sexta-feira, 10 de junho de 2016

Faltam os «cemitérios nucleares»



Do Blog “A Bem da Nação” ouso retirar o texto de  Adriano Miranda Lima «A NOSSA CIVILIZAÇÃO CAMINHA PARA A ENTROPIA?» que, pela sua gravidade e elegância de expressão e pensamento, desejo guardar, como advertência sobre as catástrofes eminentes no nosso planeta, sentindo quanto são inúteis, no panorama de um mundo descomandado e regido por ambições descontroladas e fracamente combatidas, apesar do farfalhudo dos escândalos, os rigores da Justiça sendo dificilmente aplicáveis, por conta dos telhados de vidro multiplicados em progressão geométrica, sem mais direito a um encaminhamento segundo os velhos preceitos da Moral e do Bom Senso.
Os países ricos não descansam na descoberta de armas, a par de outras produções da ciência, cada vez mais ambiciosa nos seus fins. Mas os lixos nucleares não são recicláveis, como os outros, e vão ser armazenados em cemitérios marítimos, que um dia um qualquer incauto desmontará, nos seus estudos de arqueologia.
Enfim, talvez não cheguemos lá, a Terra, entretanto, autodestruída, que soube construir tanta beleza.

A NOSSA CIVILIZAÇÃO CAMINHA PARA A ENTROPIA?
  No dia 12 do passado mês de Maio, assisti no Convento de Cristo, de Tomar, a uma conferência proferida pelo coronel Nuno Lemos Pires sobre geopolítica − “Ameaças e riscos tangíveis e intangíveis, do global ao nacional”. O conferencista, fazendo uso de uma linguagem clara e elucidativa, e servindo-se de ilustrações convincentes, descreveu e analisou o cenário das múltiplas ameaças que impendem actualmente sobre o homem e o planeta: a degradação ambiental; a exploração económica irracional dos bens naturais; o esgotamento das reservas de água doce; a explosão demográfica nas regiões mais carenciadas; o terrorismo internacional e os conflitos regionais incontroláveis; o êxodo das populações em direcção às regiões mais ricas, etc.
     Confirmou-se-me a impressão pessimista de que o geossistema (conjunto formado pelo sistema ecológico e o sistema social) é neste momento um compósito perigoso e pouco recomendável para o futuro da humanidade.
     Recentemente, li um artigo de José António Saraiva intitulado “INTERCÂMBIO TÊXTIL”, publicado no jornal Sol. Nele afirma que “há diversas provas de que a nossa civilização está a chegar ao fim. Uma delas consiste na perda de referências que durante séculos permitiram organizar o pensamento”. E fundamenta o seu diagnóstico apontando a arte e as suas tendências actuais, desde a pintura e a música ao cinema e à literatura, como a maior evidência desse fenómeno. Mas não chega a insinuar se essa perda de referências exprime ou não em si mesma uma intenção de arte.
     Depois adianta que “não só nas artes se perderam as referências”. E então cita comportamentos sociais aberrantes que denotam falta de nexo: cabelos cuidadosamente despenteados; fralda da camisa por fora das calças; sapatos a que se retiram os atacadores. Tudo sinais a aparentar desprezo pelas convenções, “mas que no fundo representam exactamente o contrário: um seguidismo cego em relação à moda”. E remata assim: “As calças compradas na loja já rotas constituem o exemplo máximo de uma civilização que chegou ao fim da linha e já não consegue inventar mais nada. Então põe-se a rasgar deliberadamente a roupa nova. É o nonsense no seu máximo esplendor!”.
     Mas esse olhar de José António Saraiva abarca apenas a espuma da realidade, e é por isso que lhe basta a arte para fundamentar os seus juízos. De outro modo, teria de descer ao terreno da antropologia e da ciência política. Sim, a arte permite toda a metáfora possível, porque os nossos preconceitos culturais são incapazes de lhe impor limites, quer ao seu abstraccionismo quer à sua ânsia de transgressão. O fenómeno das “calças rotas” e outros comportamentos similares são indícios do esgotamento dos nossos padrões de satisfação, de ruptura com as convenções, e de algum modo enquadram-se numa prosaica intenção de arte ou filosofia de vida, talvez reivindicando um qualquer “neo-existencialismo”. É como se a História e a Cultura nos tenham colocado num beco sem saída.
