sábado, 26 de março de 2016

Mais por nós do que por eles



“Orgulhosamente sós”, frase atribuída a Salazar, é retomada no Editorial do Público de 13/3, para justificar o posicionamento da facção britânica avessa à continuidade do Reino Unido na União Europeia, mostrando o quanto essa opção poderá ser negativa, no isolacionismo a que condenará os ingleses.
 Lembrou-me a frase de Salazar, que tanto se parafraseou no seu tempo, creio que em autocrítica parodística pela nossa matreirice interessada em destruir esse mito. O certo é que ele foi destruído, e nos aproximámos assim de quem nos reduziu à condição do «humildemente acompanhados”, que, de resto, condiz com a nossa modéstia de povo sempre mais espectador do que participante – (embora sempre expectante relativamente a dinheiros emprestados pela mesma União Europeia) -  na consciência da nossa insignificância cultural, mau-grado os heroísmos passados, da abertura de rotas para o mundo, no interesse próprio.
Também eu gostava que os Ingleses permanecessem ligados à União Europeia, habituada que estou a vê-los sempre em comando, quer quando dominam o mundo da Ásia e África, América e Oceânia, expandindo os seus produtos, a sua língua e a sua cultura, quer  por razões de afectos nacionais, devido a velha aliança que mantivemos em momentos de crise, como no tempo de D. Fernando, ou no de D. João IV, casando a D. Catarina de Bragança com um Stuart, a quem oferecemos Bombaim e Tânger, mais o hábito, ao que parece, do «five o’clock tea» e a “marmelade”, coisa significativa, além dos Doze de Inglaterra e o seu Magriço, defensores da honra feminina inglesa no tempo do duque de Lencastre, coisa de pouca monta, mas que Fernão Veloso valorizou contando-a aos marinheiros, como passatempo, antes da «súbita procela» que desabou sobre as naus do Gama, como mais uma das insídias de Baco, mas desta vez já perto do destino –“Terra de Calecu, se não me engano”, o que foi dito pelo alegre piloto melindano. O certo é que os Ingleses nos favoreceram com o Beresford e o Wellington, nos tempos da Revolução Francesa e seguintes da ausência da corte, a “banhos” no Brasil, e mais uns empréstimos necessários para recompor as finanças, no século XIX e seguinte, dívida que só o orgulhoso do Salazar conseguiu combater, embora retomada nestes tempos de acompanhamento democrático sem orgulho de maior.
Mas quando o Editorial do Público defende a permanência da Inglaterra na União Europeia, será que não o regem idênticos considerandos sobre a superioridade inglesa, como poderoso auxiliar do equilíbrio desta, mais do que o interesse pelo próprio equilíbrio do Reino Unido? 



Editorial
Público, 13/3/16
Orgulhosamente… sós?
Pode o Reino Unido apartar-se da União Europeia e a história ter um final feliz? Há eurocépticos que dizem que sim, apontando a UE como “um sorvedouro de dinheiro que subverte a democracia” e um “anacronismo”. Mas o salto no abismo que propõem, com a promessa (não garantida) de que existirá um pára-quedas a evitar danos maiores, não está a convencer as grandes empresas e os gigantes da finança londrina. Além de uma parte considerável do eleitorado, que teme poder ficar a perder com tal aventura. Com o referendo marcado para 23 de Junho e com quatro meses de campanha, já em marcha, a antecedê-lo, as principais interrogações dos britânicos não são políticas mas económicas e centradas nos seus próprios benefícios. O que ganharão se ficarem? O que perderão se saírem? Cameron, que se lançou nesta aventura por razões de sobrevivência política e agora terá de a levar até ao fim pelas mesmíssimas razões, sabe que é a isto que tem de dar resposta. E já o fez na quinta-feira, ao dizer: “Para aqueles que defendem a saída, a perda de empregos e os danos na economia podem ser danos colaterais ou um preço que vale a pena pagar. Para mim, não são. Não há nada mais importante do que proteger a segurança financeira dos britânicos.” A segurança, aqui está uma palavra que muitos levarão a sério. Trocar o certo pelo incerto foi coisa que não convenceu, por exemplo, os votantes no referendo escocês. E escolheram permanecer no Reino Unido. Ficaram no “clube”. Agora é o país inteiro que deve escolher ficar ou sair do “clube” maior, a União Europeia. Clube onde não tem de usar a mesma moeda, mas onde beneficia de vantagens comerciais não negligenciáveis num mercado único de milhões de pessoas. É para isto mesmo que alertam Guntram Wolff e André Sapir, do think tank Bruegel, num artigo intitulado O mito da soberania do Reino Unido: “Ser membro da União Europeia concede ao Reino Unido uma forte influência e a capacidade para exercer a sua soberania ao nível da União Europeia. Se sair da União Europeia, o Reino Unido terá de enfrentar uma escolha, entre negociar com a União Europeia e o resto do mundo os termos dos acordos comerciais ou virar-se para o isolamento.” Cameron e o seu governo empenham-se em convencer os britânicos a votarem pela permanência, mas terão pela frente uma oposição insistente e empenhada. A realidade, mais do que as intenções, ajudará. E se os britânicos fizerem contas, verão que o “orgulhosamente sós”, e simultaneamente poderosos, é, no mundo global de hoje, uma quimera.

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