Numa
Europa espartilhada em Estados mais ou menos independentes, cada um
esforçando-se por fazer face às complexidades próprias, houve de repente um
projecto de união e de entreajuda financeira, além da exploração de uma bonita
doutrina de solidariedade à maneira da dos Três Mosqueteiros Unus pro
omnibus, omnes pro uno, projecto que sempre excluiu a Turquia, em parte por
contrastes de religião não admissíveis numa união apoiada em preceitos de
cristianismo. Os desencontros na tal União são muitos, as velocidades
diferentes, a saturação também, dando origem a baixas, havendo quem não soube
gerir com sensatez a sua parte de responsabilidade no projecto, por se
considerar exclusivamente como unidade a merecer o apoio incondicional da
pluralidade, criança pouco sadia, no seu manquejar ad aeternum. É o
nosso caso. A Turquia esteve à parte do projecto, avessa ao Unus pro omnibus
de povo trabalhador e com preceitos religiosos específicos, de nação que
progride bem na sua ilha isolada, que para sobreviver o faz com punhos de
ferro. É o caso deste presidente, que pretexta atentados para poder limpar-se
de opositores que lhe fazem frente. O texto da Editorial bem o informa,
atacando a ditadura de Erdogan, que é rei na sua ilha isolada, e cujo problema,
parece-me, ao contrário do que informa a Editorial, é mesmo esse de ser
muçulmano e isso o faz ser repelido da União dos povos europeus. Por
isso ele é dono e senhor do seu espaço, “ditador exemplar” à maneira de tantos
outros que o foram e são ou que se desenham no mundo a vir.
O
ditador exemplar
Público, 03/11/2016 - Editorial
O problema da
Turquia não é, nunca foi, ser muçulmana. Essa é aliás uma das suas vantagens. O
problema da Turquia é ter líderes incapazes de merecer a grandeza da nação.
Já não são só tiques autocráticos. Recep
Erdogan, Presidente da Turquia, está a consagrar-se como um ditador moderno
exemplar. A coberto da democracia, e em nome da sua defesa, está a matar todas
as liberdades republicanas que subsistiram por cem anos numa nação
extraordinária – que vai demorar décadas a recuperar.
Na semana passada, o Parlamento Europeu
perdeu uma excelente oportunidade de chamar a atenção para a situação na
Turquia aquando da atribuição do prémio Sakharov, mas agora os Repórteres Sem
Fronteiras fizeram questão de dar justiça às vítimas do regime autoritário que
vigora em Ancara. Recep Erdogan ganha o cognome de Predador da Imprensa e fica, como é merecido, ao lado de
personagens tão odiosas como Robert Mugabe, Salva Kiir, Ali Khamenei e Nicolás
Maduro.
O regime pseudo-democrático em vigor já
vergou as oposições, dominou os tribunais, subjugou os militares e amordaçou os
jornalistas. Sabe-se agora a dimensão da purga: 170 títulos de média fechados,
200 jornalistas presos, regime generalizado de medo e pressão sobre apoiantes
da liberdade de imprensa. Na Turquia, a imprensa livre é a estrangeira, que tem
cada vez menos acesso ao que acontece nos meandros do poder.
É verdade que as guerras no Iraque,
Afeganistão e Síria não deixaram grande margem à União Europeia – e à NATO –
para forçar mudanças na Turquia. Mas o estado comatoso da democracia turca vai
pôr em causa a evolução de uma Europa que tem forçosamente de olhar mais para
fora e menos para dentro.
A Turquia chegou a ser um exemplo recomendado
para os países árabes em termos de tolerância, democracia e desenvolvimento.
Agora já não. É um estado autocrático a caminho do isolamento, da brutalização
das minorias e da supressão das liberdades democráticas. E para complicar mais
as coisas, Erdogan anunciou querer agora recuperar a pena de morte – não só para garantir que enterra de vez o
dossier da hipotética adesão à União Europeia, como para ter mais um
instrumento para consolidar o seu reino de terror. E bastará uma mão cheia de
assassínios patrocinados pelo estado para silenciar definitivamente a oposição
e mover a Turquia na geografia das nações – para longe de Bruxelas e perto da
Riad.
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