segunda-feira, 11 de abril de 2016

A lata da gaja



A nossa amiga desbobinou. Tinha visto um programa com a Alexandra Solnado que já vai no 14º livro das suas comunicações com Jesus.
- Além disso tem palestras. Fazem-lhe perguntas e ela responde. Fala com Ele e Ele dá-lhe ordens e ela cumpre. Ensina as pessoas, transmite-lhes o que Ele diz. Não conta tudo. Uma portuguesa. Jesus não escolheu outra.
A nossa amiga estava lançada nas suas observações escarninhas, eu ainda quis focar o caso de Fátima e o da batalha de Ourique,  para confirmar que somos predestinados, mas não deu tempo.
- A lata da gaja! Sabe o que vai acontecer. Ah! Que cómico! Tenho a impressão de que a maioria acredita. Estou convencida de que vende os livros todos.
A minha irmã não deixou escapar, irada, nos seus pruridos de perfeição estética. E ética:
- É uma pretensiosa que ganha dinheiro. Ainda por cima é tão feia! Que pavor!
Receosa de que esses pactos da Alexandra com Cristo pudessem exercer, à distância,  algum castigo sobre a nossa insensibilidade, ainda para mais num momento em que ando fragilizada, para esconjurar o Mal, lembrei-me de Cesário Verde quando, nas suas «Contrariedades»  falou na Engomadeira, com uma postura muito mais generosa do que a da minha irmã  sobre a fealdade da nossa psicóloga vidente:
«A pobre engomadeira  ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!»
Até achei que não se me daria uma intervenção dessas, de Jesus, por intermédio da Alexandra Solnado, lembrada do caso do nosso Fernando Pessoa que também cumpria instruções de Além, fosse embora de outra dimensão menos dos nossos hábitos: «Emissário de um Rei desconhecido / Eu cumpro informes instruções de além»,  mas há muitos mais casos desses viajantes do espírito, para tratamento das nossas dores, devemos agradecer…
A minha irmã lembrou ainda, a propósito da fealdade e atraso do nosso povo, o programa de Vasco Palmeirim – «O País real» - que entrevista pessoas a quem faz perguntas, muito simpático, mas que a mim me faz virar de canal, envergonhada e revoltada com a deselegância intencional de destruir a imagem do país, que tem muitas outras realidades menos grosseiras.
- Mas como é que se mostra um país com esse atraso de vida? – corroborou a nossa amiga, também renitente ao programa insensato que faz ver todas essas misérias.
A minha irmã responde que adora passear e gosta de ver as diferentes paisagens e as terras que o programa revela, e de caminho apreende esses casos que se nos colam à pele, como uma crosta indelével.

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