     No entanto, só o homem ocidental se pode dar ao luxo de querer subverter as referências do real, trocando as voltas ao mapeamento da sua caminhada. Resolvidos quase todos os seus problemas, incapaz já de se surpreender com o que a sociedade de consumo lhe oferece, sobra-lhe disponibilidade mental para a alienação e até para a mistificação de si próprio. Isto porque subjaz ao mundo das futilidades a espessura de uma realidade outra, bem crua e tenebrosa, onde é inútil usar subterfúgios para iludir o que quer que seja. É, com efeito, a realidade dos lugares do mundo onde o viver custa e dói imenso, onde escasseia a comida, a água e os medicamentos, onde, enfim, a vida se prende por um fio. Aí não sobra tempo para interpelar o sentido da existência, a razão de se estar vivo ou morto, quanto mais para subir a proscénios do ilusório.
     Nada mais ilustrativo que esta tirada final do discurso do José António Saraiva: “Entretanto, para dar algum sentido útil a uma moda sem sentido nenhum, arrisco-me a fazer uma sugestão. Sugiro às empresas de confecção têxtil que façam convénios com ONGs actuando em países do terceiro mundo para enviarem para lá jeans novos – recebendo em troca jeans velhos e usados. Que têm mais valor do que os que se vendem nas lojas, porque foram envelhecidos pelo uso e não de modo artificial. E que podem inclusive ter andado na guerra, exibindo rasgões feitos em combate ou mesmo buracos de balas.”
     Eis, pois, a verdade dura e crua sobre a realidade de um mundo assimétrico, esquisito e cada vez mais instável e perigoso. No conforto das nossas latitudes “primeiro-mundistas” podemos ter dificuldade em lobrigar que tudo se agravou nas últimas décadas e que a ameaça generalizada não é uma ficção: em breve faltará água no planeta para matar a sede da totalidade dos seus habitantes; a produção alimentar não acompanhará o desmesurado crescimento populacional, enquanto os ecossistemas vão destruir-se sem remissão; hordas de milhares e milhares de seres humanos demandarão os territórios onde supõem encontrar a segurança e a sobrevivência, como aliás já está a acontecer; de permeio, os conflitos regionais e de expansão imprevisível poderão ser a pólvora para acelerar a derrocada.
     Todo este cenário resulta da acumulação de sucessivas transgressões que o homem vem cometendo no ecossistema planetário, para satisfazer os seus modelos económicos e sociais. Existem neste momento mais de 7 bilhões de seres humanos no mundo, em que 25% estão abaixo da linha da pobreza e 75% consomem mais recursos do que permite a capacidade de recuperação do planeta. É inimaginável a dimensão que pode vir a atingir a disputa dos espaços vitais. Há quem preveja que o cenário para as próximas décadas é de caos ambiental e humano. Já em 1972, a equipa londrina de The Ecologist publicava um documento cuja conclusão não deixava de ser inquietante: “É lógico recear que, num futuro próximo, ultrapassaremos o limite, na brutalidade dos nossos empreendimentos sobre o meio, e que, por uma série de efeitos acumulados, provoquemos a derrocada da nossa civilização”. 
     Ora, quarenta e quatro anos decorridos, quem pode desmentir a severidade angustiante daquela previsão? O homem aperfeiçoou as ferramentas da ciência e da técnica e no entanto paradoxalmente parece mais longe de si próprio, como o demonstram as aberrações do seu comportamento cultural, de que o fenómeno das “calças rotas” é apenas um exemplo menor. Invocando Jeremy Rifkin, cabe perguntar se não estamos já às portas da entropia, ou seja, da desordem irreversível.
Tomar, 6 de Junho de 2016

Nenhum comentário: