segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Enquanto o pau...



Já a minha irmã e a minha amiga tinham falado do DDT do sábado à noite, que eu falhara, gabando os actores como dos melhores – a Ana Bola, o Joaquim Monchique. o Eduardo Madeira, o Manuel Marques e Joana Pais de Brito, como revelação que todas apreciamos. Vi o programa no domingo à tarde e confirmei o meu comentário ao café: são bons como histriões, como caricaturas das figuras políticas que encarnam, mas não passamos de bons farsantes, fabricantes de figuras sociais, ou antes, de tipos conhecidos, os mais altamente posicionados, sobretudo, como já Gil Vicente fizera no seu tempo. Um teatro humorístico de troça atrevida e galhofeira, que, porque directo e facilmente identificável se torna aprazível e sempre actual, como é, aliás, o seu objectivo. Não temos, de resto, a veia dramática de outros povos, ficando-nos definitivamente pelo género revisteiro que nos mantém na infância da projecção teatral. Mas a nossa amiga discorda, e há dias, num outro domingo em que o Eduardo Madeira apareceu ao balcão do café, ela dirigiu-lhe umas palavras de apreço, como eu, aliás, já também fizera, num outro café, dirigindo-me à Maria Luís Albuquerque, sossegada, na esplanada, com seu marido, que deve ter apanhado um susto quando viu uma desconhecida dirigindo-se-lhe muito rápida, para largar uma frase e voltando as costas de seguida: - Gosto muito de si. A minha amiga troçara do meu arrebatamento, mas o dela foi até mais glamouroso, no seu donaire que lhe vem dos tempos da Zambézia e do convívio social que ainda hoje mantém com as suas amigas.
Mas as conversas são como as cerejas, ao que se diz e que foi verdade nos meus tempos de criança por cá, em que comíamos glutonamente as cerejas das pernadas de uma cerejeira que havia no quintal e que um vizinho nos atirava de cima dela, eu própria também o fazendo, por essa altura boa trepadora. E digo isto porque me espantei com o súbito arreganho eloquente com que desatámos a falar dos actuais políticos, a minha amiga em voz macia, coisa que logo lhe fiz sentir:
-Realmente é preciso ter muito juízo para conseguir que tudo se resolva. É tudo o que se pede.
Eu, que ultimamente ando muito enervada, atirei que nunca ela disse o mesmo do governo anterior, tão docemente, lembrando as desgraças sempre, indiferente aos condicionalismos. A minha amiga voltou areferir o desemprego e a emigração, e a minha irmã tirou-me as palavras da boca:
-Sempre houve emigração no nosso país, não se percebe por que tanto se condena uma coisa que só nos tem beneficiado.
Mas a nossa amiga não se desmanchou, segura das suas opiniões e concordou com a minha irmã sobre o Costa:
-Agora que o Costa está metido numa grande embrulhada, isso está.
-Sim, vai ter um grande problema pela frente.
Falámos no conjunto de pessoas do novo governo, a maior parte desconhecida, é claro, mas com um João Soares lá metido, filho de papai, e sem as garantias de que se cumprirão todas as propostas de governo minoritário que conseguiu fazer-se eleger apesar da resistência de Cavaco que a minha irmã condenou, e que eu hoje também condeno, por ter sido de pura exibição pessoal e sem justificações nem explicações finais ao país, sobre o porquê da aceitação de um PS a governar, no vago das definições dos partidos apoiantes, que apenas matraqueiam as suas imposições de rápida reposição de salários etc., na ameaça das pressões arruaceiras ou parlamentares.
Em casa, já em conversa com o meu marido, ao ouvir das arruaças organizadas pela CGTP, comentei que o povo e os seus orientadores de opinião eram estúpidos em provocar já manifestações, se queriam governo de esquerda, e o meu marido explicou:
- O povo não quer trabalhar, quer ganhar já, pressionando, para o dinheiro ser reposto, não importa como.  Enquanto o pau vai e vem folguem as costas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Uma página da história antiga e moderna



Realmente, o que se tem visto, é François Hollande por aqui e por ali, junto de Angela Merkel, primeiro, junto de Obama há pouco, e, pelo meio, também com David Cameron, posando com o aperto de mão para a cooperação bélica, com Putin igualmente, em luta na Síria, ou fazendo apelo à União Europeia para que os países dessa participem na guerra, na Síria e mais onde for preciso para desfazer os terrorismos em curso, que o escoamento migratório para a Europa acelerou resultante da fuga à guerra síria, mas com consequências funestas para o Ocidente.
