quinta-feira, 30 de junho de 2016

Uma história de Alexandre Magno




Chegou-me por email, como “história de exemplo”. Alexandre, de qual se refere o cavalo Bucéfalo e a história do Nó Górdio que cortou, em vez de o desfazer, era filho de Filipe da Macedónia, teve como seu mestre Aristóteles, tornou-se senhor da Ásia, mas morreu com 33 anos (356 a.C. – 323 a. C.) com um problema intestinal.
Trata-se de uma história, pois, de um extraordinário chefe que saboreou cedo os deleites do poder, mas, com os azares da vida, além da educação recebida de tão excelente mestre, cedo pôde extrapolar sobre a vanidade de tudo o que ele próprio conquistara. Serviria de exemplo também hoje, se tantos dos actuais e habituais “conquistadores” tivessem recebido lições de igual mestria. Mas se nem sequer a Bíblia lhes serve…


«Encontrando-se às portas da morte, Alexandre convocou os seus generais e comunicou-lhes os  seus três últimos desejos:

1 - Que seu ataúde fosse levado aos ombros e transportado pelos melhores médicos do reino.
2 – Que os tesouros que tinha conquistado (prata, ouro e pedras preciosas), fossem espalhados pelo caminho até sua tumba.
3 - Que suas mãos ficassem balançando no ar, fora do ataúde e à vista de todos.

Um dos seus generais, assombrado por tão insólitos desejos, perguntou a Alexandre:
- Porque razão pretende que assim se faça?
Alexandre explicou:

1 - Quero que os mais eminentes médicos carreguem o meu ataúde para que percebam que
Perante a morte não têm o poder de curar.
2 - Quero que o solo seja coberto por meus tesouros para que todos possam ver que os bens materiais aqui conquistados, aqui  permanecem.
3 - Quero que minhas mãos se balancem ao vento, para que as pessoas possam ver que viemos com as mãos vazias e com as mãos vazias partimos.

O TEMPO é o presente mais precioso que temos porque é LIMITADO.
Podemos ganhar mais dinheiro,  mas NÃO mais tempo.
Quando dedicamos tempo a uma pessoa, estamos oferecendo uma porção de nossa vida que NUNCA poderemos recuperar.
Nosso tempo é nossa vida.
E o melhor presente que podes oferecer a alguém é o teu tempo; por isso, quando vi este legado, de imediato pensei em ti.
Obrigado por esta prenda que cada dia recebo, quando me ofereces um pouco do teu tempo, seja enviando emails, mensagens, ou uma palavra amiga pelo telefone. Obrigado. Recebe o meu carinho e gratidão.

ESTA MENSAGEM É DEMASIADO BONITA PARA NÃO SER TRADUZIDA E DIVULGADA. POR ISSO, DECIDI TRADUZI-LA E ENVIÁ-LA AOS MEUS AMIGOS, MANTENDO INTACTO O SEU CONTEÚDO ORIGINAL.»

Com um Acordo Ortográfico sabotador?



Dois textos chegados ontem por email:
1º Texto:
por smartandhappykids, em 27.06.14

A língua mais falada do hemisfério sul e a quarta mais falada em todo o mundo completa hoje oito séculos. 
Para o deputado português José Ribeiro e Castro estas são razões mais do que suficientes para comemorar. “Queremos saudar uma das mais importantes línguas internacionais e contemporâneas em tempo de globalização. A língua portuguesa é ela própria uma ferramenta da globalização”, sublinha o deputado, que promoveu, em conjunto com o editor João Pinto, o 'Manifesto 2014 - 800 anos da língua portuguesa' - subscrito por mais de 50 personalidades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). 
O texto do manifesto é proclamado hoje junto ao Padrão dos Descobrimentos, onde 800 crianças irão lançar 800 balões com desenhos de artistas plásticos dos oito países da CPLP. Embaixadores e representantes oficiais destes países juntam-se ao evento, que terá momentos de dança e declamação de poesia. À noite, no Martim Moniz, serão lançados outros 244 balões luminosos, símbolo dos 244 milhões de falantes de português em todo o mundo. 
Macau também vai celebrar: hoje de manhã, serão lançados balões a partir da Escola Portuguesa.

 Testamento de D. Afonso II, de 27 de Junho de 1214 (Dois excertos)
1º -Em o nome de Deus.
Eu, rei Dom Afonso, pela graça de Deus, rei de Portugal, sendo são e salvo, temente o dia de minha morte, a saúde de minha alma e a prol de minha mulher, rainha Dona Urraca, e de meus filhos, e de meus vassalos e de todo meu reino, fiz minha manda, por que depois minha morte, minha mulher, e meus filhos, e meu reino, e meus vassalos e todas aquelas cousas que Deus me deu em poder estejam em paz e em folgança.
Primeiramente, mando que meu filho, infante Dom Sancho, que hei da rainha Dona Urraca, haja meu reino inteiramente e em paz.
 2º - E manda seja cumprida; das quais tem uma o Arcebispo de Braga, a outra o Arcebispo de Santiago, a terceira o Arcebispo de Toledo, a quarta o Bispo do Porto, a quinta o de Lisboa, a sexta o de Coimbra, a sétima o de Évora, a oitava o de Viseu, a nona o mestre do Templo, a décima o prior do Hospital, a undécima o prior de Santa Cruz, a duodécima o abade de Alcobaça, a terça-décima faço eu guardar em minha reposte.
E foram feitas em Coimbra, quatro dias por andar de junho, Era MCCLII.
Testamento real é o marco histórico

O Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, o Presidente da República e o primeiro-ministro de Timor-Leste, Taur Matan Ruak e Xanana Gusmão, o embaixador Hélder Lucas, chefe da Missão de Angola junto da CPLP, o embaixador de Moçambique em Portugal e secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, e o presidente do Instituto Internacional de Macau, Jorge Rangel, são algumas das personalidades que subscreveram este manifesto. O documento é  assinado também por escritores - como Pepetela, José Eduardo Agualusa e António Lobo Antunes -, linguistas, jornalistas e personalidades da cultura.
Mas porquê 27 de Junho? É que há precisamente 800 anos, no dia 27 de Junho de 1214, era assinado em Coimbra o Testamento do rei D. Afonso II - considerado o mais antigo documento oficial escrito em português. 
O objectivo inicial dos promotores da iniciativa, era celebrar este marco a partir do Brasil, epicentro do Campeonato do Mundo de Futebol. “Gostaríamos que houvesse uma grande festa no país onde se realiza a copa do mundo e se fala português”, explica Ribeiro e Castro. Mas, lamenta o deputado do CDS, “não foram reunidas condições para isso”, em parte devido ao “contexto politicamente problemático do mundial”.


2º Texto:  
Date: Wed, 29 Jun 2016 18:47:29 +0100
ANÓNIMO

De vez em quando - e pena é que seja só de vez em quando - aparecem-nos textos que, depois de lidos, apetece relê-los
 Só não se percebe é porque o autor não dá a cara, tanto mais que qualquer de nós é certo que não desdenharia de o ter escrito.

