que está em campanha. Contem o número de
entrevistas que António Costa deu ao longo de 2016 e comparem-no com outros
primeiros-ministros no seu primeiro ano de mandato. Juntem--lhe Pedro Nuno
Santos. Foram dezenas e dezenas de entrevistas, com o Governo em propaganda
permanente.
É
uma situação inédita, a deste Governo tântrico, que tenta atingir o máximo
prazer com o mínimo movimento. Governar é repor, e as reposições são uma
tragédia para o país. Mas, por enquanto, Portugal está na situação do suicida
que se atirou do telhado e ainda não bateu no chão. A vista é simpática, há uma
aragem fresca, e ele pode dizer, como no filme de Kassovitz, “até aqui tudo
bem”. É esse o actual estado do país, com os portugueses entretidos a apreciar
a paisagem e a bonomia do primeiro-ministro, enquanto aceleram em direcção a um
novo resgate. Convém que ninguém se equivoque. Com estas políticas, esta
incapacidade de reformar o Estado e de diminuir o seu peso na economia, esta
falta de visão para um país enjaulado numa dívida de 133% do PIB, o embate
contra o chão é uma certeza. Ele vai acontecer. Só não se sabe quando.
E
é em cima desta certeza incerta, que advém de não se saber quando, que o
jogador António Costa está a colocar todas as suas fichas. Se por acaso o
Governo cair, e num truque de magia Costa conseguir atribuir a culpa a todos os
outros menos a ele, ganhando uma maioria absoluta para o PS após novas
eleições, com a qual lideraria finalmente um governo reformista, aí sim,
António Costa mereceria ser considerado o génio político português do século
XXI. Num golpe de magia, teria utilizado a sua esquerda para trepar para o
governo, deixava-a cair quando dela já não precisava, e a partir daí conseguia
reinar sozinho e devolver o país à prosperidade que nunca teve. Era bonito, não
era? Era. Infelizmente, eu não acredito num Pai Natal puxado por vacas
voadoras. Que tantos portugueses acreditem só demonstra que no essencial ainda
somos o mesmo país que passou duzentos anos à espera de D. Sebastião. Boa sorte
para todos. Bem precisamos.
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