Vasco Pulido Valente historia os factos antigos, dos colonialismos no Norte de África e na Ásia. Não vai em fraternidades como essa de a Europa acolher os povos aterrorizados nas suas guerras entre facções religiosas e outros pormenores das suas políticas. A verdade é que a abertura das fronteiras europeias parece encaminhar o mundo para uma nova guerra mundial. Nos fluxos migratórios, os chamados jihadistas, com o seu ascendente maléfico junto das camadas mais jovens, parecem estar a tomar o comando dos focos de uma assustadora guerra de vingança e de terror. Os contactos de um preocupado François Hollande para criar uma coligação internacional contra o Estado Islâmico, parecem não merecer o apoio de Vasco Pulido Valente: ninguém de bom senso se lembraria de intervir em guerras religiosas, como fez o Ocidente com propósitos menos fraternos do que económicos. «Relações mínimas e estritamente materiais entre o Ocidente e o Islão, petróleo por tecnologia – e acabou”. Mas não é essa materialidade precisamente a causa-mor do desastre?

Hábitos que não passam
Vasco Pulido Valente
Público, 15/11/2015
Na sexta-feira um ataque militar terrorista em Paris fez mais de 120 mortos. Alguns jihadistas gritaram às vítimas que o massacre era “pela Síria”. Não esqueçamos que a Síria foi uma colónia francesa entre 1919 e 1941, quando a Inglaterra expulsou as tropas de Pétain, para grande indignação do general de Gaulle e desgosto do Império. Durante todo o século XIX e grande parte do século XX, as potências nunca deixaram de se guerrear pelo domínio do Mediterrâneo oriental e da longa costa da África do Norte: a Inglaterra, a França, a Espanha, a Alemanha e, depois de 1945, a própria América. Churchill começou a sua carreira numa carga de cavalaria em Obdurman e Georges W. Bush acabou a dele no Iraque. Pelo meio, a França perdeu o Egipto e o Sudão e ganhou a Tunísia, a Argélia e uma considerável parte de Marrocos.
O Ocidente, por razões que variaram com a época e o país, sempre se achou dono da África do Norte e do Médio Oriente. A impotência de Istambul tornava o imenso território do Império Otomano em terra de ninguém e de toda a gente, que os diplomatas da “civilização” dividiam e redividiam a régua e esquadro. Mesmo a Rússia perdeu a sua única guerra – na Crimeia, com a França e a Inglaterra – por causa de uma querela com a Igreja Católica em Jerusalém. O canal de Suez, caminho para a “jóia da coroa” e para o Oriente, e a seguir o petróleo prolongaram até hoje o longo envolvimento da Europa e da América em questões que não lhes diziam respeito. Nem a descolonização, que provocou na Argélia barbaridades sem nome, mudou muito as coisas. Sobretudo para a França que se continua a considerar tutora e protectora das suas velhas colónias.
A situação do Norte de África e do Médio Oriente é agora uma situação de guerra religiosa entre sunitas e xiitas (e as várias seitas de cada lado) e também, em certos países, de guerra entre islamitas e secularistas. Não ocorreria a nenhum estrangeiro de senso intervir neste caldeirão, como não ocorreria a um budista, por muita força e apetite que tivesse, intervir na “Guerra dos 30 Anos”. Mas nem o Ocidente nem a Rússia hesitaram um segundo em tomar partido pela palavra e pela bomba na região inteira. Julgavam que nenhum muçulmano se atreveria a transportar as suas sujas questões para o continente da liberdade e da tolerância. Um erro primário. Desde o primeiro momento que os designaram como fautores de qualquer desgraça em que metiam o nariz. As relações entre o Ocidente e o islão deviam ser mínimas e estritamente materiais: petróleo por tecnologia – e acabou. Fora isso, o terrorismo vai continuar e aumentar, quer a “grande” França queira, quer não.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Rescaldos



Tinha pensado em não voltar mais a Cavaco Silva, arrumado o caso da “vitória” autofabricada do novo governo, que o Presidente da República tentara evitar com todas as veras da sua honorabilidade rácica, indiferente aos apupos da maioria do rebanho nacional, no qual se incluem muitos comentadores políticos, que não perdem a ocasião, nas suas análises de sabedoria sem raça, de lhe lançarem os morteiros da sua seriedade intelectual pouco educada, ou como as damas zelosas dos novos partidos, de despejarem gratuitamente no Parlamento sobre os chefes por eles derrotados, ainda que na infâmia do arranjinho, a sua excitabilidade sem nível, varinas clamando pelo freguês, ou descompondo-o provocadoramente.
Mas quando leio artigos já ultrapassados pelos factos, de comentadores jovens, como o seguinte, de João Miguel Tavares, cuja seriedade se casa com a idoneidade moral e intelectual, o meu desejo é guardar esses textos, como eco de um Portugal que não pode estar morto ainda, porque tais textos o provam, de gentes de coragem e de carácter. O texto aí está, de João Miguel Tavares, que diz de Cavaco Silva o que deve ser dito, por gente civilizada por tradições de respeito e moralidade. Porque as exigências de Cavaco Silva, no contexto da aleivosia perpetrada, eram as que um chefe que se preza teria que fazer, como demonstra João Miguel Tavares:

As exigências de Cavaco Silva
João Miguel Tavares
19/11/2015
À hora a que escrevo, a página oficial da Presidência da República informa-nos de que: “Presidente Cavaco Silva observou unidade de aquicultura da IlhaPeixe”, “Presidente visitou em Câmara de Lobos nova unidade produtiva da Vinhos Barbeito”, “Presidente inaugurou no Funchal Design Centre Nini Andrade Silva”. Consta que também houve divertidas considerações sobre o tamanho da banana da Madeira. Isto é esquisito? Sim, há que admitir que é um pouco esquisito. Não querendo eu desmerecer a machucha importância da Sétima Jornada do Roteiro para uma Economia Dinâmica, assim de repente lembro-me de um ou dois assuntos mais urgentes para Cavaco tratar.
E se eu acho isto esquisito, imaginem os socialistas, os comunistas e os bloquistas, que se desdobraram, num estado semicatatónico, em entrevistas e depoimentos enquanto durava o périplo madeirense do Presidente da República. “É um escândalo!”, gritou Jorge Lacão. “É indigno!”, sussurrou Marisa Matias. “É um gangster!”, ululou o deputado do PS Tiago Barbosa Ribeiro. Convencidíssima de que a jogada de António Costa foi limpinha, limpinha, a esquerda olha agora para Cavaco como se ele fosse um apanha-bolas a queimar tempo para impedir a equipa contrária de ganhar o jogo. Só há um problema com tão arguto raciocínio: Cavaco não é um apanha-bolas. Não agora. Não nesta altura do campeonato. Durante boa parte do seu mandato, a Constituição, de facto, atribui ao Presidente pouco mais do que um papel de figuração. Mas, neste preciso momento, Cavaco Silva é um verdadeiro árbitro do sistema político, e é tão constitucional dar posse a António Costa como não dar posse a António Costa.
Mais do que isso: se Cavaco assinasse de cruz os papelinhos que o secretário-geral do PS andou a congeminar com a esquerda, sem reclamar garantias adicionais, estaria a trair as suas funções de contrapeso do regime e a imolar o discurso que proferiu no dia 30 de Outubro. Foi há apenas 20 dias, mas, dada a falta de memória generalizada, convém recordar as suas palavras e a utilização de um verbo pouco dado a subtilezas – exigir. Disse Cavaco: “Exige-se ao Governo que respeite as regras europeias de disciplina orçamental, nomeadamente o Pacto de Estabilidade e Crescimento, os pacotes legislativos denominados Six Pack e Two Pack e o Tratado Orçamental”. E, para quem tivesse dúvidas, lá veio o verbo outra vez: “Exige-se, igualmente, que o Governo respeite os compromissos assumidos pelo Estado português no âmbito da União Bancária.”
