sábado, 20 de agosto de 2016

Che sará, sará?



No mundo passam-se atropelos hoje, como em todo o sempre. A história da humanidade está manchada de horrores, desde o seu início. Só que a globalização nos tornou mais cientes hoje do que se passa aqui e ali e em todo o lado. O artigo de Pedro Baldaia – «Tolerância zero» é bem explícito na sua condenação do terrorismo islâmico e na sua impaciência para com as falsas bondades de uma hipotética compreensão de todos os que se pretendem “ecuménicos” na questão da aceitação do “outro”. Tal não existe. Todos somos diferentes, mau grado as filosofias da igualdade, e aceitar passivamente o que nos parece errado, a pretexto de que, contrariando-o, estamos a contribuir para uma maior intolerância universal, acho-o irrisório e concordo em absoluto com Paulo Baldaia na sua impaciência contra o “politicamente correcto” da nossa hipocrisia.
Por seu turno, na Crónica ilustrada do mesmo jornal e data – em Notícias Magazine - José Luís Peixoto publica um breve ensaio sobreO Medo”, em sintonia com a tese de Paulo Baldaia, na medida em que considera quanto o terrorismo islâmico está na origem das fobias actuais, em face do desconhecido ou do imprevisível.
O certo é que a bola azul continua a girar, o mundo a mexer-se, até à consumação dos tempos, no enigma do que virá a seguir.

Tolerância zero
Paulo Baldaia
DN, 31/7/16
Se queremos vencer esta guerra onde estamos metidos, temos de nos deixar do politicamente correcto e usar as palavras certas quando relatamos crimes praticados em nome da religião e de Deus. Uma criança de 10 anos que é dada pela família para casamento é pedofilia, não é uma tradição ancestral. Um irmão que mata a irmã porque ela quer viver em liberdade não é um crime de honra, é um assassinato. Uma criança que é mantida em casa e proibida de ir à escola é um rapto.
De igual forma é tão terrorista um muçulmano que mata na Europa como um muçulmano que mata no Iraque ou um cristão que se arma até aos dentes e mata nos Estados Unidos. Não são terroristas os dois primeiros e maluco o norte-americano. Ainda assim, há um problema grave com o islamismo. E não, não tem que ver com o que defende esta religião em comparação com as outras, tem muito mais que ver com a tolerância com que olhamos para os crimes praticados. A começar pelos que são praticados lá longe.
Ninguém pode ser feminista na Europa e não ter tolerância zero em relação ao islamismo. Sou agnóstico e, mesmo que acreditasse em Deus, não seria capaz de viver com a minha racionalidade em nenhuma igreja. Mas, por ser racional, sei que a história nos dá conta de que, enquanto a maioria das religiões se tornou mais humanista, o islamismo teima em tolerar que se cometam crimes em seu nome e em nome de Deus.
Se a atitude passiva que se vê na grande maioria dos líderes muçulmanos tivesse perdurado na história do cristianismo, a Inquisição teria durado muito mais tempo e feito muito mais vítimas. No século da globalização, não é tolerável que uma determinada religião olhe para os crentes das outras religiões como infiéis. Como não é tolerável que considere a mulher um ser inferior.
Na questão do uso das palavras é igualmente um erro, quando falamos do islamismo, falar de líderes moderados em contraponto aos radicais. Não haverá paz enquanto a maioria for radical e os moderados não deixarem de ser moderados. Não chega não advogar a guerra, os moderados têm de se radicalizar, dentro da sua religião, para combaterem os crimes de ódio, os crimes de honra, a escravidão das mulheres. Utilizamos o termo moderado como um elogio e o que ele revela é uma fraqueza.
Vivemos numa sociedade livre, onde até os ateus e os agnósticos são aceites como fazendo parte do reino de Deus. Não podemos aceitar viver com religiões que aceitam todo o tipo de discriminações. E não, não é apenas para nos defendermos, é também para defender os milhões de pessoas que vivem sob o jugo da intolerância religiosa. Contra esta barbárie temos de ter tolerância zero, na Europa e no resto do mundo. Professem a religião que entenderem, mas isso não lhes dá o direito de não respeitarem os outros seres humanos.

Crónica ilustrada
José Luís Peixoto
Notícias Magazine. 31/7/16

O Medo
Todo o medo é medo do desconhecido. Todo o medo é falta de resposta a perguntas. O que será de nós? A morte é a maior pergunta que somos capazes de fazer. A própria experiência de existir é colocada em causa pela morte. Faltam palavras para nomear o que não sabemos, falta uma forma concreta para o medo.
Em espaços públicos, são infinitas as oportunidades que um suicida dispõe para assassinar inocentes. Se não nos fecharmos em bunkers, haverá sempre ocasião para qualquer pessoa assassinar qualquer pessoa.
Não podemos instalar máquinas de detetar metais nas entradas da internet. Hoje, a glória a que aspiram já não é um paraíso cheio de virgens, são likes no Facebook, visualizações no YouTube, são câmaras de televisão a repetir o seu nome e a entrevistar os amigos do bairro.
É certo que, a posteriori, os facínoras lá do deserto estão disponíveis para reivindicar qualquer atrocidade, mas parece-me que, mais do que uma ideologia, o terrorismo fundamentalista islâmico deu ao mundo uma nova forma de exprimir frustrações e desesperos diversos, não necessariamente religiosos.
Depois de acontecer, averiguamos o país de origem do criminoso ou da família do criminoso. Na cabeça, levamos uma lista vaga de países que, estamos convencidos, nos tira imediatamente as dúvidas sobre as intenções do que aconteceu. Se gritaram Allahu Akbar, se publicaram alguma frase em árabe na internet, queremos acreditar que já conhecemos a história toda, mas no íntimo sabemos mais do que apenas isso.
As respostas deixaram de ser simples.
Estamos num ponto em que nos faltam as certezas absolutas. Existe o problema, é imenso, parece cobrir tudo e, como sempre acontece nas dificuldades reais e presentes, não deixa espaço para soluções. Depois de tanto horror que ultrapassámos, guerras mundiais e genocídios, parece ser a primeira vez que não sabemos o que fazer. O inimigo não tem rosto, está em toda a parte, pode usar qualquer arma. O que será de nós? O inimigo é o medo, o seu lugar é o medo, a sua arma é o medo.
*medo, em árabe.

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