sábado, 19 de novembro de 2016

Entre o sono e o sonho



As notícias sobre a nossa situação financeira – ou pelo menos sobre a opinião dos DDT europeus a respeito da nossa progressão financeira – deixaram-me muito optimista, para não dizer verdadeiramente feliz, e desta feita até mais concordante com o discurso de paixão entusiástica de Jorge Coelho no trio da nossa Quadratura - José Pacheco Pereira explorando altivamente o seu insaciável discurso opositor, desconhecendo a gente se ele está a ser mesmo sincero quando parece repelir a boa nova, só para não descer do seu trono de sábio acima da maralha ignara que só quer crer, mesmo sem ver, Lobo Xavier separando as águas, nos prós e contras da sua descodificação ponderada. Cá por mim, que pertenço à maralha, só desejo que o sorriso simpático e desprotegido do nosso ministro das finanças, Mário Centeno, se mantenha, para nos amparar nos nossos défices. Mas o que eu desejaria mesmo é que os homens que fizeram algo por este país – Passos Coelho e António Costa – se deixassem de tricas e unissem esforços na tentativa de elevar o nosso país não direi a um Eldorado utópico, mas a um país de trabalho real e préstimo, dando as mãos e dando o exemplo. Não, não é um Palácio da Ventura irreal como o de Antero que sonho para nós:

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d'ouro com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

Não é também o sentido derrotista de “Vaidade” do sonho de Florbela, embora de conclusão falsamente negativa a respeito do seu valor próprio:

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...
                                        E não sou nada!...

 E “já que estamos nas covas do mar”, não quero equiparar-nos também ao nosso modelo do desespero - um Bocage arrependido, na aflição do embarque final:
Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões, que me arrastava;
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
Existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe a Natureza escrava
Ao mal, que a vida em sua orgia dana.
Prazeres, sócios meus, e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, oh Deus!... Quando a morte à luz me roube,
Ganhe um momento o que perderam anos,
Saiba morrer o que viver não soube.

Mas desta vez não gostei da frase de Lobo Xavier – creio que foi dele – “Há coisas tão importantes a acontecer no resto do mundo e nós estamos a tratar do nosso umbigo”.
É verdade. E sempre foi assim. Passam-se coisas terríveis lá fora que nos interessam também. Mas o nosso umbigo é capital. E se alguma coisa boa se passa cá dentro, é preciso reconhecê-lo. E apoiá-lo. E dar o dito por não dito, como seria bonito fazer. Todos por um. Pelo nosso país. Pela nossa gente.
Entre o sono e o sonho. Entre o real da derrota e a ambição da vitória. O real da mudança, o real de uma maior consciência.

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