Não é “aconselha-se”. Não é “recomenda-se”. Não é “seria porreiro, pá”. É “exige-se”. E eu continuo sem ver como é que estas exigências são cumpridas pelos três papelinhos assinados pelo PS. Aliás, tendo em conta que a Europa não é referida uma só vez, será difícil encontrar por ali qualquer interpretação generosa que permita inferir que Bloco, PCP e PEV estão disponíveis para aceitar tais responsabilidades. Ah, esperem, é verdade: os três partidos assumiram que aquilo que será posto em prática é o programa eleitoral do PS, e o programa do PS assume o respeito pelos compromissos europeus. Mas aí, vão-me desculpar: se o programa do PS assume os compromissos europeus e se o Bloco, o PCP e o PEV assumem o programa do PS, então eles que apliquem a propriedade transitiva à política e assinem de uma vez por todos um acordo decente. Como as coisas estão, Cavaco só pode investir António Costa se desinvestir em si próprio.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Houve quem reparasse



Eu não reparei, até porque nem ouvi. Passei parte da manhã a tentar responder a lápis às múltiplas perguntas postas pelos múltiplos livros do 7º ano do meu neto Bruno, maneira prática de lhe facilitar o ensino, que nem sequer lhe deixa tempo para brincar. As aulas acabam tarde, lancha e não lancha, os pais chegam para o vir buscar, os livros são autênticas máquinas de criar doutores aos treze anos, que é a idade com que ele frequenta o seu sétimo ano de dificuldades, cada manual composto do livro maior mais um ou dois de exercícios, para cada uma das oito ou nove disciplinas que maravilhosamente lhe desbravam a curiosidade e a inteligência e lhe carregam as costas, dentro da sua mochila, costas que não tardarão a deformar-se, a continuar com este peso e sem tempo para brincar e correr, como eu fiz pelas mesmas alturas da vida. Eles mal sabem as tabuadas, mas têm que calcular com a calculadora as distâncias entre a Terra e as estrelas, em anos-luz, e as teorias geocêntrica e heliocêntrica, e as eras e os períodos da formação da Terra, mais as placas tectónicas que explicam os fundos oceânicos ou os movimentos que da Pangeia e da Pantalassa originaram os continentes e os oceanos que foi um ver se te avias de modificações que se deram neste planeta azul. Felizmente que não estávamos cá, mas os arqueólogos, ao encontrarem os fósseis em diferentes continentes, nos mesmos estratos rochosos, concluíram essa coisa da Pangeia que se separou como as peças de um puzzle embora de muitos milhões de anos a esta parte da estabilidade aparente. Também a hominização nos levou milhões de séculos atrás, e tudo isso recheado de imagens esclarecedoras, e de perguntas para desenvolver o nosso cérebro, que tão pequeno era quando tudo começou, no tempo do homo habilis.
Foi por isso que não ouvi da “indicação” feita por Cavaco Silva de um novo primeiro ministro de Portugal e isto soa bem, Portugal é uma palavra bonita em qualquer parte do mundo, com a sua origem em Portus Cale, segundo aprendi outrora, mas provavelmente o étimo será outro agora, tantas são as surpresas que nos colhem ao longo da vida nesta questão dos estudos, embora julgue que ainda não vem como matéria da história do sétimo ano, conquanto ainda lá não tenhamos chegado, o Bruno e eu, enredados nos sarcófagos das margens do Nilo.
Só por volta da uma hora, pois, é que ouvi alguém julgo que do bloco de esquerda, ou talvez do PC, protestar contra a palavra “indicação” em vez de “indigitação” do primeiro ministro António Costa, feita pelo presidente Cavaco Silva, que continua teimosamente a não reconhecer que o PS tenha ganho as eleições, e assim mostra com estas altivas desconsiderações antiprotocolares, a sua indignação de homem habituado a outras matemáticas, mais baseadas nas simples operações aritméticas, descobertas em função das necessidades de urbanização, quando a aldeia virou cidade nas margens do Nilo, do rio Amarelo, do Indo e dos da Mesopotâmia, Tigre e Eufrates.
Grande Cavaco Silva, autêntica pangeia nos seus princípios básicos, que a modernidade tectónica da nossa crosta alegremente subverteu.