segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Direita/esquerda volver! Um, dois!


Mais uma análise desiludida sobre o volver à esquerda ou à direita, não inócuo como o de antigamente, ordenado pelos professores de ginástica aos alunos em fila, ou pelos graduados aos seus soldados, nos exercícios de marcha, que não dispensavam, todavia, as saudações de pala ou de braço estendido, onde os mais desenvoltos ideologicamente poderiam descortinar humilhantes formas de opressão, pela distinção  social que eles, naturalmente, abominavam, conhecedores da cartilha e desprezadores da bandeira.
António Barreto lhes dá o significado da metáfora política actual - não o da imposição sumária de outrora - para as descrever na desilusão de um confronto que se pretenderia ideológico mas que entre nós descamba nos ódios e exaltações sem bom senso, veiculados sobretudo por uma esquerda, afinal , subserviente  no seu fanatismo de tropelia e inversão de valores.
Assim, uma medida política instituída, em princípio, para o bem comum, será encarada com aceitação ou parti pris, conforme a sua autoria e o partido que a define – odiosa para a direita, se for da esquerda, para a esquerda se for da direita, apenas com o fanatismo de um posicionamento sem estudo, como nos meneios sentimentalóides e irracionais da apologia clubística:
«Quase já não há matérias em que a esquerda e a direita democráticas sejam capazes de, sem trauma, estar de acordo. Quase já não há valores comuns. Com esta divisão exclusiva, toda a esquerda deixa de ser democrática para a direita e vice-versa.», afirma António Barreto, na desilusão da sua fé de outrora. O que me parece, é que os sindicatos têm grave responsabilidade nesta acefalia generalizada.

Esquerda, direita e vice-versa
António Barreto
D.N, 3/10/16
Está aberto um novo ciclo político. Como já houve noutros tempos, de má memória, antes e depois do 25 de Abril. São tempos de fanatismo. De exclusão. De afrontamento sem tréguas. São tempos de esquerda contra a direita, que geram tempos de direita contra a esquerda. Há quem goste. Há quem considere que essa é a grande política, o regresso da política e outras banalidades. Mas sabemos que não é verdade. Com o país assim dividido, perdem-se meios de acção e oportunidades de compromisso e de cooperação.
Há com certeza esquerda e direita. Em muitas coisas, são diversos e querem coisas diferentes. Mas há muito mais. O país e a política não se resumem a isso. Há a cultura, a nação, a religião, a etnia, a região, a idade, a arte, a ciência, o trabalho, o desporto, o amor, boa parte da economia, a educação, a saúde, o património e muito mais onde esquerda e direita não têm qualquer espécie de importância, podem até ser nefastos.
O que nestes tempos de fanatismo marca a diferença entre esquerda e direita é o autor. O que a direita faz é de direita. O que a esquerda faz, de esquerda é. A autoria marca o conteúdo, não o contrário. É o estilo dos déspotas. A mesma coisa, feita por alguém de esquerda ou de direita, é de esquerda ou de direita. Austeridade, poupança, frugalidade ou rigor: se os responsáveis forem de esquerda, é de esquerda. Se forem de direita, é de direita. Medidas da responsabilidade de partidos da direita são fogo para a esquerda, devem ser condenadas e consideradas roubo. Se postas em prática por gente de esquerda, são detestáveis para a direita e consideradas assalto.
Diminuição das garantias, redução das liberdades individuais, restrição de direitos, violação do segredo bancário e do sigilo de correspondência: estes gestos têm duas interpretações. Feitos pela esquerda, de esquerda são, festejados pelas esquerdas e repudiados pelas direitas. Feitos pelas direitas, de direita são, aplaudidos pelas direitas e vilipendiados pelas esquerdas. Gastos com a defesa, despesa com a segurança e equipamentos para as polícias: conforme o governo, assim estes orçamentos serão de esquerda ou de direita, apoiados pela tribo apoiante, condenados pela tribo oposta.
Negócios com capitalistas, entendimentos com multinacionais, favores a empreiteiros, incentivos a investidores, projectos de equipamento e parcerias: são empreendimentos de esquerda ou de direita, conforme os governos que as fazem, não conforme os méritos da obra.
Corrupção, crime e delinquência: é muito fácil, perante uma qualquer destas realidades, verificar que esquerdas e direitas se comportam de modo simétrico. Simpatizam, toleram ou condenam consoante o autor. As políticas e as medidas contra o terrorismo e a violência têm o mesmo destino: se vierem da esquerda, são de esquerda, aplaudidas pela esquerda e condenadas pela direita. Se vierem da direita, são de direita, festejadas pela direita e opostas pela esquerda.
Quase já não há matérias em que a esquerda e a direita democráticas sejam capazes de, sem trauma, estar de acordo. Quase já não há valores comuns. Com esta divisão exclusiva, toda a esquerda deixa de ser democrática para a direita e vice-versa. Nos debates parlamentares, já se fala de esquerda e de direita como se fossem pestes ou pragas sem salvação.
É natural que haja "paz social", isto é, ausência de greves, enquanto os sindicatos de esquerda tenham acesso ao poder e os partidos de esquerda possam frequentar os corredores do governo. Também é natural que haja "clima optimista" para os negócios, enquanto os patrões tenham fácil contacto com os governantes e os partidos da direita sejam bem-vindos nas antecâmaras dos ministérios. Tudo isso é natural e faz parte do jogo político. Infelizmente.


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