PORTUGAL: QUE FUTURO ?
Trinta e cinco anos de vida. 
Filho de gente humilde. Filho da aldeia. Filho do trabalho. 
Desde criança fui pastor, matei cordeiros, porcos e vacas, montei móveis, entreguei roupas, fui vendedor ambulante, servi à mesa e ao balcão. Limpei chãos, comi com as mãos, bebi do chão e nunca tive vergonha. Na aldeia é assim, somos o que somos porque somos assim. Cresci numa aldeia que pouco mais tinha que gente, trabalho e gente trabalhadora. Cresci rodeado de aldeias sem saneamento básico, sem água, sem luz, sem estradas e com uma oferta de trabalho árduo e feroz. Cresci numa aldeia com valores, com gente que se olha nos olhos, com gente solidária, com amigos de todos os níveis, com família ali ao lado. Cresci com amigos que estudaram e com outros que trabalharam. Os que estudaram, muitos à custa de apoios do Governo, agora estão desempregados e a queixarem-se de tudo. Os que sempre trabalharam lá continuam a sua caminhada, a produzir para o País e a pouco se fazerem ouvir, apesar de terem contribuído para o apoio dos que estudaram e a nada receberem por produzir. Cresci a ouvir dizer que éramos um País em Vias de Desenvolvimento e ... de repente éramos já um País Desenvolvido, que depois de entrarmos para a União Europeia o dinheiro tinha chegado a "rodos" e que passamos de pobretanas a ricos "fartazanas". Cresci assim, sem nada e com tudo. E agora, o que temos nós?

1.       Um país com duas imagens.
               A de Lisboa: cidade grandiosa, moderna, com tudo e mais alguma coisa, o lugar onde tudo se decide e onde tudo se divide, cidade com passado, presente e futuro.
     E a do interior do país, território desertificado, envelhecido, abandonado, improdutivo, esquecido, pisado.

1.       Um país de vícios.
                Esqueceram-se os valores, sobrepuseram-se os doutores.
     Não interessa a tua história, interessa o lugar que ocupas.
    Não interessa o que defendes, interessa o que prometes.
    Não interessa como chegaste lá, mas sim o que representas lá.
     Não interessa o quanto produziste, interessa o que conseguiste.
    Não interessa o meio para atingir o fim, interessa o que me podes dar a mim.
    Não interessa o meu empenho, interessa o que obtenho.
        Não interessa que critiquem os políticos, interessa é estar lá.
      Não interessa saber que as associações de estudantes das universidades são o primeiro passo para a corrupção activa e passiva que prolifera em todos os sectores políticos, interessa é que o meu filho esteja lá.
   Não interessa saber que as autarquias tenham gente a mais, interessa é que eu pertença aos quadros.
    Não interessa ter políticos que passem primeiro pelo mundo do trabalho, interessa é que o povo vá para o diabo.
1.       Um país sem justiça.
     Pedófilos que são condenados e dão aulas passados uns dias.
     Pedófilos que por serem políticos são pegados em ombros, e juízes que são enviados para as catacumbas do inferno.
     Assassinos que matam por trás e que são libertados passados sete anos por bom comportamento!
             Criminosos financeiros que sempre escapam por motivos que nem ao diabo lembram.
      Políticos que passam a vida a enriquecer e que jamais têm problemas ou alguém questiona tais fortunas.
      Políticos que desgovernam um país e que, entre outros, "emigram" para Bruxelas e Paris, a par dos que se mantém ainda ativos. 
      Bancos que assaltam um país e que o povo ainda ajuda a salvar.
     Um povo que vê tudo isto e entra no sistema, pedindo favores a toda a hora e alimentando a máquina que tanto critica e chora.

1.       Um país sem educação.
                 Quem semeia ventos colhe tempestades.
      Numa época em que a sociedade global apresenta níveis de exigência altamente sofisticados, em Portugal a educação passou a ser um circo.
      Não se podem reprovar meninos mimados.
      Não se pode chumbar os malcriados.
      Os alunos podem bater e os professores nem a voz podem levantar.
      Entrar na universidade passou a ser obrigatório por causa das estatísticas.
      Os professores saem com os alunos e alunas e os alunos mandam nos professores.
      Ser doutor, afinal, é coisa banal.

1.       Um país que abandonou a produção endógena.
      Um país rico em solo, em clima e em tradições agrícolas que abandonou a sua história.
      Agora o que conta é ter serviços sofisticados, como se o afamado portátil fosse a salvação do país.
      Um país que julga que uma mega fábrica de automóveis dura para sempre.
      Um país que pensa que turismo no Algarve é que dá dinheiro para todos.
      Um país que abandonou a pecuária, a pesca e a agricultura.
      Que pisa quem ainda teima em produzir e destaca quem apenas usa gravata.
      Um país que proibiu a produção de Queijo da Serra artesanal na década de 90 e que agora dá prémios ao melhor queijo regional.
      Um país que diz ser o do Pastel de Belém, mas que esquece que tem cabrito de excelência, carne mirandesa maravilhosa, Vinho do Porto fabuloso, Ginjinha deliciosa, Pastel de Tentúgal tentador, Bolo Rei português, Vinho da Madeira, Vinho Verde, lacticínios dos Açores e Azeite de Portugal para vender…
      E tanto, tanto mais... que sai da terra e da nossa história.

1.       Um país sem gente e a perder a alma lusa.
·      Um país que investiu forte na formação de um povo, em engenharias florestais, zoo técnicas, ambientais, mecânicas, civis, em arquitectos, em advogados, em médicos, em gestores, economistas e marketeers, em cursos profissionais, em novas tecnologias e em tudo o mais, e que agora fecha as portas e diz para os jovens emigrarem.
                Um país que está desertificado e sem gente jovem, mas com tanta gente velha e sábia que não tem a quem passar tamanha sabedoria.
               Um país com jovens empreendedores que desejam ficar, mas são obrigados a partir.
               Um país com tanto para dar, mas com o barco da partida a abarrotar
               Um país sem alma, sem motivação e sem alegria.
               Um país gerido por porcaria.

  E agora, vale a pena acreditar? Vale. Se formos capazes de participar, congregar novos ideais sociais e de mudar. Porquê acreditar? Porque oitocentos anos de história, construída a pulso, não se destroem em tempo algum . Porque o solo continua fértil, o mar continua nosso, o sol continua a brilhar e a nossa alma, ai a nossa alma, essa continua pura e lusitana e cada vez mais fácil de amar

Mas como recuperar orgulhos rácicos, com um Acordo Ortográfico comprovativo  do nosso afundamento maior?

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Esteves sem metafísica



Mas é Pedro Mexia que a tem, e muita, na sua crónica «Um temperamento», da E de 28 de Maio, comentário de um artigo de conferência de Michael Oakeshott sobre «conservadorismo  político», ou antes, «disposição conservadora», sendo que, segundo este, “o conservador é sobretudo o indivíduo que se dispõe a desfrutar do tempo presente, sem nostalgias nem utopias”.
Deve estar certo, mas os três primeiros textos que me lembrei de procurar - creio que não pela primeira vez, já que o conservadorismo se transforma num hábito, com o passar da idade -  para revelar, em termos comparativos, embora estes mais do foro literário, pois que, na altura, as pessoas acomodavam-se às políticas reinantes, por ignorância e humildade, (mau grado os protestos reiterados do nosso épico e até do nosso “homem dum só parecer dum só rosto,  uma só fé, d’antes quebrar que torcer” e por isso não integrado na corte), revelar, dizia, que os três tristes trechos exprimem, de facto,  uma certa nostalgia: Pêro
Barroso, talvez por se situar nas alturas do medievo, sem leituras de clássicos greco-latinos a amparar, e por isso de expressão simples e familiar, demonstra mesmo, além da nostalgia,  profunda agonia com a mudança que nota nos costumes, a ponto de desejar morrer. Já Sá de Miranda segue os trâmites clássicos, em imagens de extrema expressividade e beleza, mostrando não só a dúvida em relação ao homem e às coisas, como certeza, em relação  ao renovar da natureza, contrariamente ao que sucede com o homem – o que se torna, aliás, paradoxal na escolha dos termos de comparação - a Natureza, como abstracção, só podendo equiparar-se ao abstracto Humanidade para a conclusão da igualdade na renovação, os seres singulares - Homem, plantas e animais - todos eles perecíveis. Camões, com perícia de génio, acrescenta ao tema da mudança - nos seres, no Tempo, na crença - a própria Mudança, como abstracção personificada, ela própria transformada na sua forma de mudar.
É Álvaro de Campos, tão próximo de nós, tão irmão no sentimento, em que pesam saberes sobre mudanças de nível astronómico, doutrinações e nihilismos de angústias e cepticismos e certezas do “silêncio” final, e consciências de “inconsciências” na monotonia dos gestos diários, Esteves tranquilos, sem formulações doutrinárias de maior, que somos, afinal, felizmente, a maioria, é Álvaro de Campos, pois, que se aproxima mais dos saberes doutrinários que o tema do conservadorismo merece, quer a Pedro Mexia, quer a Michael Oakeshott, que aquele comenta.
É de bom tom mostrar-nos progressistas, tirante um ou outro que ousa atacar certas modernidades trazidas pelos avanços do mundo ideológico a acompanhar o científico e mesmo o tecnológico, que dão lugar aos excessos de desenvoltura. Mas o meio termo é importante na política, como em tudo o mais, e a crença  no retorno parece igualmente conceito a não desprezar.
Leiamos, assim, o estudo de Pedro Mexia, que me parece situar-se entre o sério e o jocoso, os conservadores geralmente identificados com os botas de elástico, (estas, ao que parece, todavia, de novo em moda, embora mais estilizada). E aceitemos alegremente o ditado “todos ao molho e fé em Deus” das autodefesas vivaças dos briosos Esteves. Admiremos as definições intelectuais de Michael Oakeshott, segundo o estudo de Pedro Mexia, definições capazes de reverter caminhos, com certa cordura.
Pêro Gomes Barroso
Do que sabia nulha ren non sei,
polo mundo, que vej’assi andar;
e, quando i cuido, ei log’a cuidar,
per boa fé, o que nunca cuidei,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.
Aqueste mundo, par Deus, non é tal
qual eu vi outro, non á gran sazon,
aquel desej’e esto quero mal,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.
E non receo mha morte por en,
E, Deus lo sabe, querria morrer,
Ca non vejo de que aja prazer,
Nen sei amigo de que diga ben,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.
E, se me a mim Deus quisess’atender,
per boa fé ûa pouca razon,
eu post’avia no meu coraçon
de nunca já mais neûn ben fazer,
ca vej’agora o que nunca vi
e ouço cousas que nunca oí.
E non daria ren por viver i
en este mundo mais do que vivi.
Sá de Miranda
O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!
Luís de Camões
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Álvaro de Campos
(Excerto)
…….. Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder
, continuarei fumando. …..

