quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Tudo tão longe



A propósito de um texto publicado no “A Bem da Nação”- uma entrevista a Marcelino dos Santos, e em resultado de uma conversa telefónica que o Dr. Salles da Fonseca manteve com João Cabrita, autor do livro “Mozambique”, The tortuous road to Democracy”, o qual lhe telefonou de Mbabane (Suazilândia),  para saber mais dados sobre Joana Simeão, após ter lido no “A Bem da Nação” um seu texto sobre a sua relação pontual com aquela, propôs-me o Dr. Salles , sabendo que eu a conhecera, que escrevesse sobre Joana Simeão. Mas o meu conhecimento só resulta de memórias, mais ou menos apagadas, embora não esquecidas, de uma voz estridente numa mulher vistosa e espampanante, na cabeça um espectacular turbante, e isso ficou registado em texto vagamente poético “Assim é Joana” de “Pedras de Sal”. Foi uma altura de muito sofrimento, ou antes, de muito terror e estupefacção que vivi em esperança de reversão, continuando a trabalhar e a ironizar por escrito, tal como agora se faz também, a respeito do que se pratica na nossa democracia laracheira - mas não criminosa, como a que se tentou implantar em Moçambique. Só para rir o afirmá-lo –  democracia - ou, pelo contrário, para chorar. A entrevista de Emílio Manhique com Marcelino dos Santos mostra a crueza de um regime comunista implantado nessa ex-colónia, como, mais ainda, talvez, em Angola:

O QUE OS COMUNISTAS FAZEM A QUEM SE LHES OPONHA

Entrevista com Marcelino dos Santos por Emílio Manhique, Televisão de Moçambique.
Data: 19 de Setembro de 2005
Programa: “No Singular”
(Excertos)

Emílio Manhique: Lázaro Nkavandame, Gwenjere, Joana Simeão foram mortos depois da independência, mas a Frelimo tinha dito que iam ser reeducados, que iam servir de exemplo. Porque é que foram mortos sem sequer nenhum julgamento?
Marcelino dos Santos: Naturalmente... primeiro porque consideramos que era justiça.
Manhique: Justiça popular?
Marcelino dos Santos: Altamente popular, exercida...
Manhique:... mas foi uma justiça de um movimento guerrilheiro, não de um partido.
Marcelino dos Santos: Justiça contra traidores porque qualquer um deles se aliou ao colonialismo português.
Manhique: Mas porque é que a Frelimo primeiro disse que iam servir de exemplo?
Marcelino dos Santos: Sim, e depois sobreveio a acção, a tentativa do inimigo de buscar elementos moçambicanos descontentes, em particular aqueles que pudessem ser-lhes bastante úteis. Então, aquela consciência que nós tínhamos inicialmente de que são traidores e que, portanto, deveriam ser executados. Bom, numa certa medida podemos dizer que surgiram as condições que forçaram a implementação de uma preocupação e de um sentimento muito, muito, muito antigo porque é bom não esquecer que Lázaro Nkavandame...
Manhique: E porque é que não se informou o povo?
Marcelino dos Santos: Porque aí é preciso ver o momento em que isso acontece e naturalmente embora nós sentíssemos a validade da justiça revolucionária, aquela construída, fecundada pela luta armada revolucionária de libertação nacional, havia, no entanto, o facto de que já estávamos em Estado independente. Quer dizer, Moçambique se tinha já constituído em Estado embora a Frelimo fosse realmente a força fundamental desse Estado. Então foi isso, talvez, que nos levou, sabendo precisamente ainda que muita gente não estava certamente apta a entender bem as coisas, que nós preferimos guardar no silêncio esta acção realizada. Mas que se diga bem claramente que nós não estamos arrependidos da acção realizada porque agimos utilizando a violência revolucionária contra os traidores e contra traidores do povo moçambicano.
 (colaboração de João Cabrita, Mbabane, Suazilândia)

O que posso fazer, é transcrever outro texto de “Pedras de Sal” (contido em “Cravos Roxos”), com um parágrafo que se refere a Joana Simeão. E como contém referência a Almeida Santos, servirá justamente para o homenagear, lembrando acções passadas, do agrado de toda a gente agora, como é costume quando se morre, mas que justamente reconhece nele  o homem inteligente que foi e que teve ocasião de continuar a revelar-se por cá, protegendo os seus amigos, com a sua voz maviosa, que – mais uma voz – ficaria gravada na minha lembrança, através do fado doce que lhe ouvi cantar em Lourenço Marques, e que a internet me faz ressuscitar:

