terça-feira, 3 de novembro de 2015

Statu Quo



O artigo de Vasco Pulido Valente lembrou-me o tão chocarreiro e extraordinário poema de Jacques Prévert, de que gravo a seguir um excerto, denúncia de um estado de espírito igualmente desesperado  - e por isso desabando em torrentes de palavras, quantas delas por si criadas, como balas de impacto enorme, na ironia da sua visão negativista do mundo, em que a palavra não passa de artifício para mascarar sentimentos e atitudes, «ceux qui croient croire, ceux qui croa croa», puro bla bla bla em que desperdiçamos nós também as nossas convicções analíticas de uma situação caótica a redundar em catástrofe, no meio da passividade geral, “nous aussi nous bousculant, nous dépêchant”, «car il y avait un grand dîner de têtes et chacun s’était fait celle qu’il voulait», e era mais importante continuar como se nada fosse , mas sentenciando sempre.
Mas José Carlos Gonçalves Viana é dos que tentam remediar e o seu texto “Os meus três assuntos importantes”, publicado no “A Bem da Nação” apresenta argumentos que parecem sábios. Inscrevo-o com os outros dois, como forma de contrariar o “désarroi” em que vivemos, na curiosidade da análise e na esperança das reformas que propõe. O negativismo dos primeiros é mais delirante e insinuante ao revelar as facetas artísticas dos seus autores, no conceito sobre o Homem, mas o construtivismo, pelo menos, tenta reverter os maus caminhos por onde sempre andámos, apelando para uma nova sociedade:

Palavras para passar o tempo

Vasco Pulido Valente

Público,01/11/2015
A televisão, o Komentariado, a internet e os jornais não fazem outra coisa senão discutir o sentido do voto de 4 de Outubro; um governo que aparentemente existe mas não governa; um governo que não existe mas vai governar; o que o Presidente parece ter querido dizer; o que o presidente de certeza não disse; o estado de espírito de António Costa; o que verdadeiramente pensa, ou não pensa, Jerónimo de Sousa; um “pacto” que haverá ou não haverá entre o PS, o Bloco e o PC; a exacta natureza e a “estabilidade” desse pacto; o que por aqui e por ali declaram os “notáveis” partidários; as tradições da democracia indígena; e a aflição da “classe média”. O mais curioso sobre esta polémica apaixonada e febril é que ninguém sabe, nem quer saber, rigorosamente nada sobre o que está a discutir.
Como se pode discutir sobre nada? Por um processo semelhante ao que os romanos usavam matando bois. Na falta de bois e só com galinhas congeladas, os peritos de agora examinam a “crispação” ou a “descrispação” das personagens políticas, e a frase ocasional que elas deixam escapar; as “manchetes” do Expresso (que são oraculares) e a magreza ou o cansaço dos santinhos da história. A culpa não é dos jornalistas, nem do Komentariado. A culpa é da etiqueta estabelecida para mudar de governo, que não passaria pela cabeça de Luís XIV, e do gosto pelo segredo das “figuras” do Estado e dos partidos, que medem a sua dignidade pelo pouco que revelam ao povo sobre os negócios em que se meteram e nos meteram. Não admira que enxames de portugueses desesperados repitam desesperadamente as mesmas coisas, como se o mundo acabasse agora.
Mas tristezas não pagam dívidas, como Bruxelas nos costuma advertir: e um pouco de ignorância anima a vida e permite a qualquer estúpido perorar sobre o que lhe apetecer. Não há dia em que não apareçam duas dúzias de iluminados, dispostos a revelar os mistérios da nossa vida. É gente que gosta de barulho e não gosta de ideias e que também merece a nossa consideração numa democracia moderna. Claro que o público fica tão confundido como estava, mas também os portugueses tiveram 50 anos de treino de ouvir e calar. A única diferença é que hoje ouvem e respondem e é como se não ouvissem, nem respondessem. O espectáculo, até sem luzes, sempre consola mais. E, no meio da confusão, a PIDE nem sequer lhes bate.
Jacques Prévert (in «Paroles»):
«Tentative de description d’un dîner de têtes à Paris-France» publié dans le recueil Paroles en 1946
Ceux qui pieusement
Ceux qui copieusement
Ceux qui tricolorent
Ceux qui inaugurent
Ceux qui croient
Ceux qui croient croire
Ceux qui croa-croa
Ceux qui ont des plumes
Ceux qui grignotent
Ceux qui andromaquent
Ceux qui dreadnoughtent
Ceux qui majusculent
Ceux qui chantent en mesure
Ceux qui brossent à reluire
Ceux qui ont du ventre
Ceux qui baissent les yeux
Ceux qui savent découper le poulet
Ceux qui sont chauves à l’intérieur de la tête
Ceux qui bénissent les meutes
Ceux qui font les honneurs du pied
Ceux qui debout les morts
Ceux qui baïonnette… ont
Ceux qui donnent des canons aux enfants
Ceux qui donnent des enfants aux canons
Ceux qui flottent et ne sombrent pas
Ceux qui ne prennent pas le Pirée pour un homme
Ceux que leurs ailes de géant empêchent de voler
Ceux qui plantent en rêve des tessons de bouteille sur la grande muraille de Chine
Ceux qui mettent un loup sur leur visage quand ils mangent du mouton
Ceux qui volent des œufs et n’osent pas les faire cuire
Ceux qui ont quatre mille huit cent dix mètres de Mont Blanc, trois cents de Tour Eiffel, vingt-cinq centimètres de poitrine et qui en sont fiers
Ceux qui mamellent de la France
Ceux qui courent, volent et nous vengent, tous ceux-là, et beaucoup d’autres entraient fièrement à l’Élysée en faisant craquer les graviers, tous ceux-là se bousculaient, se dépêchaient, car il y avait un grand dîner de têtes et chacun s’était fait celle qu’il voulait. 
Lisboa, 31 de Outubro de 2015
 José Carlos Gonçalves Viana
OS MEUS TRÊS ASSUNTOS MAIS IMPORTANTES
O ser humano, como ser vivo que é, tem como primeiro dever sobreviver e da mesma forma todas as organizações humanas desde a família até aos estados e passando pelas empresas devem cuidar de cumprir este dever, pois se assim não for mais tarde ou mais cedo, normalmente mais cedo, serão eliminados.
Ora para se conseguir sobreviver tem que ser mais competitivo ou pelo menos tão competitivo como aqueles que connosco competem e assim podermos garantir também a nossa independência.
O exemplo do afogado: uma pessoa cai à água e a primeira coisa a fazer é ter a boca e o nariz fora dela para poder respirar, a seguir conseguir sair da água e se estiver frio tratar de se aquecer para não morrer de hipotermia. E depois alimentar-se. Quando a primeira fase da sobrevivência estiver passada, mesmo que seja apenas no curto prazo, pode e deve organizar-se para viver, no entanto nunca esquecendo a importância de garantir a sobrevivência. Aquilo que agora se denomina como a sustentabilidade do sistema adoptado.
Para que tudo corra bem é essencial que a pessoa, ou o grupo de pessoas, saiba gerir os seus trabalhos e a sua vida de forma eficiente e um dos princípios desta eficiência é sempre saber distinguir o essencial do acessório. Como se pode entender consultando o esquema resumido apresentado em anexo.
Assim aplicando este princípio há que ter a noção das causas essenciais da crise que sofremos nestas últimas décadas e conseguir realizar os actos necessários para inverter o rumo catastrófico que temos vindo a percorrer.
Em Setembro de 2013 publiquei um artigo sobre a reforma do Estado, mas dada a situação actual não resisti a voltar a este tema, embora mais resumidamente.
Houve muito dinheiro fácil desde subsídios europeus para o nosso desenvolvimento que foram muito mal utilizados até financiamentos com juros baixos, quer para o Estado quer para as empresas e para os cidadãos, que foram aplicados em consumo e investimentos impróprios em vez de contribuírem para aumentar a nossa competitividade. Foram cerca de 300 000 milhões de euros que entraram mas o PIB nacional foi pouco afectado como deveria ter sido. E curiosamente durante as décadas em que isto aconteceu nenhum dos dois partidos, PS e PSD, que lideraram alternadamente a governação do País, deu sinal de desacordo ou de tentativas de correcção, até estarmos à beira da bancarrota.
E na tradição do século XIX, de triste memória, sempre tentando atribuir as culpas a outros…
A que se deve acrescentar o pouco interesse da nossa comunicação social por estes temas. Porque terá sido?
E além disto verificou-se o desenvolvimento de uma estrutura do Estado com elevado valor de despesa não produtiva, praticamente em todos os Órgãos de Soberania e nas Autarquias, que obviamente não possibilita diminuir o défice e portanto o pagamento das dívidas e ainda por cima com uma actuação governativa que dificulta o desenvolvimento económico e social.
Portanto para se realizar este objectivo, isto é, corrigir este rumo para outro de desenvolvimento e independência, julgo ser essencial realizar estes três planos de actividade, obviamente aplicando com todo o rigor os princípios da gestão eficiente:

1º A reforma do Estado, sem o que não conseguiremos pagar a dívida e aumentar o desenvolvimento e a sustentabilidade.

2º Recuperar a independência perdida mesmo que façamos parte duns Estados Unidos da Europa, única solução para a sustentabilidade dos europeus, o que significa ter sob o controle nacional, seja privado ou estatal, as principais actividades de que depende a nossa independência.

3º A recuperação da Marinha, como conjunto da Armada e das Marinhas de Comércio, de Pescas e de Recreio, não só por razões de segurança e de economia mas principalmente para recuperarmos a actividade nacional que mais contribuiu para fundar a nossa independência e a nossa posição no mundo.

Temos agora uma oportunidade excelente de o próximo Governo e o próximo Presidente da República cortarem os custos excessivos das suas despesas operacionais e realizarem as reformas estruturais que os anteriores não quiseram ou não conseguiram concretizar.

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