Pedro Mexia
E, 28/5/16
Fraco Consolo
Um temperamento
Todo o mundo é composto de mudança e de resistência à mudança. Faz agora 60 anos que um cientista político de Cambridge e da London School of Economics, Michael Oakeshott, proferiu uma importante conferência sobre esse equilíbrio instável. O texto, depois integrado na colectânea de ensaios “Rationalism in Politics” (1962), intitula-se “On Being Conservative” e mantém-se ainda hoje como a mais concisa e astuta definição de conservadorismo: o conservadorismo enquanto “temperamento” e estratégia.
Oakeshott considera que não é muito difícil encontrar umas quantas ideias gerais que caracterizam o «conservadorismo» como doutrina política, mas mostra-se francamente mais interessado naquilo a que chama “disposição conservadora”. O ensaio parte de uma recusa da identificação automática do “conservadorismo” com a lei natural, o pecado original, a fé, o providencialismo, o princípio monárquico, o organicismo, etc. um conservador pode acreditar em tudo isso, ou em parte disso, ou em nada disso, escreve Oakeshott; mas o conservador é sobretudo o indivíduo que se dispõe a desfrutar do tempo presente, sem nostalgias nem utopias.
O conservador está agradecido por aquilo que tem agora; não porque isso seja, em absoluto, melhor do que outras alternativas, mas simplesmente porque é aquilo que conhece bem. O conceito de “familiaridade” ganha uma espessura filosófica inusitada: “Ser conservador então, é preferir o familiar ao desconhecido, o já testado aio que nunca foi tentado, o facto ao mistério, o presente ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, o riso de agora à felicidade utópica. É uma formulação disfórica, sem dúvida, mas justíssima.
Porque a disposição conservadora é uma arte da perda, manifesta-se com mais intensidade quando existe um “objecto” valioso e quando esse objecto está em riscos de desaparecimento. O texto ilustra essa tese com um caso espantoso. Os Masai, uma etnia do Quénia, foram colocados em reservas territoriais e conceberam então um estratagema que os ajudou a evitar a vergonha do exílio e o perigo da extinção: deram aos rios e aos montes os mesmos nomes que usavam na sua terra de origem. Um conservador protege a sua identidade porque é tudo o que tem de seu, mas Oakeshott até se demarca das concepções estreitamente “identitárias”, sublinhando que a identidade, sendo preciosa, é também contingente. Não vale por ser especial mas por ser uma identidade. Um conservador é alguém que desconfia da mudança e que tenta sobreviver às mudanças. Quase todas as pessoas sofrem desgostos que nascem das modificações da vida ou da passagem do tempo. Um conservador é apenas uma pessoa especialmente melancólica quanto a esse facto. e por isso age de modo prudente e cauteloso: não troca um bem conhecido por um bem desconhecido, que pode ser um mal escondido. O conservador adapta-se à mudança, que é uma inevitabilidade, mas defende mudanças pequenas, graduais, mudanças que se identifiquem com a consciência colectiva e não que a modifiquem, mudanças cujo ónus da prova compete a quem defende que se mude. Uma disposição conservadora é útil “quando a estabilidade é mais proveitosa do que o melhoramento, quando a certeza é mais valiosa do que a especulação, quando a familiaridade é mais desejável do que a perfeição, quando o erro comum é superior à verdade controversa, quando a doença é mais tolerável do que a cura, quando a satisfação de expectativas é mais importante do que “justiça” das próprias expectativas , quando qualquer espécie de regra é melhor do que não ter regra nenhuma (…)”. Há nas sociedades ocidentais um evidente fascínio pela novidade, uma suposição de que a mudança é benéfica; mas toda a gente reconhece que nem todas as situações aconselham à mudança. Escreve o ensaísta que mudamos de talhante se estivermos descontentes, mas não mudamos de amigos com a mesma facilidade, porque a amizade não é uma relação utilitária ou fungível. Por outro lado, há algumas mudanças que são  aceitáveis mas que dependem de condições restritivas: por exemplo, podemos mudar as regras de um jogo, mas não durante o decurso do jogo.
Oakeshott foi um crítico incansável do “racionalismo” em política, quer dizer, das concepções voluntaristas, optimistas, totalizantes, salvíficas. O seu conservadorismo abstractizante entra um pouco em colapso quando tenta demarcar o campo da acção política concreta, mas ainda assim imagina um Estado discreto, que se comporte apenas como garante das regras que permitem a coexistência de diferentes crenças, hábitos, mundivivências. Um Estado moderado e moderador, que não se dedique à promoção das “indignações favoritas” deste ou daquele grupo de pessoas. A política não é o domínio da verdade, da virtude, da perfeição. À política cabe apenas zelar pela convivência pacífica dos membros das nossas sociedades diversas e agradavelmente caóticas.
Em determinada passagem de “On Being Conservative”, Oahkeshott considera Montaigne mais pertinente do que Burke, o que talvez seja inesperado num ensaio político conservador; mas, de facto, a “disposição conservadora” não é uma doutrina política, é um temperamento filosófico: um cepticismo tranquilo.