Lá Longe
Lá longe ao cair da tarde
Vejo nuvens d'oiro que são os teus cabelos
Lá longe ao cair da tarde
Vejo nuvens d'oiro que são os teus cabelos
Fico mudo ao vê-los, são o meu tesoiro
Lá longe ao cair da tarde
Lá longe ao cair da tarde
Quando uma saudade se esvai ao sol poente,
Lá longe ao cair da tarde
Quando uma saudade se esvai ao sol poente,          
Como canção dolente duma mocidade
Lá longe ao cair da tarde.

Transcrevo pois, o texto – “Movimentação” - sobre um passado morto, lamentando a crueldade com que foi tratada a figura esplendorosa de Joana Simeão, e, afinal, recordando uma figura marcante, de voz branda e expressiva, Almeida Santos, cuja morte inesperada chocou, após o gesto de apoio a Maria de Belém, como acto de cavalheirismo e amizade que o elevou, para mim, por altivamente se revelar indiferente aos comparsas do apoio a Nóvoa.

Movimentação
«Desde 25 de Abril, aproximadamente, toda a gente se movimenta para fazer coisas – partidos, manifestos, comunicados, discursos, reuniões, pareceres, propostas de saneamento, peditórios, tentativas de ilustração das massas..
Os peditórios e as tentativas cabem às senhoras, por natureza generosas e apóstolas da tentação, como as sereias.
Cá por mim, sinto-me baralhada, pois as opiniões são muito desencontradas.
Os partidos que se apelidam de democratas, parece que são mais que um, pois por vezes desmentem-se. Uns mandam telegramas de repúdio a umas palavras elegantemente levianas – e parecem, pois, repudiar a leviandade. Logo outros democratas desmentem tal telegrama – o que parece apoiar a leviandade. Por outro lado, um dos partidos democratas propõe saneamentos onde não se inclui o da prostituição e logo outro partido democrata inclui o saneamento da prostituição.
Um outro chamado MIMO deseja mimosamente a independência total, mas em idêntico telegrama de repúdio às mesmas palavras levianas expõe que jamais renegará a pátria portuguesa – contradição que me deixa atordoada pela desorientação de princípios manifesta.
Um partido chefiado por uma mulher – nem só os peditórios e os partidos são pertença das senhoras – experimenta autodeterminar a massa negra informando-a de que se não deve amotinar contra a massa branca – maneira cavilosa de lhe lembrar que pode.
Um ilustre advogado, num artigo de muito génio que ficará na posteridade como marco simbólico das qualidades humanitárias e cavalheirescas de um povo – aconselha com muita finura a que deixemos estas terras aos seus naturais, afirmando que se ele fosse negro era isso mesmo que desejaria. Esqueceu-se de analisar a questão do outro ponto de vista – do seu – e de se afirmar numa atitude corajosa e não cordialmente desleixada, de quem se está nas tintas, ou prefere uma retirada elegante, porque teve tempo de se estruturar melhor “ailleurs” durante o regime tão criticado, mas com tantos resultados positivos para si próprio e tantos outros, derrotistas como ele.
Um homem igualmente chique – tem-me chamado muito a atenção o pormenor do requinte de maneiras (com raras excepções) em todo este fervilhar – depois de se mostrar, reservadamente embora, conivente com a Junta, manifesta agora, decididamente, a sua não adesão a respeito do Ultramar. Como é um homem, ao que se tem visto, habituado a levantar voo frequentemente, cuida tarefa fácil levantarmos todos voo com ele, e aconselha resignação e calma ordeira, para tudo se fazer com compostura, na hora do embarque, de acordo com os seus ideais.
E no meio de tanta leviandade e garotice com que se debatem os destinos de um povo, de tanto egoísmo e cobardia mascarados de filantropia, de tanto partido apressado, poucos deles seguem o da sensatez e do respeito pelas normas do seu Governo, o partido daqueles cidadãos verdadeiramente livres, ou seja, os que sabem obedecer.»

Nenhum comentário: