segunda-feira, 20 de junho de 2016

Algodões, almas que imploram



Todos os anos, por esta altura, é certo e sabido que temos de ouvir as mais variadas formas de protesto e indignação da nossa amiga contra o algodão que voa nos ares, o algodão proveniente dos plátanos ou dos choupos  plantados na sua rua e em muitos outros espaços próximos, que também afectavam a nossa casa quando lá vivíamos, e que provocavam os comentários relativos à penetração dos algodões pela casa, que nós, que não tínhamos alergias, admirávamos e juntávamos, até ficarmos de saco cheio. Parece que os plátanos são árvores que crescem depressa e dão boas sombras, não requerendo muita água, e é por isso que as câmaras os mandam plantar, sem terem em conta as alergias de alguma população.
A nossa amiga, que é alérgica,  mostrou-nos mesmo uma carta de protesto, que enviou ao presidente da Câmara de Cascais, na sua letra firme:
«Ex.mo  Senhor Presidente da Câmara de Cascais
Peço a V. Exª que venha à Rua Egas Moniz  em S. João do Estoril (ao pé do Pingo Doce) e também no outro Pingo Doce e veja o algodão que andamos a engolir.
Será preciso chamar a TV ou fazer uma manifestação de máscara na cara para se mandar cortar as odiadas árvores?
E as crianças, Senhor? Há duas Escolas Primárias exactamente ao pé dessas árvores.»
Quando, em tempos, ia ao Norte, pela estrada velha, passávamos por zonas de cheiros tão vincados provenientes de fábricas ou de pocilgas, que me espantava como pudessem viver ali as pessoas das povoações próximas e os governos não verem isso. Não sei se ainda acontece, mas sentia o horror que as gentes deviam sentir. De vez em quando ainda, se fala em descargas poluentes e tudo isso é criminoso.
Quanto a estas árvores algodoeiras, não se compreende como insistem em plantá-las se afectam a saúde das pessoas. Eu costumo pensar em almas ou espíritos que voam, quando vejo os tufos brancos pelos ares fora, e também que será coisa passageira, que uma chuvada forte poderá amortizar, ou até eliminar, mas compreendo que quem tenha alergias e febre dos fenos ou doenças parecidas se sinta indignado com a teimosia das câmaras em as plantarem. Mas as árvores são seres vivos, custa pensar em “abate”, como já Júlio Dinis referira no corte do velho castanheiro do tio Vicente, para a construção da estrada que melhoraria a aldeia da Morgadinha dos Canaviais, e como vamos fazendo, no delírio da construção, que não poupa, mesmo, as florestas, a começar pela da Amazónia. A plantação de árvores faz-se para  repor o equilíbrio e oxigenar os ares, nas cidades, e perfumadas e floridas são tantas terras do norte.  As pessoas não se amofinam com as folhas caducas do outono, porque as câmaras mandam varrê-las, mas na primavera, não há quem apanhe os algodões do ar, só depois de estes poisarem no chão se podem varrer e as pessoas não conseguem  esperar, cada olhar diferente dos demais. Como diria o António Gedeão, na sua «Impressão Digital», “ Os meus olhos são uns olhos, / e é com esses olhos uns / que eu vejo no mundo escolhos,  / onde outros, com outros olhos, / não vêem escolhos nenhuns”.
Realmente, as árvores são seres vivos e amigos, “Corações, almas que choram, / Almas iguais à minha, almas que imploram / Em vão remédio para tanta mágoa!”, diria a Florbela.
Sem ser poeta, penso também  nas plantas como seres vivos, “almas que imploram”, no caso presente, apenas uns dias mais de paciência, pois são bonitas e dão sombra, não exigindo muita água. Quanto à insistência das câmaras em as plantarem, acho condenável esse desprezo pelo bem-estar ou a saúde das gentes.

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