domingo, 8 de novembro de 2015

Um sorriso de turbante



Não sei bem porquê, o sorriso de entendido de António Costa tem-me trazido à mente, ultimamente, a figura espectacular de Joana Simeão, uma activista que surgiu logo após o 25 de Abril, lá por Moçambique, assim que foi mandatado o processo da independência, pelos zeladores portugueses dos destinos pátrios, tendo ela chefiado um dos bandos interessados no poder. Mais tarde seria presa por outro bando e acabaria morta, leio que queimada viva, regada com gasolina, na pressa, compreensível, de decidir dos destinos de uma nação a desabrochar, eliminando os empecilhos, nada parecido com o caso de Joana d’Arc dos tempos recuados da história anglo-francesa, onde também havia – houve sempre – despiques de governação, até assentarem, e as cremações eram mais sentidamente devotas, ainda não poluídas com gasolina, combustível desconhecido nesses tempos de atraso, mas igualmente de empecilhos.
Joana Simeão, lembro-me bem da sua voz sonora, aconselhando o seu povo a não se exaltar contra os brancos, maneira cavilosa de os incitar a isso, como escrevi nesses tempos, em “Pedras de Sal”, figura que desenhei, no mesmo livro, da seguinte maneira:
Assim é Joana…
Itinerante. Revolucionária. Espaventosa e de gracioso turbante.
Cem por cento militante,
-Ela o diz, a gente o crê, pelo que ouve e o que vê -
Vai em frente, sempre avante,
Cheia de força e de fé,
No ardor da sua palavra
Convincente e operante.
Gira que gira, torna que torna,
Põe, depõe, repõe, compõe,
Sempre com garra, sempre com alma.
Assim é Joana,
Itinerante e de gracioso turbante.
Espírito gritante, diz verdades convincentes
Que andam na boca das gentes.
Insulta e recebe insultos
Não se rala e vai avante
Devolvendo, veemente,
Olho por olho, dente por dente.
Assim é Joana.
Graciosa, em turbilhão,
Saltando ágil na ampla arena
Do terreno cobiçado
- Moçambique, sua terra –
Onde julga vir a ter
Papel preponderante.
Mas sempre na augusta cabeça
Um majestoso turbante.

Deve ter sido o sorriso rasgado de António Costa, ao longo das suas exposições junto dos parceiros sociais da esquerda, nas mesas a que a televisão tinha acesso, que me trouxe à memória o tal turbante da Joana Simeão, o qual a demarcava do vulgar lenço que outras suas conterrâneas usavam. Tal se me revelou o sorriso demarcador de Costa ante os parceiros e a televisão, mostrando que tudo ia bem no melhor dos mundos, tipo cocorocó ou gluglu de galináceo, e que a seres rancorosos como eu, consciente de que a situação não é de rir mas de chorar, produziu o tal efeito inesquecível do turbante:

Assim é Costa. De sorriso contundente
Que hoje se revelou mais discreto
Para convencer um país obsoleto
Sempre pronto a aceitar quaisquer migalhas
Da mesa das vitualhas
Que ele promete impante
Com o desplante
De alguém mais que indiferente
Àquilo que vai destruir
Só para ter o poder
De, do governo, usufruir,
Sem ouvir outra razão
Que não seja a ambição
De governar,
Fingindo que o que quer
É dar oportunidade à esquerda,
Condenada ao triste fado
De estar longe do poder
No papel de boicotar
E de exigir
Obtido na vilania
Do ódio e da aleivosia
De atacar porque sim,
Ou porque não,
Em babugem de virtude
Ou bondade como fim
Que não são senão pretexto
Para obter a simpatia
Desse povo só coeso
No pedir.
Pobre país atraído
Por promessas de sorriso
Sem turbante mas impante,
Dando oportunidade ao partido
Que os marretas de agora,
Bem desprezavam outrora!
Pobre país traído,
Mais uma vez adiado,
Nosso fado!

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