segunda-feira, 28 de março de 2016

Continuação do estudo da matéria anterior




Não é de Pacheco Pereira este, é de Alberto Gonçalves que, sem rebuço nem delicadezas próprias de quem, como o primeiro, informa eruditamente que sim mas que também, para sair bem no retrato, afirma cristalinamente que não, e responsabiliza redondamente o cinismo da ambiguidade e dos truques de linguagem, dos que, sentindo o mesmo medo que todos sentem, o rodeiam em apuramento de razões contrárias, novos heróis do «nem carne nem peixe» destes novos tempos escorregadios como tentáculos de polvo inerte. Tal o denuncia Alberto Gonçalves, no seu artigo frontal - «Foi assim que a Europa perdeu a guerra», por meio de onze proposições-síntese das onze reacções que analisa: a reacção épica, da constatação e apelo; a cosmética, da iluminação nas fachadas dos crimes; a especializada, dos politólogos apurados e entorpecedoramente vãos; a ecuménica, da aceitação religiosa universal, mesmo, naturalmente, a “do gentio, que inda bebe o licor do santo rio”;  a herege, avessos a qualquer prática religiosa, e por conseguinte também à do mesmo gentio absorvedor do mesmo licor; a alucinogénica, da moderação e silêncio dos islâmicos, aparentemente não fundamentalistas, mas por todos respeitados; a baptismal, que se regula pela nacionalidade europeia do terrorista suicida, para melhor ilibar o asiático, antes da confirmação do nome Mahomed ou Abdula que o registo informa; a cartesiana, do nosso ministro Costa, desvalorizando a percentagem dos ataques perpetrados, ínfimos em face da multiplicidade dos não perpetrados; a sociológica, investigadora carinhosa e desculpabilizante dos crimes, em virtude dos contextos vivenciais dos criminosos; a inimputável, que responsabiliza, no recrudescimento terrorista, as más políticas dos poderosos do mundo; a queixinhas, acusadora das fobias gerais contra o Islão; a mumificada, específica do PCP, que, para qualquer novidade, e portanto nesta também, petrificou nas acusações à direita.
Um magnífico estudo, este de Alberto Gonçalves, menos histórico que o de Pacheco Pereira, mas de uma sagacidade interpretativa contundentemente esclarecedora.

Foi assim que a Europa perdeu a guerra
27 DE MARÇO DE 2016 
Alberto Gonçalves
Não é só o terrorismo islâmico - desculpem o pleonasmo - que entra na nossa rotina: a Europa também já tem reacções ao terrorismo na ponta da língua, sempre determinadas, sempre previsivelmente demolidoras para a moral de psicopatas. Sobretudo nas esferas oficiais, há a reacção épica, na qual nos declaramos chocados, apelamos à união dos povos e das crenças e juramos não nos deixar abater pela violência de uns poucos transviados. Tamanho fervor lírico abala brutalmente os terroristas.
Depois, há a reacção cosmética, dedicada a organizar vigílias, a iluminar monumentos a fim de convocar a Paz (como os antigos convocavam a chuva) e a proclamar nas "redes sociais" a profunda indignação que cada atentado nos suscita. Os mais activos chegam a pendurar no Facebook a frase "Je Suis (O Que Calhar)". Não custa imaginar o efeito destas medidas em sujeitos habituados a degolar inocentes.
Há a reacção especializada, normalmente assegurada nos estúdios televisivos por "politólogos" que começam por lembrar "a complexidade da questão", princípio que desenvolvem para consumo das massas até adormecê-las. O que as dissertações fazem aos membros do Estado Islâmico não deve ser bonito.
Há a reacção ecuménica, preocupada em esclarecer que todas as religiões zelam pela harmonia universal, incluindo aquelas com uma significativa quantidade de devotos empenhados em rebentar com o próximo. É coisa para deprimir os candidatos a mártires.
Há a reacção herege, que aproveita para recordar o carácter maligno das religiões em geral, no impecável pressuposto teórico de que apenas o acaso impede budistas, católicos e judeus de se explodirem regularmente em aeroportos ou estações de metro. Isto para os "jihadistas" é devastador.
Há a reacção alucinogénica, que supõe um vastíssimo "islão moderado" em comunidades que respondem às acções dos radicais com estímulo, protecção e, no mínimo, silêncio. Atitudes assim mantêm os bombistas em respeito.
a reacção baptismal, que aguarda pela divulgação da naturalidade dos "suicidas" para explodir (sem trocadilho) de júbilo: "Vêem, seus racistas? Vêem como afinal os tipos eram belgas?" - belgas chamados Mohamed e Abdul. Os dados do registo civil provocam razia nas fileiras do Daieche ou lá o que é.
Há a reacção cartesiana, superiormente manufacturada por António Costa: "Por cada atentado que ocorre há dezenas que não ocorreram." E por cada português iluminado por um primeiro-ministro destes há milhões de estrangeiros que não o conhecem. Bem feito para os homicidas.
Há a reacção sociológica, que lamenta as chacinas por mera formalidade, já que no fundo se interessa exclusivamente pelas causas "profundas" das ditas. Se um tarado trucida xis pessoas a sangue-frio, importa é compreender o "contexto" que impeliu o pobrezito. As vítimas são irrelevantes se comparadas com a análise dos subúrbios em que o tarado cresceu, a ausência de políticas urbanísticas "transversais", a falta de estímulos governamentais à aculturação dos imigrantes, o desemprego e, em suma, o que servir para desviar a atenção da matança e nos transforme, a nós sem excepção, nos seus autores simbólicos. Tomem, extremistas, que já almoçaram.
Há a reacção inimputável, que isenta os assassinos e responsabiliza exclusivamente George W. Bush (ou outro americano "imperialista" à mão; ou Israel) pelo "fundamentalismo islâmico". Os fundamentalistas nem sabem onde se hão-de meter.
Há a reacção queixinhas, que anda a catar indícios de "islamofobia" para denunciar às pessoas de bem tão horrendo crime. Ide buscar, sacripantas.
E há a reacção mumificada, consubstanciada no deputado do PCP que culpa as "políticas de direita" pelo zelo exterminador de inúmeros muçulmanos. Há oitenta anos que os comunistas aplicam a mesma lengalenga a tudo o que acontece, num transe que hesita entre a demência e a pulhice. De qualquer modo, em matéria de carnificinas os fanáticos do profeta ainda têm a aprender com os apóstolos de Estaline - um enxovalho merecido.
No fim de contas, um facto é inegável: nem todo o terror do universo consegue impedir-nos de fazer figuras escandalosamente ridículas. E, se é difícil arranjar maneira de controlar o ódio de tresloucados, é facílimo impulsioná-lo, bastando para tal proceder exactamente como temos procedido. Este caldo de ingenuidade, êxtase "multicultural" e, no limite, simpatia inconfessa pelos terroristas (por via da aversão ao "sistema") representa, na prática, a abdicação do Ocidente. E o perigo eventual da erupção "xenófoba" na Europa, para que muitas donzelas sensíveis alertam, é simplesmente uma consequência plausível da tragédia em curso, que poucos assumem. Atribuir os cadáveres de Bruxelas, por exemplo de Bruxelas, aos instintos de três ou quatro criminosos é esquecer o bairro que os produz. Ou as crianças de Antuérpia que os celebram em plena sala de aula. Ou o café de Liège que exibe a bandeira palestiniana e proíbe a entrada a judeus. Ou a marcha contra o medo suspensa "por questões de segurança".
Atolados em conversa fiada e na tolerância infinita face ao alegado "desenraizamento" do "outro", vamos renunciando àquilo que nos define e, sejamos francos, eleva acima da barbárie. Não tarda, os desenraizados seremos nós. E os bárbaros estarão em casa.

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