São as Tabaqueiras que
informam que «Fumar
mata», os textos
que seguem são menos drásticos, pois só falam de mutações genéticas causadas
pelo tabaco. Por isso julgo que o resultado das advertências, que neles estão
subentendidas, causará o mesmo efeito que
o aviso dos maços de tabaco, para mais agora, que conhecemos melhor as
precariedades da vida, com o homem a destruir a Terra e o Espaço que o rodeia (mesmo
sem esses descuidos ligados à limitação de conhecimento de maneiras e de cidadania,
que até nos envergonham a nós, portugueses, que deixamos plásticos e outras porcarias
nas praias para os peixinhos ou as baleias sufocarem) – e sabemos melhor quão
inseguros se vive com o espectáculo das galáxias, a distenderem-se
continuamente, que é um ver se te avias perfeitamente obsceno, sem sabermos
onde se vai parar.
Por isso os avisos dos artigos
seguintes – o segundo uma entrevista na I a um jovem participante na descoberta, Ludmil Alexandrov, acerca das muitas mutações genéticas causadas apenas
por um maço de tabaco por dia – não surtem o efeito desejado, para mais que
todos conhecemos casos de gente inocente do crime de fumar – até criancinhas
pequenas, horror dos horrores – e que morreram ou estão condenadas pela doença. Além de que temos um "livre alvedrio" isento, forro, poderoso", para podermos decidir as nossas opções. O que era preciso mesmo é chegar
depressa à descoberta da cura do cancro.
Toda a gente sabe também quanto a droga destrói, mas os países vão
fechando os olhos à sua difusão que rende muito dinheiro, fingindo, no entanto,
persegui-la e condenar os que a difundem, muitas vezes mesmo os responsáveis
pela sua detecção, fechando os olhos a troco de participação nos lucros… Talvez
o mesmo se passe com as Tabaqueiras. Julgo que fornecem bons impostos ao Estado.
E os fumadores assim se tornam bons
protectores das finanças públicas, o que é heroicidade a sublinhar.
O homem precisa dos prazeres
da vida, apesar dos riscos. Já o dizia Álvaro de Campos, explorador como
ninguém da relatividade apensa ao sentido da inutilidade, e ao repúdio dos
conceitos: “Enquanto o Destino mo conceder, continuarei
fumando.” Hoje, talvez mais ainda…
1º Texto
Um maço de tabaco por dia
causa 150 mutações genéticas por ano nos pulmões
Teresa Serafim
Público, 03/11/2016
Pela primeira vez, estabeleceu-se uma ligação directa
entre o número de cigarros fumados e o número de mutações que isso provoca no ADN
e que, mais tarde, poderão terminar em cancro.
Que o tabaco mata já não é novidade. Que o cancro é causado
por mutações no ADN também já se sabia. O que agora se encontrou pela
primeira vez foi uma relação directa entre o número de cigarros fumados e o
número de mutações no ADN. Se fumar um maço de cigarros por dia, ao fim de um
ano terá provocado nas células dos seus pulmões, em média, 150 mutações
genéticas, o que aumenta o risco de cancro – conclui este trabalho publicado esta
sexta-feira na revista Science.
Se
há produto constituído por substâncias tóxicas e irritantes, é um cigarro. Ao
todo, têm cerca de 7000 substâncias químicas, 70 das quais são cancerígenas.
Nas estimativas da Organização Mundial da Saúde, todos os anos morrem pelo
menos seis milhões de fumadores e até ao final deste século prevê-se que sejam
mais de 1000 milhões.
Uma
investigação científica coordenada pelo Laboratório Nacional de Los Alamos
(Estados Unidos) e pelo Instituto Sanger (Reino Unido), em colaboração com
investigadores do Japão, da Coreia do Sul, de Itália e da Bélgica, identificou
algumas mutações genéticas provocadas pela exposição, tanto directa como
indirecta, ao fumo do tabaco.
“Até
agora, tínhamos um largo corpo epidemiológico sobre a relação do fumo com o
cancro. Neste momento, também observámos e quantificámos as mudanças
moleculares no ADN para quem fuma cigarros”, sublinha em comunicado um dos
autores do estudo, Ludmil Alexandrov, investigador de Los Alamos.
Ao
todo, a equipa sequenciou o genoma de 5243 cancros. Os cientistas conseguiram
determinar que, entre as pessoas que tiveram aqueles cancros, havia 2490
fumadores e 1063 não fumadores e foram estes dois grupos que foram comparados.
Quais são então as diferenças nas células dos fumadores e dos não fumadores? E
a conclusão a que se chegou, usando um software para reconhecer padrões nas
mutações genéticas, é que essas mutações são mais elevadas nos fumadores. Num vídeo, Ludmil Alexandrov explica a
investigação.
O
número de mutações nocivas causadas pelo tabaco é alarmante, sobretudo nas
células dos pulmões, onde os cientistas contabilizaram as já mencionadas 150
alterações genéticas. “Este número é extremamente elevado e aumenta enormemente
o risco de desenvolver cancro dos pulmões nos fumadores”, frisa Ludmil
Alexandrov ao PÚBLICO.
Um
maço de tabaco por dia também é responsável por mutações genéticas noutros
órgãos ao final de um ano, concluiu ainda esta investigação: em média, 97
na laringe, 39 na faringe, 23 na boca, 18 na bexiga e seis no fígado.
Neste
momento, o tabaco está ligado a 17 tipos de cancros. Ao longo do estudo,
identificaram-se mais de 20 mutações específicas associadas a esses 17 cancros.
Essas mutações são assinaturas deixadas no ADN pelo tabaco. Contudo, apenas
cinco destas mutações são muito frequentes nos fumadores.
Uma
dessas mutações genéticas, que os cientistas designaram como “assinatura 4”,
resulta mesmo da exposição directa ao fumo do tabaco – ou seja, os danos no ADN
são provocados por substâncias cancerígenas contidas no cigarro, como o benzopireno.
“As mutações da assinatura 4 também detectadas em cancros da cavidade oral,
faringe e esófago, embora em número muito mais pequeno do que nos cancros dos
pulmões e da laringe, talvez devido a uma exposição mais reduzida ao fumo do
tabaco”, lê-se no artigo científico.
Outra
mutação salientada na investigação é a número 5. Previamente descoberta
num outro estudo, também no Laboratório Nacional de Los Alamos, esta alteração
vai geralmente ocorrendo em todas as células do corpo e com a regularidade
conhecida de um relógio. Só que a mutação número 5 é mais rápida nos
fumadores do que nos não fumadores, explica um comunicado do Laboratório
Nacional de Los Alamos.
Saber para prevenir
“Os
resultados são uma mistura de esperado e inesperado, e revelam um retrato dos
efeitos directos e indirectos [do tabaco]. As mutações causadas por danos
directos no ADN pelos carcinogénicos do tabaco foram observadas principalmente
nos órgãos em contacto directo com o fumo inalado”, salienta outro dos
autores do estudo, David Phillips, do King’s College de Londres.
E
para quem é “apenas” um fumador social? Fumar um ou dois cigarros
de vez em quando também origina mutações no ADN, responde-nos Ludmil
Alexandrov. “Um simples cigarro pode causar algumas – embora muito poucas –
mutações”, salienta o investigador. Mas o risco de as mutações provocadas pelo
tabaco virem a resultar em cancro é menor. “Fumar 50 cigarros ao longo da vida
resulta, em média, em uma mutação.”
Para
além da relação entre o tabaco e o cancro, detectadas ao nível das mutações
genéticas que o fumo provoca, este tipo de estudos pode ser aplicado
para descortinar a genética envolvida noutros factores de risco oncológico,
como a obesidade e a alimentação. “Poderá ser um contributo para a
descoberta de outras causas de cancro”, diz ainda Ludmil Alexandrov.
Ter
agora a noção do número de mutações genéticas causadas pelo tabaco pode também
ser um argumento de peso usado na prevenção do tabagismo. Para Charlie
McMillan, director do Laboratório Nacional de Los Alamos, este trabalho “impulsiona
o uso de software de reconhecimento de padrões na monitorização genética e
representa um avanço criativo na investigação do cancro.”
Mas
nem sempre o tabaco foi considerado nocivo. Esta planta veio da América para a
Europa, trazida na época dos Descobrimentos. Chegou a ser divulgada como uma
planta medicinal extraordinária. Mascado ou inalado, só nos finais do século
XIX o uso do tabaco em cigarros se expandiu na Europa.
E
se hoje não há dúvidas dos seus malefícios, nem sempre a indústria tabaqueira
assumiu essa realidade, como lembra o pequeno livro de divulgação Cancro
Ponto e Vírgula, editado em 2015 pelo Instituto de Patologia e Imunologia
Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup). “Demoraram [indústria
tabaqueira] cerca de 50 anos a admitir que o consumo de tabaco é prejudicial à
saúde”, lê-se na publicação, onde se encontra a ilustração de um cigarro, ao
qual se faz a “autópsia de um assassino”.
2º
texto: A entrevista a Ludmil Alexandrov
Ludmil
Alexandrov. “Fumar é como jogar à roleta-russa”
I, 15/11/2016
O
tabaco tem sete mil químicos, 70 cancerígenos. Um estudo publicado na “Science”
revelou os estragos que causa nas células e que aumentam o risco de mais de 17
cancros, sobretudo no pulmão. Pela primeira vez, os cientistas
conseguiram contabilizar o número de mutações no ADN que um fumador acumula ao
longo da vida. O i falou com o autor do trabalho, Ludmil Alexandrov, do
Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos
Ludmil
Alexandrov, o cientista por detrás da contagem, tem 30 anos e já foi
considerado um dos jovens investigadores mais promissores. Formou-se em
Ciências da Computação, mas preferiu a investigação em biomedicina ao mundo das
startups e das apps, nos últimos dias tão em voga em Lisboa. Numa entrevista ao
i, fala desse outro lado da programação.
Terminou o curso de Ciências da Computação em 2007. Como acaba a
fazer investigação em biomedicina?
A
minha formação inicial foi em ciência dos computadores, mas descobri muito cedo
que preferia os problemas biológicos.
Lisboa recebeu a Web Summit. Habituamo-nos a pensar nos geeks como
pessoas mais interessadas em desenvolver aplicações e negócios digitais. O que
o levou para outro caminho?
É
verdade que a maioria pensa nisso. Para mim, foi sempre foi claro que não iria
por aí. No desenvolvimento de software, uma pessoa programa algoritmos e
máquinas para fazerem aquilo que queremos que façam. Para um biólogo
computacional, a área em que me especializei, o objetivo é perceber como a
evolução programou as células e usar esse conhecimento para reprogramar as
células, os órgãos e os organismos para fazer aquilo que queremos que façam.
Pareceu-me mais entusiasmante.
Como começa a estudar o cancro?
Foi
durante o doutoramento no Wellcome Trust Sanger Institute. Hoje em dia, uma
grande parte da investigação em torno da genética do cancro precisa de
ferramentas poderosas de computação e novos algoritmos. À medida que aumentam
os dados de doentes, a investigação computacional acaba por tornar-se uma
componente essencial do trabalho dos cientistas.
Como conseguem mapear as mutações genéticas associadas à doença?
Sequenciamos
o ADN de doentes e dos tumores e usamos esses dados para detectar mutações,
variações no ADN. Por vezes são precisas semanas para desenvolver métodos
necessários para analisar os dados ou para perceber os resultados que estamos a
ter. São petabytes de informação.
Quais foram as suas maiores descobertas até agora?
Consegui
fazer o primeiro mapa do tipo de mutações que causam cancro em humanos, entre
os quais processos mutacionais nas nossas células com o funcionamento idêntico
ao dos relógios. Neste artigo mais recente identificámos os processos através
dos quais o tabaco causa cancro. O grande impacto vai ser ao nível da
prevenção: se conseguirmos perceber os mecanismos por detrás do cancro, podemos
desenvolver estratégias melhores para intervir mais cedo.
Como funcionam essas mutações que comparam a relógios?
São
processos que existem em todas as células e fazem com que estejam sempre a
surgir novas mutações, fruto do funcionamento normal das células, por exemplo
como resultado de ter sido gerada energia para as alimentar. Basicamente, isto
significa que temos um nível relativamente estável de novas mutações a cada ano.
Por exemplo, uma célula do cólon sofre 100 mutações por ano, o que significa
que uma pessoa com 60 anos tem 6 mil mutações em cada célula do intestino.
A menos que surjam fatores externos. No estudo sobre o tabaco, um
desses fatores, qual foi a conclusão mais surpreendente?
Conseguimos
identificar os diferentes mecanismos através dos quais o tabaco causa mutações
associadas ao cancro, desde danificar diretamente o ADN ao facto de ativar os
processos mutacionais dentro das células, o que mostra que tem diferentes
impactos. Por exemplo, os órgãos que não estão diretamente em contacto com o
fumo inalado não têm as mesmas marcas que encontramos nos pulmões. E
descobrimos que o tabaco parece acelerar o ritmo das tais mutações que se
acumulam ao longo da vida nas células dos fumadores.
E é por isso que os fumadores têm um risco de maior de desenvolver
diferentes cancros?
Sim.
Quanto mais mutações uma célula tem, mais hipóteses há de uma dessas
mutações ser um gene associado ao cancro e levar à doença.
Mas há um limite de mutações que uma célula consegue suportar antes
de se tornar cancerígena?
Há
cancros com muitos milhares de mutações nos seus genomas e outros com apenas
algumas centenas. É muito variável. Sabemos que quanto mais houver, maior o
risco, mas não há um limite que implique que a pessoa, a partir dali, vai ter
necessariamente a doença.
Descobriram que alguém que fume um maço de tabaco por dia tem 150
novas mutações por ano. O que seria normal?
Varia
de pessoa para pessoa, mas nas células dos pulmões, onde encontrámos essa taxa
de novas mutações nos fumadores, num ano, os processos celulares normais
levam-nos a acumular menos de 20 mutações, o que significa que estas mutações
devem explicar a grande maioria do risco acrescido de os fumadores terem cancro
do pulmão.
Além
do tabaco, que outros fatores levam a mais mutações no nosso ADN do que seria
expectável? No ano passado, a OMS alertou para o risco de comer carne vermelha
– é o mesmo efeito?
Até
agora sabemos que as mutações aumentam com a exposição a radiação, exposição à
luz ultravioleta do sol, ao consumo de produtos que contenham aflotixinas e
outros produtos tóxicos. Em relação à carne vermelha, ainda não temos a certeza
se o efeito é este.
Haverá sempre fumadores que não têm cancro e pessoas que nunca
fumaram e têm. Os vossos resultados ajudam a perceber melhor este paradoxo?
Há
sempre um elemento de sorte no cancro. Podemos pensar no tabaco como jogar à
roleta-russa. Quanto mais joga, maiores as hipóteses de as mutações acertarem
nos genes certos e de a pessoa desenvolver a doença. Isto é o que sabemos. Mas,
apesar disto, haverá sempre pessoas com sorte que fumam muito e as mutações não
acertam nos genes. Como haverá sempre pessoas com menos sorte que nunca fumaram
mas em que as mutações que resultam de processos celulares aleatórios acertam
nos genes associados à doença.
Não é estranho um cientista falar de sorte?
Pelo
contrário. A sorte, o acaso é algo que podemos classificar dessa forma porque
tem em conta as probabilidades. As hipóteses de ter um carcinoma das células
escamosas do pulmão são 112 vezes mais baixas nos não fumadores. Isto significa
que a maioria das pessoas com este tipo de cancro são fumadoras, mas também
que, por azar, uma pessoa pode ter este tipo de cancro sem nunca ter fumado.
Em 2014 foi distinguido pela “Forbes” como uma das 30 mentes mais
brilhantes com menos de 30 anos. Os investigadores jovens têm hoje mais espaço
para mostrarem o que valem?
O
ambiente académico continua a ser muito duro tanto para os jovens como para os
cientistas com mais experiência. Há muita pressão para nos candidatarmos a
bolsas todos os anos e para publicarmos o maior número de artigos possível.
Isto faz com que a ciência seja uma área altamente stressante e competitiva.
Para um cientista mais novo, continua a ser difícil seguir as próprias ideias
porque o financiamento acaba por ser ainda mais limitado.
Como conseguiu destacar-se tão cedo nesse tipo de ambiente?
Deixei
que as ideias me guiassem e tentei não perder a noção mais global daquilo que
quero fazer, da big picture. Mas só consegui tornar-me independente na
investigação nos últimos dois anos.
Nasceu na Bulgária. Tem planos para regressar ao seu país de
origem?
A
minha família veio para os EUA quando eu tinha 17 anos e estudei cinco anos em
Inglaterra. Neste momento não faria sentido, a minha família vive nos Estados
Unidos. Além disso, seria muito difícil, se não impossível, fazer este tipo de
investigação na Bulgária devido à falta de recursos e da infraestrutura
científica e ao financiamento.
Países pequenos como Portugal têm tido dificuldade em aumentar o
financiamento da investigação científica. Como vê o desafio de convencer os
governos a destinar mais dinheiro à ciência?
A
única forma de os países pequenos competirem no mercado global é através de
inovação. E a única forma de ser realmente inovador é ter ciência de ponta
devidamente financiada.
Está, pode dizer-se, ainda a começar. A que perguntas gostava de
conseguir responder um dia?
Gostava
de perceber de que forma a obesidade aumenta o risco de diferentes tumores,
como fizemos para o tabaco.
Como vê a eleição de Donald Trump? Há receios na comunidade
científica americana?
Foi
uma surpresa para a maioria das pessoas. Independentemente das opiniões de cada
um, acho que agora há um presidente eleito e que o país precisa de começar
lentamente a recuperar das divisões da campanha. No que diz respeito à
ciência, quero acreditar que tanto republicanos como democratas percebem a sua
importância e que vamos ter cada vez mais progressos no sistema científico.
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