sábado, 22 de outubro de 2016

«Islamofonia» em marcha


Ouço às vezes Marques Mendes, não tanto para me deliciar com um discurso cuja intelectualidade seja articulada em perfeito nexo vocabular e prosódico, como  é o de Pacheco Pereira, ou mesmo de Lobo Xavier, de pensamento certeiro e corajoso, na sua honestidade desmistificadora do pensamento criticamente elegante e nem sempre sério do primeiro ou mesmo do de Jorge Coelho, mais chão e de apego canino ao governo, cuja coligação não põe em causa - não tanto, pois, para usufruir desses prazeres solitários, que a Quadratura do Círculo me faz viver, mas para escutar um discurso despachado, de muitas certezas, em que às vezes me revejo, mas outras vezes me põe a considerar sobre as inúmeras asserções que Marques Mendes lança no seu diálogo veloz, sobre todas as questões que lhe são postas a que ele responde sem hesitação, como fazia Marcelo, embora com menos piruetas verbais do que este. Não, não sinto grande prazer no seu discurso despachado, mas apenas uma curiosidade normal, de quem vai aprendendo coisas e loisas que logo a seguir se esquecem.
Mas este artigo de André Macedo, que encontro no DN de hoje, trouxe-me a concordância imediata com o seu ponto de vista sobre aquele, denunciando, pela ironia, uma certa falta de lisura na sua parca sabedoria – que me parece mais fofoqueira do que assente num ponto de vista amadurecido pela análise e o estudo realmente sérios. Por esse motivo, o transponho para aqui, com prazer, descodificado o termo “fatwa” na Internet, como “resposta certeira segundo o Islão”.

As fatwas de Marques Mendes
André Macedo
DN, 22/10/16
Dizem por aí que o ministro da Economia vai ser corrido, deflacionado, vai ser deslocalizado, afastado por António Costa. Deve ser um problema da Economia, poucos lhe sobrevivem muito tempo, tenham ou não currículo para mostrar e algum trabalho feito no entretanto. Álvaro tinha apelido (Santos Pereira), não tinha era partido, não era militante do PSD, e então foi rapidamente chutado para França com a autoconfiança abalada. Felizmente, Paris opera maravilhas em qualquer alma, podia ter-lhe calhado destino pior.
Coube a Manuel Caldeira Cabral ocupar o mesmo lugar no governo seguinte. A acreditar no que diz Marques Mendes - no Marques Mendes que tem chapéu de comentador e outro de conferencista -, já não falta muito para acontecer a exoneração ministerial. Mendes não é o único a lançar a previsão, mas dita pela boca do antigo líder do PSD ganha outro peso. Acresce que entre os vários chapéus que ele acumula no armário, para usar consoante a ocasião e o interlocutor, há um que pertence ao Conselho de Estado, o Olimpo dos conselheiros do Presidente da República.
Deveria esta circunstância política, que também é uma enorme responsabilidade democrática, temperar-lhe um pouco as fatwas que lança? Um observador desinteressado diria que sim, mas Marques Mendes não parece preocupar-se muito. Pelo contrário, tira partido disso. Há ali, no que ele diz, uma sopa de letras com o perigo de acabar num refogado de interesses: algumas fatias de informação, um par de rodelas de opinião bem fininhas e meia colher de manipulação para apimentar.
O assunto pode ser a Galp, amanhã os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de futebol mais polémico - todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então, com a maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro sem ter de citar qualquer fonte, sem situar a origem da informação, sem essas maçadas todas que teoricamente fazem da informação o que é suposto ela ser: factos pesquisados, verificados e documentados, não apenas ouvidos a meio de um repasto. Mendes tem uma espécie de licença para matar - matar reputações, moer outras, promover algumas pelo caminho.
Faça-se no entanto justiça. Há outros como Marques Mendes, alguns até com menos talento para comunicar e uns poucos ainda a coberto da Carteira Profissional de Jornalista. O nosso conselheiro de Estado é só a fruta da época e quem sabe onde ele chegará..., como ele próprio diria num comentário bem calibrado sobre alguém, deixando nas entrelinhas o veneno da dúvida.
Pois eu não sei nem quero saber quais são os objetivos políticos que Marques Mendes tem, se é que os tem, mas não deixo de notar o equívoco do que ele faz na área onde eu trabalho. Ele não esclarece os assuntos, posiciona os assuntos, fecha-lhes o ângulo de uma maneira muito especial e parcial. Dá a "notícia" e remata com a baliza aberta. Manuel Caldeira Cabral foi exonerado por Marques Mendes numa conferência que aconteceu nesta semana, não foi, portanto, na televisão, mas o estilo e o método são estes, só muda o cenário. A eficácia da mensagem é de elevado nível: muita gente acredita. Talvez isto seja apenas um espelho do país que somos. O jornalismo não fiscaliza o poder e os poderosos, serve de barriga de aluguer e também por causa disso enfraquece-se todos os dias.
Mas o mais interessante disto é que Mendes, acertando algumas vezes - e acertou em cheio na resolução do BES, o que diz muito sobre a irresponsabilidade de alguns dos nossos decisores políticos, línguas de trapo mesmo em assuntos tão delicados , Mendes, escrevia eu, também falha. Tenho bem consciente que já o vi atirar muitas vezes ao lado, horrivelmente ao lado, revelando-se incapaz de compreender o que aí vinha, mas ainda assim especulando com a assertividade dos eleitos que tudo podem saber com um par de telefonemas certeiros, até sobre geopolítica internacional.
Vivemos os anos dourados da opinião, não da informação. Esta coluna que escrevo é apenas um exemplo - espero que tenham alguma misericórdia ao lê-la -, embora venha embrulhada num jornal que o que tem mais são notícias, entrevistas e reportagens, doseando sensatamente tudo o resto para não perder a identidade e a vocação. A famosa Fox News e a MSNBC, canais de informação americanos, já estão para lá de Bagdade neste assunto. Oferecem metade do seu tempo aos comentários - o que não é o mesmo do que análise, exercício jornalístico qualitativamente diferente para melhor -, deixando para segundo plano a procura intensiva da informação. E o mais ridículo disto tudo é que já está provado que estes pundits, como lhe chamam os americanos, no fundo estes comentadores como Marques Mendes, confundem muitas vezes desejos com factos, fabricam uma narrativa que os impele a ignorar a realidade, não prestam atenção suficiente aos detalhes, não são flexíveis o suficiente para captar as zonas cinzentas, são pouco tolerantes com a complexidade. Têm uma agenda.
Resumindo: eu não acredito que António Costa substitua Manuel Caldeira Cabral.


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