quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Mais um daqueles




Alberto Gonçalves, um herói dos novos tempos, na determinação dos seus princípios, na coragem com que os afirma, certamente que arrostando os insultos, tantas vezes obscenos dos tais “patriotas”  dos novos tempos, aqueles para  quem  a designação “pátria” continua a  limitar-se ao povo esmagado, à maneira sensível  das personagens de Gorki, pelo menos as de que me lembro do livro “A Mãe”, lido nos tempos impressionáveis  da juventude. Foi uma obra que até parece ter motivado os russos para a execução em bloco da realeza reinante, em função, é certo,  de futuras ditaduras russas igualmente de grande rigor executivo, embora de pendor mais proletário, pelo menos enquanto se não consolidou a aristocratização dirigente, fruto das naturais ambições de contínua melhoria do status pessoal. Essas ideologias também por cá estão em pleno destaque, frisando uma ditadura do proletariado não só através dos chefes sindicais, como através das greves e das marchas reivindicativas que, aliás, os sindicatos  e os partidos próprios impõem. E o país vai esmorecendo, com as exigências dos benefícios sociais constantes, como direitos próprios e sem estímulo ao trabalho, na inveja dos “ricos” – a suprimir - segundo Alberto Gonçalves, «os ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.» Faltou acrescentar os que usam gravata, que nos meus tempos de outrora distinguia, sobretudo, o “doutor”, e que os Varoufakis de hoje desdenham democraticamente, causando diminuição na venda do produto.
E a diatribe sobre o “castigo dos ricos” é uma pequena definição que mereceria ser recortada – como, aliás, todo o artigo – e reproduzida por toda a imprensa não manipulada por sectarismos obtusos e vilipendiosos da tolice nacional. Um artigo, para mim, “o máximo dos máximos”, para usar um recurso de superlativação ao modo salomónico do “Cântico dos Cânticos”. Por ser corajoso. Por ser suficientemente erudito, sintético e crítico. Por defender valores e sentimentos sem se deixar intimidar pelas opiniões contrárias, dos tais para quem a anarquia e a licença representam o nec  plus ultra da modernidade e da virtude.
Lembro um filme que revi ontem, e que revejo sempre que a televisão o mostra, nos canais próprios. É com Roberto de Niro, no papel de um oficial do exército cego que se faz acompanhar por um jovem estudante num fim de semana em Nova York, antes de se suicidar. O jovem, sensível e bom, (Chris O’Donnell), tudo arrosta para o tornar feliz e o fazer perder a ideia do suicídio. O jovem frequenta uma instituição escolar que o catapultará para a Universidade se ele denunciar uns colegas prevaricadores. Durante o seu julgamento e o do filho do pai importante, como únicos que presenciaram o desacato dos colegas, contrariamente à pusilanimidade do “filho de papai”, o jovem Charlie (Chris O’Donnell) mantém-se firme no seu estatuto moral que o impede de denunciar os colegas, apesar da ameaça de expulsão. Mas Frank Slade (Al Pacino), entretanto aparecido na sala do julgamento, ergue-se em veemente defesa do seu jovem protegido, lembrando a extraordinária força moral por este revelada, contrariamente ao colega do “parecer que viu” indeciso, mas apesar de tudo denunciante. Um filme que, ao contrário da doutrina moderna que, na defesa da liberdade antidogmática, relativiza todos os conceitos, pondo verdade e mentira no mesmo cesto, se atreve a defender o conceito moral como princípio fundamental da racionalidade humana.
Também Alberto Gonçalves se não acobarda perante os vendedores de banha da cobra, vendedores de pseudo-patriotismos, sempre aptos a erguer a férula contra a governação «à direita», perante a complacência dos que fingem acreditar que não é a pátria que eles atingem mesmo, nas tintas para essa. De toda a maneira, o risonho A. Costa promete mundos e fundos e isso é um dado que nos aquece a alma, ansiosos pela inversão do provérbio “São mais as vozes que as nozes”. Costa promete, sempre rindo, contente de si, as nozes em número superior às vozes. E nós gostamos.

Os patriotas que vão acabar com a pátria
Um inglês célebre afirmou que o patriotismo é o último refúgio dos pulhas. Esqueceu-se de acrescentar que às vezes é o primeiro. Duzentos e tal anos depois, há aqui uma espécie de governo e uma espécie de maioria tão empenhados em arruinar-nos quanto em acusar de deslealdade os críticos da empreitada. É o velho método "gonçalvista" do "quem não está connosco está contra nós", naturalmente aliado ao velho método salazarista da aversão à malévola influência "estrangeira".
A ideia, hoje e ontem, é a de que as alucinações do PS e da extrema-esquerda, desculpem a redundância, passariam incólumes na "Europa" se não fosse a acção subversiva e o espalhafato da cáfila de "vende-pátrias" (termo curiosamente utilizado há meses pelo Avante!). Aliás, um conselheiro de Sua Ex.ª, o Senhor Primeiro-Ministro, esticou há dias a corda e a cabecinha para chamar precisamente isso aos "vendidos" que discordam desta vergonha: traidores, quase de certeza ao serviço da Alemanha.
Não admira que os jagunços do dr. Costa se prestem a tal papel. Admirável é haver jornalistas dispostos ao mesmo. No i, uma senhora com carteira profissional, Ana Sá Lopes, deixou fluir a imaginação e até lembrou a "quinta coluna" nazi, os míticos infiltrados de Berlim que, supostamente, derrotariam a partir do interior a Inglaterra na II Guerra. Nas televisões, vêem-se diversas glosas à tese por parte de comentadores isentos, liderados por Pacheco Pereira em matéria de isenção. Em alvoroço, garantem-nos que somos controlados por entidades não eleitas. E nem sequer se acalmam se lhes dermos razão e os recordarmos do 4 de Outubro.
Tudo isto a propósito do Orçamento do Estado e das respectivas exigências da Comissão Europeia. A troika, se quiserem chamar-lhe assim, reclama no fundo que gastemos de acordo com o que produzimos, ou só um pouco acima. O governo e a extrema-esquerda, se quiserem distingui-los, insiste na existência de uma alternativa à "austeridade". Por acaso, como qualquer chefe de família perceberá, existem várias: o empréstimo a longo prazo, o roubo a curto prazo, o suicídio ou uma mistura dos três antecedida de ruidosa fanfarronice, género agarrem-me ou eles espancam-me.
Na semana anterior, o berreiro preparou o caminho. O horror suscitado em Bruxelas pelo rascunho de OE elaborado por rascunhos de economistas provocou, cá dentro, uma divertida pândega. Para consumo interno, o PS atacava a "direita" e o BE e o PCP avisavam o PS de que não tolerariam desvios à linha justa. Para consumo externo, sujeitos anónimos ameaçaram a "Europa" com referendos, "bombas atómicas" e outras armas cujo impacto era proporcional à brutal irrelevância dos guerrilheiros. Os que, por fé ou infantilidade irreversível, acreditaram nas bravatas depararam-se com uma autêntica demonstração de patriotismo: maluquinhos convencidos de que Portugal é tão maravilhoso que a União não vive sem ele. Após engraçadas correcções e vexames (de que o elogio da sra. Merkel a Passos Coelho nas barbas do dr. Costa constituiu a punch line), a CE lá tolerou o OE e os maluquinhos correram a proclamar o fim da "austeridade" e a agitar euforicamente o consentimento dos senhores da Europa, de súbito promovidos de tiranos do capital a avaliadores consagrados.
A realidade? O recurso a um arremedo da estratégia do inspirador Syriza, com os espectáveis resultados do Syriza. Através do Hélder Ferreira, que escreve no Diário Económico e que Pacheco Pereira apresentou na Quadratura do Círculo como exemplo das vozes que ultrapassam os limites (tradução: insultou os patriotas, pelo que é outro insanável traidor), soube que a negociação grega foi considerada a mais desastrada de 2015 pela Harvard Law School. Não é para menos: começa-se por falar grosso com aqueles de que se depende e termina-se a aceitar tudo e um par de botas de modo a não se ser escorraçado. Pelo meio, avança-se com esmero rumo à miséria.
Na prática, a "vitória" diplomática do dr. Costa traduz-se no castigo dos ricos, os ricos que trabalham no sector privado, os ricos que auferem mil euros, os ricos que fumam, os ricos que bebem, os ricos com carro, os ricos com filhos, os ricos sem filhos, os ricos com conta bancária, os ricos que comem tostas, os ricos que pagam os feriados, os ricos que pagam IRC, os ricos que pagam os juros da dívida, os ricos que pagam um manicómio com a capacidade de atrair investimento do Butão, os ricos que vão pagar um isolamento orgulhoso e triste.
O PS apenas ganhou na medida em que aguentou no poder a criatura que manda naquilo. O PCP ganhou porque satisfez as clientelas da função pública. E o BE ganhou porque continuou a desgastar o PS. Evidentemente, perdemos todos: com os seus inúmeros defeitos, receios e desvios, a "austeridade" de PSD-CDS tinha um fim; o "tempo novo" do governo e da extrema-esquerda (peço perdão pelo pleonasmo) é o próprio fim, mas não o da "austeridade". Os patriotas de agora são os que, em prol da sobrevivência imediata, afundam deliberadamente o país de acordo com delírios pessoais. O último a fazê-lo acabou na cadeia. O candidato actual à proeza anda à solta, para desgraça dos traidores, que são muitos. Somos.

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