sábado, 5 de dezembro de 2015

Será que não vai recomeçar?



«Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza», (Alain, pseudónimo literário de Émil-Auguste Chartier, 1868-1951, ensaísta e filósofo francês): Pensamento do «Escrito na Pedra» que encima a última página do Público de 28/11/15, donde já extraí o “Acabou!!!! Acabou. Acabou?» de José Pacheco Pereira e a que os artigos que seguem – «Porque sim», de Vasco Pulido Valente e a “Editorial” –«A “agenda improvável” de Costa» podem servir de resposta, no seu conteúdo de responsabilidade feita de amadurecimento cultural e ético, que a idade ainda não trouxe a José Pacheco Pereira, envolto nas brumas venenosas de um muito saber destituído da necessária cordura e equilíbrio, impregnado dos resquícios da doutrinação marxista – necessária, sim, mas sem os radicalismos utópicos e falsos próprios de todos os radicalismos, tais os que a Revolução Francesa já igualmente difundira, com muita malvadez, de mistura com as belas teorias dos seus filósofos enciclopedistas, e ainda os radicalismos que os jihadistas nos tempos presentes pretendem impor hoje, no desregramento da sua vileza sem tabus, sob falsos pretextos religiosos.
Na verdade, se o governo de Passos Coelho, a que se refere o Tri “Acabou” de Pacheco Pereira, foi duro e austero e com muitas falhas, não podemos deixar de reconhecer que, na camisa de onze varas em que necessariamente se viu metido, não poderia actuar de uma forma muito diferente, se queria livrar-se dela honrosamente, como parece que fez. Vasco Pulido Valente traça o retrato de mais esta vergonha nacional de um Costa usurpando um lugar que lhe não pertence, com os seus satélites rindo felizes, sem lhe dar garantias de eficácia colaboracionista, e um país acomodado, alinhando na falcatrua, no cinismo e na comezaina eufórica. Também Paulo Portas o apontou no seu brilhante discurso, aquando da moção de rejeição do governo usurpado, como, aliás, todos os da direita que então se pronunciaram.
É certo que poucos querem saber de pagar dívidas, neste país em que se foi aumentado com dinheiro alheio, e a iniciativa do governo anterior de pagar a dívida, os senhores e as senhoras apoiantes de Costa, desdenham, nos velhos discursos com sabor aos dos reclamantes da nossa juventude, hippies, se lhes chamava, mas postos na boca de gente que nada tem de hippie hoje, porque lhe cobre a cabeça antes o véu da sua unção, e lhe enche as mãos antes o missal da sua devoção e do seu cinismo. Os hippies – e os existencialistas, que aqueles também eram – contestavam a burguesia endinheirada a que pertenciam, estes desejam massificar uma sociedade pela igualdade, no seu ódio à diferença, coisa que por cá, aliás, já conseguiram.
Foi no que se transformou a libertação da “ditadura”. A liberdade não formou homens, porque lhes faltaram os princípios. E a perversão veio, gradualmente, manchando o caminho, descambando na irracionalidade dos pensamentos, nisto, no “porque sim” de Pulido Valente, a que se aplica o axioma do Escrito na Pedra: «Ninguém aceita uma parcela de poder sem a condição de uma parcela de malvadeza».
Mas a reposição dos direitos dos “trabalhadores”, segundo Pulido Valente e a Editorial, parece mergulhar no vazio de uma utopia que o tempo talvez não tarde em demonstrar. Oxalá que não.

Porque sim…
Vasco Pulido Valente
Público 28/11/2015
A esquerda manifestou ontem a sua alegria, embora misturada com uma certa raiva a Cavaco, agora absolutamente inútil. Se deixasse o cavalheiro espernear sozinho em Belém, não tinha estragado a sua festa. Até porque, como de costume, o conformismo do indígena entrou logo em cena e, tirando um ou outro caso de convicção e teimosia, os jornais, o Komentariado e a televisão começaram logo a louvar o inominável governo do sr. Costa e as felicidades que ele seguramente nos traria. Houve mesmo um originalíssimo grupo de beatos que resolveu promover um jantar na Casa do Alentejo para comungar na alegria colectiva da vitória, com o proverbial lombo de porco e batatas fritas. Deus lhes dê uma longa vida e muitos pretextos para se unirem assim na sua fé.
Cá de fora, não pareceu que os motivos dessa tão devota euforia merecessem uma grande confiança. Compreendo muito bem que um subsídio, uma encomenda ou uma ajudazinha no emprego alegrem a alma. Mas não parece que o “bodo aos pobres”, como a direita lhe chama, ou a “redistribuição”, como lhe chama a esquerda, venha a ser uma coisa por aí além. Num país com a dívida pública e privada de Portugal e uma economia pequena e frágil, em que se investe pouco e mal, não sobra muito para acabar com a miséria, o desemprego e a pobreza de uma “classe média” que nunca chegou verdadeiramente a existir. O óbolo que se pretende dar aos “mais desfavorecidos” não lhes devolverá o optimismo do tempo em que, à superfície, o mundo se mexia a seu favor e ninguém esperava um percalço ou uma catástrofe.
Hoje, o dr. Costa e as suas tropas contam, para nos livrar deste desgraçado destino, com o aumento do consumo interno da gente encalacrada a quem deram uns cêntimos, com uma extraordinária epopeia científica e cultural (?) e com os milhões do universo exterior que serão atraídos pelo PCP e o Bloco e pelo seu conhecido tacto para receber e regular a iniciativa privada. Quanto ao resto, 19 ministros, 41 secretários de Estado e, como certeza, umas centenas de assessores saídos direitinhos da América e da Inglaterra bastam para pôr em ordem a vida portuguesa e a administração, de acordo com os melhores preceitos da arte. Pena que o Partido Socialista falhe sempre com Soares, com Guterres, com Sócrates. Mas desta vez não falhará com Costa. Porquê? Porque sim.

A “agenda improvável” de Costa
Direcção Editorial
Público, 28/11/2015
Não é preciso acompanhar de muito perto a política nacional para perceber que talvez o mais difícil para António Costa ainda esteja para chegar e que o novo primeiro-ministro vai ter de fazer a quadratura do círculo para conseguir ultrapassar os muitos desafios e obstáculos que tem pela frente. O longínquo The Times of India publicava esta quinta-feira, dia de tomada de posse do XXI Governo Constitucional, uma notícia em que, para além de se congratular com o facto de o novo primeiro-ministro ser “de origem goesa”, resumia de uma forma inteligente e informada os tempos “difíceis” que Costa tem pela frente: “Simultaneamente [terá de] assegurar os compromissos com a União Europeia e dialogar com partidos de esquerda que rejeitam o acordo desde o início, insistir num programa socialista que permita uma redução sustentável de défice e dívida, aumentar salários mínimos e descongelar pensões.” Um caderno de encargos que o jornal indiano classificava de “agenda improvável”.
No Parlamento, esta sexta-feira percebeu-se as dificuldades que o líder dos socialistas vai ter para tornar provável essa “agenda improvável”; a maior parte das propostas mais sensíveis de alterações às leis que subiram ao plenário acabaram por descer às respectivas comissões sem votação para serem discutidas na especialidade. Um adiamento que mostra que ainda há muito trabalho a fazer para que haja uma convergência à esquerda que seja consequente.
Aliás, a “posição conjunta do PS e do PCP sobre a situação política”, um dos acordos que permitiram aos socialistas chegar ao poder, já alertava para uma lista de temas sensíveis em que, “apesar de não se ter verificado acordo quanto às condições para a sua concretização, se regista uma convergência quanto ao enunciado dos objectivos a alcançar”. Dois desses temas sensíveis, a extinção da sobretaxa do IRS e o fim dos cortes nos salários da função pública, chegaram ontem ao Parlamento, mas foram remetidos para discussão na especialidade nas respectivas comissões, sem votação. Aliás, todos os restantes dossiers levados pela esquerda à Assembleia da República, à excepção do fim dos exames do 4.º ano do ensino básico, tiveram o mesmo destino, ou seja, o adiamento. A direita, agora na oposição, não perdeu tempo e tentou transformar os adiamentos num caso político. “A decisão da esquerda ou das esquerdas é adiar, adiar, adiar”, comentava Cecília Meireles do CDS.
Os deputados têm agora 20 dias para fazer a discussão na especialidade para que as propostas possam voltar a ser votadas. Um tempo que António Costa terá de aproveitar para se sentar à mesma mesa com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins e tentar chegar a um consenso, sobretudo quanto à velocidade com que se vai tirar o pé do acelerador da austeridade. A falta de entendimento sobre estes temas sensíveis numa altura tão precoce da legislatura equivaleria a uma sentença de morte para este Governo.

Nenhum comentário: