quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Meninos do Huambo só na canção



Numa Europa espartilhada em Estados mais ou menos independentes, cada um esforçando-se por fazer face às complexidades próprias, houve de repente um projecto de união e de entreajuda financeira, além da exploração de uma bonita doutrina de solidariedade à maneira da dos Três Mosqueteiros Unus pro omnibus, omnes pro uno, projecto que sempre excluiu a Turquia, em parte por contrastes de religião não admissíveis numa união apoiada em preceitos de cristianismo. Os desencontros na tal União são muitos, as velocidades diferentes, a saturação também, dando origem a baixas, havendo quem não soube gerir com sensatez a sua parte de responsabilidade no projecto, por se considerar exclusivamente como unidade a merecer o apoio incondicional da pluralidade, criança pouco sadia, no seu manquejar ad aeternum. É o nosso caso. A Turquia esteve à parte do projecto, avessa ao Unus pro omnibus de povo trabalhador e com preceitos religiosos específicos, de nação que progride bem na sua ilha isolada, que para sobreviver o faz com punhos de ferro. É o caso deste presidente, que pretexta atentados para poder limpar-se de opositores que lhe fazem frente. O texto da Editorial bem o informa, atacando a ditadura de Erdogan, que é rei na sua ilha isolada, e cujo problema, parece-me, ao contrário do que informa a Editorial, é mesmo esse de ser muçulmano e isso o faz ser repelido da União dos povos europeus. Por isso ele é dono e senhor do seu espaço, “ditador exemplar” à maneira de tantos outros que o foram e são ou que se desenham no mundo a vir.
O ditador exemplar
Público, 03/11/2016  - Editorial
O problema da Turquia não é, nunca foi, ser muçulmana. Essa é aliás uma das suas vantagens. O problema da Turquia é ter líderes incapazes de merecer a grandeza da nação.
Já não são só tiques autocráticos. Recep Erdogan, Presidente da Turquia, está a consagrar-se como um ditador moderno exemplar. A coberto da democracia, e em nome da sua defesa, está a matar todas as liberdades republicanas que subsistiram por cem anos numa nação extraordinária – que vai demorar décadas a recuperar.
Na semana passada, o Parlamento Europeu perdeu uma excelente oportunidade de chamar a atenção para a situação na Turquia aquando da atribuição do prémio Sakharov, mas agora os Repórteres Sem Fronteiras fizeram questão de dar justiça às vítimas do regime autoritário que vigora em Ancara. Recep Erdogan ganha o cognome de Predador da Imprensa e fica, como é merecido, ao lado de personagens tão odiosas como Robert Mugabe, Salva Kiir, Ali Khamenei e Nicolás Maduro.
O regime pseudo-democrático em vigor já vergou as oposições, dominou os tribunais, subjugou os militares e amordaçou os jornalistas. Sabe-se agora a dimensão da purga: 170 títulos de média fechados, 200 jornalistas presos, regime generalizado de medo e pressão sobre apoiantes da liberdade de imprensa. Na Turquia, a imprensa livre é a estrangeira, que tem cada vez menos acesso ao que acontece nos meandros do poder.
É verdade que as guerras no Iraque, Afeganistão e Síria não deixaram grande margem à União Europeia – e à NATO – para forçar mudanças na Turquia. Mas o estado comatoso da democracia turca vai pôr em causa a evolução de uma Europa que tem forçosamente de olhar mais para fora e menos para dentro.
A Turquia chegou a ser um exemplo recomendado para os países árabes em termos de tolerância, democracia e desenvolvimento. Agora já não. É um estado autocrático a caminho do isolamento, da brutalização das minorias e da supressão das liberdades democráticas. E para complicar mais as coisas, Erdogan anunciou querer agora recuperar a pena de morte – não só para garantir que enterra de vez o dossier da hipotética adesão à União Europeia, como para ter mais um instrumento para consolidar o seu reino de terror. E bastará uma mão cheia de assassínios patrocinados pelo estado para silenciar definitivamente a oposição e mover a Turquia na geografia das nações – para longe de Bruxelas e perto da Riad. 

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