sábado, 9 de abril de 2016

Candide para o Optimismo



Eu só quero acreditar em António Costa, quando o ouço e vejo sorridente e contra-atacando os que estão ali a lembrar-lhe que estamos presos por um fio na questão das finanças, e sempre apoiado pelo ministro destas, Mário Centeno, também sorrindo mas meigamente, nas suas afirmações, contrariamente ao sorriso intrépido de Costa nas dele, cada macaco no seu galho, e assim deve ser. Até julgo que eles têm um pensamento mais justiceiro do que Passos Coelho tinha (ou era obrigado a ter, o pobre), o qual se fartou de extorquir, mas Costa, Centeno e todos os que os apoiam acham que não, que não era obrigado, repetindo o “Olhe que não” do sorridente chefe Cunhal a Mário Soares que dizia as coisas de forma muito chã e pacífica, sendo bem visto por todos nós, mais pendentes sobre as palavras liberdade e democracia que ele disse que nos faltavam e que passámos a ter, que nem favas contadas, Cunhal posto no seu galho, em sossego, bela Inês, assim devia ser, quod erat demonstrandum.
Ora, João Miguel Tavares não se rege pelo mesmo parecer que eu própria – parecer  este meu, mais agarrado passivamente às esperanças que viveu Candide por esse mundo fora, atrás da sua desgraçada Cunegundes – cujo nome bastaria para lhe destronar qualquer crença em felicidade, coitadinha - mas que teimosamente se agarra à horta, aliás jardim – (restos de rústica prosa) - que é preciso cultivar, custe o que custar, na expressão sábia de Pangloss .
O mundo não vai em graças, todavia – que o digam os encarregados das actuais seitas fundamentalistas ou as previsões de cataclismos ambientais - apesar do optimismo da receita voltaireana, e assim o demonstra João Miguel Tavares com argumentos irrefutáveis e um comentário de apoio. Por isso, é sem compromisso a minha crença no Pangloss.

Porque é que isto vai correr mal
Público, 17/03/2016
Ontem foi aprovado o primeiro dos orçamentos de Estado para 2016 – aceitam-se apostas sobre quantos mais orçamentos vão ser necessários até final do ano. António Costa afirmou que o orçamento era “particularmente ambicioso”. Não é verdade. É apenas particularmente irresponsável.
A razão é óbvia: as reposições de salários e pensões e o fim parcial da sobretaxa de IRS aumentam brutalmente a despesa do Estado num tempo de incerteza. A “devolução do rendimento às famílias”, como António Costa gosta de lhe chamar, foi estimada em 1,4 mil milhões de euros, um valor parcialmente compensado pelo aumento dos impostos indirectos. Há aqui um duplo problema. Em primeiro lugar, o governo está a bancar uma despesa certa em nome de uma receita incerta, oriunda de um mirífico crescimento económico impulsionado pelo consumo interno – e isto, note-se, sem desequilibrar a balança comercial, o que a concretizar-se seria um novo milagre de Ourique. Em segundo lugar, o aumento dos impostos indirectos, ao contrário do que sucede com os directos, é uma medida regressiva, que faz aumentar as desigualdades sociais. Ou seja, este orçamento continua a ter largas doses de austeridade, aposta num crescimento no qual ninguém acredita e, ainda por cima, é mais desigual do que os orçamentos anteriores.
Há uma data de aldrabices que vagueiam pelo espaço público e que muitas vezes se engolem sem pensar – incluindo essa enorme treta de que a esquerda é só amor aos pobres e a direita só quer saber dos ricos. O “colossal aumento de impostos” de Vítor Gaspar e dos seus seguidores foi extremamente progressivo no combate à crise. Ao contrário do que por aí se diz, as classes de mais altos rendimentos sofreram debaixo da troika e de Passos Coelho como nunca tinham sofrido antes – quem vai dar dinheiro aos que têm mais é António Costa. O aumento da pobreza em Portugal adveio do grande crescimento do desemprego causado pelo brutal ajustamento, e não devido à incidência de impostos sobre as classes mais baixas.
O PS, pelo contrário, ao optar por carregar nos impostos indirectos para alivar os directos, está a aumentar as desigualdades em vez de diminuí-las. É certo que as classes mais baixas são beneficiadas com o aumento do salário mínimo (enfim: vamos fingir que esse aumento não terá impacto ao nível do emprego), do rendimento social de reinserção e do abono de família. Mas os grandes beneficiados deste orçamento de Estado são as classes média e média-alta, sobretudo os funcionários públicos e os pensionistas – mais de 60% dos 1,4 mil milhões de euros acima referidos vão para a devolução da sobretaxa e para as reposições salariais na função pública. Não há volta a dar: este é o orçamento em que a esquerda compra os votos dos funcionários públicos e dos reformados com o dinheiro de todos os portugueses.
António Costa afirmou que “em todos os momentos decisivos da nossa história fomos capazes de virar a página”, e que “sempre conseguimos articular bem o rigor com a
Basta acompanhar o branqueamento que a "comunicação social" faz das notícias que são péssimas para o actual governo português, particularmente as de índole económico-financeira, para sabermos qual é a "cor" dessa "comunicação social", e do país. Recordemos que durante o governo de Passos Coelho qualquer desvio orçamental dava direito a caixa alta, mas agora o pré-corte pela Moody's do rating da República deu direito a uma notazita de rodapé, quando muito.


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