sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Um texto da Beatriz com um final diferente




O meu filho João enviou-me o texto feito pela sua filha Beatriz que tem dez anos e creio que uma memória prodigiosa, pelas coisas que fazia aos três e mais, e pelo nível de linguagem que desde cedo demonstrou. Agora, com dez, já tem revelado uma maturidade em textos da escola que me deixam admirada. Tal é o caso deste, sobre um final diferente que quis dar à “Fada Oriana”, da Sophia de Mello Breyner, livro que leram neste seu quinto ano e que eu nunca tinha lido. Achei o texto da Beatriz extraordinariamente concebido, revelando imaginação, sensibilidade, sentido de humor e um poder de reflexão acima do que alguma vez concebera para uma criança de dez anos, além da perfeita sequência de argumentação e criatividade. A Internet forneceu-me a história completa da Fada Oriana, e voltei a ler a redacção da Beatriz, para confirmar o prazer que sentira. Guardo-a no meu blogue, com muita alegria, sublinhando a negrito os dois erritos comuns em pessoas mais crescidas:

Querido diário, hoje tive uma bela ideia: peguei na minha varinha de condão cintilante e colorida e criei-te. És tão bonito, tão colorido!

 Ainda bem que tudo o que passei nos últimos tempos terminou! Cresceu uma enorme solidão dentro de mim, tão grande que até tive vontade de desistir, mas lembrei-me dos meus amigos e dizia para mim própria: “Oriana, não queiras desistir! Pensa nos teus amigos, na tristeza das suas famílias! Não desistas por todos, e pelas tuas asas e pela tua varinha de condão!”, e por isso eu enchi-me de forças e nunca, mas nunca desisti, tal como não deixei de pensar na infelicidade dos outros que eu outrora cuidara. Quando a Rainha das Fadas Más veio ter comigo para me dar umas asas, eu recusei, porque ela queria que eu fizesse várias coisas maléficas, como: sujar a água das fontes, colocar teias de aranha em cima das flores, fazer secar as sementes que estão na terra a germinar, roubar a voz aos rouxinóis, azedar o vinho, roubar o dinheiro aos pobres, empurrar as crianças, apagar o lume dos idosos, roubar o perfume das flores, assustar os animais e desencantar o mundo. Eu sempre preferi não ser uma fada e ser como as outras meninas a ser cruel e sem coração.

Bem, agora vou te contar todos os meus planos para o futuro: Eu cuido da floresta. Mas, sempre sonhei em ter algo maior, mais divertido, com mais sonhos!  Então, penso que devo transformar a casa da minha querida amiga velha, e trazer-lhe outras tais que estejam a passar pela mesma situação, pois ninguém merece estar a viver solitária na 3ª idade. Depois arranjo-lhe a casa, limpando-a, colocando-lhe coisas menos estragadas pela casa fora (e dentro), fazendo arranjinhos, um quintal, e com uma vedação por onde os forasteiros não poderão passar. Quanto ao lenhador, ele necessita de uma casinha mais formada, então vou criar um andar em cima da sua casa, em que terá os quartos, e outras coisas que de eles necessitem realmente. O moleiro e a sua família terão tudo no seu ponto correto, e haverá uma máquina automática de limpeza. O Poeta não precisa de nada, pois nunca o ouvi queixar-se de nada do que tem. No que eu tenho mais preocupação é com os animais, mas tenciono dar-lhes um espaço blindado anti-tiros. Irá ser como uma cúpula, mas da cor da floresta e camuflada, sem se ouvir o som por fora. Espero apenas que consiga fazer algo assim com a minha magia de novata, porque ouvi dizer que não dá para se fazer isso sem treino. Só que, acho que me esqueço de algo… Ah! Já me lembro: DE MIM!  

 Bem, de vez em quando sinto-me igual à velha: solitária e triste. Acordo sem ninguém na minha casinha, e apenas vejo os galhos da minha doce e adorável árvore. De vez em quando penso que preciso de alguém com quem socializar, mas agora lembro-me de que uma vez vi uma fada linda: tinha cabelo azul, olhos azuis, pele clara como a cal, asas coloridas e uma roupa azul e cintilante. Aliás, chama-se Luna, a Fada Luna. Ela contou-me que vivia sozinha, e a nossa humilde Rainha a mandou cuidar de outra floresta aqui pertinho. Mas agora eu decidi que vou perguntar-lhe se quer vir viver para aqui para a minha floresta. Ela tem uma idosa como amiga, a passar pela mesma situação que a minha amiga, um casal de ferreiros e seu filho, a passarem o mesmo que os lenhadores, e um casal de carpinteiros com os seus onze filhos, cujo homem adulto deixa sempre tudo em desordem. Ela perguntou se não podia trazer os seus amiguinhos para a minha floresta, pois a dela é antiga e já quase não tem vida, tal como precisa de alguém com quem conviver, ou poder ser a irmã mais velha ou mais nova, e eu disse-lhe que estava a passar pelo mesmo que ela, então sugeri-lhe diversas ideias, como, por exemplo, o que escrevi nalgumas linhas atrás sobre a sua amiguinha idosa vir viver com a minha na sua antiga casinha, que tenciono que fique bem mais formada. Perguntei-lhe também se ela queria que fizesse o mesmo com os Ferreiros e os Lenhadores, e os Carpinteiros e os Moleiros. 

Sabes, querido diário, eu sempre penso como estará aquele ingrato e covarde peixe que me vez perder as minhas asas e a minha varinha de condão, juntamente com todos os meus amigos. E se ele estiver de novo em apuros? E se ele, entretanto, já tiver morrido? E se ele se arrependeu do que me fez? Questiono-me todos os dias sobre isso. Sabes, acho que amanhã vou visitar o lago, e também vou criar um para todos os peixes viverem na floresta. Vou treinar os meus poderes para conseguir completar todos os meus planos para o futuro, e assim acho que sempre conseguirei. Mas agora irei focar-me mais na tarefa que me foi dada, e tentarei comunicar o mais rápido possível à Rainha das Fadas que irei juntar fronteiras com a Fada Luna D’ Blu’e, e vou fazer isso agora mesmo, quando acabar de escrever aqui no diário.

Bem, agora que penso nisto, acho que vou pegar numas pedrinhas e irei colocá-las numa casinha que eu encontrei (para não andar a usar os meus poderes por tudo e por nada e para não ter de ir à Gnomolândia, à Trollolândia ou ao Polo Norte para ir buscar Gnomos, Trolls ou Duendes para construírem uma casa à maneira apenas para umas simples pedrinhas) e depois encanto aquele local e assim tenho sempre pedrinhas para os lenhadores, os moleiros, os carpinteiros e para os ferreiros.

                                                                                                                 Com amor,

                                                                                                                 Até amanhã,
Maria Beatriz Lacerda

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