domingo, 25 de setembro de 2016

C’est selon…



Nos anos sessenta a humanidade confrontou-se com perguntas novas, escreve mansamente Rui Tavares, que começa por informar sobre as quedas do espaço em terreno estrangeiro, para seguidamente focar o tema grato das descolonizações que não está nos tópicos, mas a que responde com a sigla ONU, que a eles deu resposta, sendo esta, na altura, “o parlamento do mundo”. Por aqui se vê que as unidas nações e em especial os Estados Unidos, tiveram um papel preponderante na atribuição dos territórios africanos aos seus povos primeiros, provavelmente no fito de expulsarem de si os africanos de quem primeiro precisaram e que escravizaram, e que agora lhes convinha que retornassem pacificamente ao habitat de origem, agora de espaços independentes, cada macaco no seu galho, a África para os africanos, a América para os americanos, a Europa para os europeus, a Ásia para os asiáticos e pouco mais, que a Terra até é pequena para tanta gente e qualquer dia falta a água e vai-se a vida, com os excessos demográficos e a redução dos continentes a acompanhar os degelos e a perder húmus com as secas que os incêndios mais desolam.
Rui Tavares mostra, assim, quanto convinham aos países da ONU, as independências africanas que ele também apoiou é claro, e bem assim António Guterres. Daí o ataque à actual ONU que já não possui sentimentos tão poderosamente humanitários, a não ser para os seus chefes se mostrarem politicamente correctos, segundo a doutrina democrática, posição por vezes posta em causa. É claro que Guterres segue-a sempre, afagando os pobres desprotegidos dos novos desentendimentos bélicos e já se esqueceu daquela coisa da Declaração dos Direitos de cada macaco no galho respectivo. Agora, toca de abrir os braços aos desprotegidos invasores da Europa, o que a Angela Merkel também faz e bem que se trama, pessoalmente falando, mas também trama todos os que acham que com tal invasão, a que sobretudo a Europa costuma ser atreita, desde os tempos pré-históricos, agora é que não haverá safa por cá. Guterres até é dos que fica bem na foto, protegendo os escorraçados da Ásia e da África, e assim Rui Tavares o defende, porque tendo ganho por quatro vezes para Secretário-Geral da ONU, a sua escolha ainda não está segura, o Conselho de Segurança tendo a última palavra sobre o caso. Daí o receio de Rui Tavares e o ataque à batota: «Parte disso é culpa própria: se antes a ONU discutia o que fazer quando os humanos fossem à lua, hoje tem dificuldades em entender que um homem que ganhou quatro votações destacadas para Secretário-Geral da ONU é provavelmente o melhor Secretário-Geral para a ONU. A verdade é que, para Rui Tavares, e Guterres, naturalmente, seria necessária a «emissão de um Passaporte Internacional Humanitário que desse segurança física e legal aos refugiados. Ideias que, à partida, qualquer Conselho de Segurança chumbaria.»
E assim se explica a simpática defesa de Rui Tavares do, outrora, aparentemente  adversário político.

Para que serve a ONU?
21/09/2016
A ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje não tem a mesma relevância.
Nos anos sessenta, a humanidade confrontou-se com perguntas novas. Como por exemplo: o que fazer quando um astronauta cai do espaço num país que não é o seu?
O lugar óbvio para lhes dar resposta era a Organização das Nações Unidas. Durante anos, uma comissão especializada da ONU foi avaliando este e outros casos até chegar ao Tratado sobre o Espaço Exterior, “incluindo a Lua e outros Corpos Celestiais”. E chegou no tempo certo: no dia em que foi assinado, 27 de janeiro de 1967, ocorreu um acidente na Apolo I em que pela primeira vez morreram três astronautas.
Em terra, a missão mais complicada era a descolonização, e Portugal estava num dos lugares mais desconfortáveis (depois de o nosso país chegar tarde à ONU porque Salazar desconfiava de internacionalismos). A Comissão da Descolonização dedicou muito do seu trabalho aos territórios sob administração portuguesa. Em 1975, após o 25 de Abril, mudou-se para Lisboa e acompanhou o estado do debate entre os movimentos de libertação e o novo governo democrático em Portugal.
De cada vez que um país africano se tornava independente, muitas vezes com apoio norte-americano, dava-se um ricochete: os movimentos negros insistiam com os seus camaradas nos novos países para que estes denunciassem na ONU o estado das questões raciais nos EUA. Malcolm X usou essa tática. Martin Luther King discursou em frente ao seu edifício em Nova Iorque para pressionar o governo do seu país perante as consciências do mundo.
Em resumo: a ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje não tem a mesma relevância.
Parte disso é culpa própria: se antes a ONU discutia o que fazer quando os humanos fossem à lua, hoje tem dificuldades em entender que um homem que ganhou quatro votações destacadas para Secretário-Geral da ONU é provavelmente o melhor Secretário-Geral para a ONU. Toda a gente sabe que as regras desatualizadas do Conselho de Segurança são um problema para a ONU, mas quem o admitir está excluído à partida de tentar melhorar a situação.
A ONU é também vítima, por assim dizer, dos seus sucessos (e das organizações que o seu internacionalismo inspirou). A descolonização está, em grande medida, feita. A missão da paz na Europa foi transferida para a UE e mantida de forma mais duradoura do que nunca. As crises que há para resolver hoje, como a das alterações climáticas, passam por negociações multilaterais que a ONU facilita sem centralizar. A ONU tem ainda uma enorme importância; mas ela é menos visível e menos relevante — e isso é um problema.
Para a ONU voltar ao lugar que já teve nas imaginações da humanidade seria preciso mudá-la por dentro. Isso poderia passar pela criação de uma Assembleia Parlamentar das Nações Unidas, um Tribunal Internacional contra os crimes ambientais e pela emissão de um Passaporte Internacional Humanitário que desse segurança física e legal aos refugiados. Ideias que, à partida, qualquer Conselho de Segurança chumbaria.
Precisamente por isso — e porque precisamos da ONU mais do que nunca — é necessário um Secretário-Geral com a visão e a experiência necessárias para por as coisas a andar. Convinha era o Conselho de Segurança perceber que já o escolheu.

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